C A P Í T U L O 1

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ETHAN STONE


Os guardas fecharam os portões em minhas costas. O vento gelado colidiu com o meu rosto assim que virei meu pescoço. As ruas vazias eram um lembrete frio e solitário.

Reconheci o carro que virou a esquina e me apressei para seguir na direção contrária. Minha perna estava doendo e os meus passos tornaram-se lentos, incapacitando-me de correr. Ergui o capuz do moletom sobre a minha cabeça, apertando os meus passos.

— Entre no carro, Ethan. — Continuei caminhando.

Não diria que era humilhante, mas não queria entrar em uma discussão no momento.

— Ethan! Entre no carro, agora! — Parei ao ver a lateral do carro encostando perigosamente em meu corpo. — Não me faça descer, garoto!

Respirando o ar gélido, entrei e bati a porta. Ele deu ré até que estivéssemos em frente ao pátio, onde havia alguns detentos perambulando.

— Esta será a última vez — ele diz cansado —, não tenho mais nada para livrá-lo das grades.

— Este não é o momento de se manter em silêncio, Ethan. — A buzina soou quando o seu punho esmurrou o volante. — Qual é o problema?!

— Não estou arrependido. — Ainda sem olhá-lo, expliquei.

— Não está arrependido? Não está arrependido? — Nossos olhos se chocaram, assim que meus ombros foram puxados por ele. — Olhe para mim, olhe para mim!

Seus gritos encheram os meus ouvidos, ecoando em um zumbido insistente. Esfreguei meu rosto, sabendo que as dores causadas pelo impacto do airbag estavam voltando.

— VOCÊ NÃO É BRANCO!

Encarei seus olhos pretos, cansados. Sua cabeça branca, que refletia a sua vida sofrida, os seus dias exaustivos. Suas mãos marcadas pelo trabalho árduo. A expressão angustiada, a boca trêmula e a forma fria que eu estava lidando com a sua preocupação.

— Eu sou o seu pai, e a minha pele não é branca! Você não tem privilégios! Olhe ao seu redor, onde estão os brancos? — Levei meus olhos até as colunas de concreto, as barras de ferro e os guardas que protegiam as entradas e saídas. — Agora olhe pra onde está o seu povo!

A quantidade de homens como eu multiplicavam-se enquanto seguia os penitenciários no pátio. A soma crescia sob os meus olhos.

— Garotos como você não tem segunda chance, filho. É isso o que eles querem, nos verem atrás daquelas grades. É isso o que quer de sua vida?

Meu pai não sabia muito sobre mim. Talvez ele não soubesse nada. Kalel decidiu me criar quando eu estava prestes a completar doze anos, por que a prostituta que ele fodeu por uma noite faleceu e o concelho tutelar encontrou o seu número.

Kalel não sabia sobre a necessidade que eu tinha de estar sob a adrenalina. Ele não conseguiria entender. Até porque, um homem que trabalhava doze horas por dia em uma fábrica de sabão, sendo sua única aventura uma transa rápida em uma cama suja de um motel, não compreenderia um adolescente que adorava chegar ao limite.

— O seu amigo foi liberado em menos de uma hora. E você, Ethan, quantas horas acha que ficou lá? Eu vou te responder essa. 78 horas! — Com os olhos ainda presos no pátio que estava se esvaziando, deixei que expressa-se sua frustração. — Eu peguei tudo o que a gente tinha e paguei sua fiança!

— Eu pagarei. — Por fim, olhei para ele. — Vou te pagar.

— Mas você vai mesmo. — Trocando a marcha, acelerou o carro. — Você vai trabalhar. Falei com um dos conhecidos de um funcionário da fábrica que trabalha em uma cafeteria próxima a sua escola. Eles estão precisando de um perfil igual ao seu. Você começa amanhã.

— Não estou procurando emprego. — Minha calmaria estava sendo substituída por irritação.

— Não devia ter feito isso — ralhei.

— Ou o que? Vai roubar o meu carro também?

— Essa é uma escolha minha!

— Comida na mesa é necessidade, não escolha. Amanhã, às 14 horas, você começa.

Eu não me orgulhava do babaca que estava sendo. Em partes ele tinha culpa, mas o maior culpado era eu. Kalel estava certo, minha cor era ultrajante para algumas pessoas, mas não podia deixar que fizessem comigo o que fizeram com ele. Não nasci para ser mandado, mesmo que fosse exatamente isso o que estava acontecendo.

Eu odiava me explicar, me submeter. Tina Clark, minha mãe, adorava mandar e ser obedecida. Todas as noites, quando seus clientes chegavam, ela me fazia observá-los. Por doze anos, ela me fez olhá-la foder com vários caras. Era nojento. Ela era nojenta. Alguns deles tentaram persuadi-la a deixar que eu participasse. Ela apanhava, muito, mas nunca permitiu que alguém tocasse em mim.

Essa era a única lembrança boa que eu tinha dela. E, mesmo sendo compulsiva por controle, ela me ensinou uma única lição: eu era o único que podia controlar a minha vida.

***

— Hugo está esperando-o — Evan avisou, após me reconhecer.

Ainda com o capuz em minha cabeça, caminhei até a mesa, onde muita droga estava sendo pesada e embalada. Hugo se levantou, fazendo com que Mick me percebesse.

— O seu trabalho fracassou! — As palavras estralaram em sua voz rude.

— Olhe o que fez em meu nariz. Mate-o, tio! — Mick decidiu ser corajoso.

Embora todos soubessem que eu não matava, o homem que devia ser oito anos mais velho que eu, atiçava a minha vontade de querer tirar a sua vida.

— O carro era falso — entreguei as chaves para Hugo —, o verdadeiro está em sua calçada.

Hugo, com um aceno de cabeça, ordenou que um dos seus comparsas verificasse o que tinha dito. Esperei impaciente, sabendo que Mick estava torcendo para que eu estivesse mentindo, e o meu sangue fosse arrancado por seu chefe.

— Está lá, senhor. — Não me virei, pois tinha convicção do que estava fazendo.

— Seu carro está em sua porta com o dinheiro embaixo dos bancos. Meu trabalho foi feito, quero a minha parte do acordo — vociferei, sustentando o seu olhar astuto.

Estendendo seus dedos para chamar uma das garotas que estava ao seu redor, Hugo mandou que fizesse algo que não alcançou os meus ouvidos. Após alguns segundos, ela retornou com um envelope.

— Sua parte em dinheiro. Essa parte do contrato está encerrado, mas a outra continua de pé. — Acenei, sabendo que ele não me daria total liberdade.

— Não irá matá-lo? — Mick gritou frustrado.

Me afastando, vi quando Hugo estralou seu punho no nariz quebrado de seu sobrinho, fazendo o sangue jorrar.

— Cale sua maldita boca antes que seu nariz não seja o único a sangrar — ouvi, atravessando as portas de aço.

Ninguém era criado para ser um cretino, mas os filhos seguem os exemplos dos pais, não é mesmo?

Acendendo um cigarro, deixei que a nicotina esvaziasse o estresse de mais cedo. A fumaça misturava-se com o ar gelado, intensificando a confusão que a minha vida era. Tina dizia que eu era um bastardo arrogante, criador de problemas.

Arrancando os motivos sórdidos que assombravam o meu passado, caminhei para casa, deixando que fizessem o que faziam de melhor. Roubar as minhas escolhas.


BASTARDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora