C A P Í T U L O 10

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NAOMI RUSSELL


Depois de trancar a porta, arrastei uma cadeira, apoiando-a debaixo da maçaneta. Todas as noites, ou quando eu estava em casa, era assim. Aqueci meus pés gelados com dois pares de meias e me encolhi na cama velha. As molas enferrujadas cutucavam as minhas costas, mas eu sempre me mantinha na mesma posição, virada para a porta.

Eu sempre estava com medo, mas durante a noite, o sentimento parecia triplicar. Era quando tudo estava em silêncio, que a minha casa parecia criar vida. O carpete gasto chiava ao ser esmagado pelos pés de Neo durante toda a madrugada, as dobradiças rangiam, a televisão berrava no último volume e o barulho de coisas sendo quebradas era um sinal de que ele havia conseguido dinheiro para comprar drogas.

Fechei os olhos, bem apertados, buscando ignorar tudo ao meu redor, mas percebi que não estava dando certo quando os abri novamente. A luz da sala espreitava-se por debaixo da porta, fazendo sombras no papel de parede descascado. O azul desbotado e as várias manchas de mofo esmurravam o muro que ergui, onde as minhas memórias estavam seguras. Então, me lembrei de Ethan, e os blocos transformaram-se em pó.

Eu conseguiria me livrar das lágrimas, mas eu soube que não adiantaria quando senti meu nariz entupir. Porra.

***

Me arrependi de passar a noite chorando quando me olhei no espelho e vi o inchaço em meus olhos, parecia até que havia sido eu a usar drogas, não o Neo. Sem qualquer produto para esconder, somente lavei o rosto e corri, tentando não pisar na bagunça de meu pai.

Meu estômago roncava enquanto esperava pelo ônibus.

— Querida, se estiver esperando o ônibus da escola, saiba que ele passou há cinco minutos — uma senhora avisou, olhando-me com pena.

— Ah, obrigada! — Dei um meio sorriso, me culpando novamente por ter deixado que o meu choro tivesse levado o meu sono.

A escola era trinta minutos de ônibus de minha casa, e eu não tinha dinheiro suficiente para pagar outro. Merda. Decidida a ir caminhando, segui pelo trajeto que o ônibus fazia.

***

Depois de quarenta minutos andando, suor gotejava por todos os meus poros enquanto meus pés doíam dentro dos sapatos velhos. Espremendo os olhos para enxergar mais um ponto de ônibus, ouvi o ronco de um carro próximo de mim. Me arrependi no mesmo instante de ter olhado.

— Entre, Russell! — Ignorando Ethan, me distanciei da rua. — Não me faça descer...

— Ou o que? — Parei, respirando fundo.

Abrindo a porta, percebi que ele me arrastaria para dentro caso não fizesse o que queria. Antes que saísse, dispensei uma cena, abrindo a porta do passageiro. Me sentei, bati a porta com força e olhei para frente.

— Por que está me oferecendo carona?

— Não ofereci. — Atravessei o cinto de segurança em meu peito assim que o carro se movimentou.

— Então o que é isso?

— Eu mandei que entrasse no carro, tem diferença entre oferecer e mandar.

Por que eu tinha entrado mesmo?!

Eu tentava, tentava muito ignorá-lo, mas era simplesmente impossível. Ele estava em qualquer lugar que eu olhasse, ele estava em minha pele, nas minhas memórias. Eu sentia-o mesmo que não me tocasse. Ethan Stone me dominava mesmo que não soubesse.

Pelo canto do olho, observei suas mãos grandes apertando o volante de couro. Seus músculos estavam tensionados e as pernas abertas. Não pude evitar quando meus olhos desceram para o volume exagerado no meio de suas pernas.

— Está gostando do que está vendo, Russell?

— O que? — Olhei rapidamente para o seu rosto impassível.

— Está interessada em alguma coisa que está dentro das minhas calças?

— Sim. Tenho o interesse de enfiar o meu sapato no meio das suas bolas.

Ele não esboçou nenhuma reação.

— Ao invés de enfiar o sapato, você podia chupá-las.

Com o rosto virado para a janela, apertei minha mochila contra o meu peito. Esta era a segunda vez que percebia algo que nunca tinha acontecido entre nós. Ethan nunca me ofereceu uma carona.

Quando Ethan entrou na escola, minha mãe tinha feito três meses que havia falecido. Meu irmão, seis anos mais velho que eu, tornou-se um rebelde, viciado em crack, enquanto meu pai se mostrou-se uma ameaça para mim. Mas, quando eu olhei para Ethan Stone, o novato, eu soube que a vida dele era tão quebrada quanto a minha. Ele era somente uma criança, assim como eu, mas, ainda assim, eu soube.

Minha mãe nunca escondeu o que meu pai fazia com ela, desde as torturas até as trocas. Neo adorava vê-la com outros homens, enquanto ele comia as prostitutas em sua frente. Ela cometeu suicídio no quarto em que eles dormiam, no mesmo quarto que inúmeras vezes a escutei chorar.

Neo me culpou, Taylor, meu irmão, me culpou. Mas, naquele mesmo dia, quando cheguei na escola, ninguém sabia sobre o ocorrido. Ninguém me olhou. Ninguém se importou com os meus olhos inchados. Mas, Ethan Stone, me viu. Ele não me disse nada, mas eu senti que compartilhávamos da mesma dor, mesmo que eu não soubesse nada sobre ele.

Então, dois anos depois, Neo me fez falar coisas horríveis para ele. Meu pai conhecia Ethan de algum lugar, mas nunca soube de onde. E, desde aquele dia, Stone nunca mais me olhou do mesmo jeito. Constrangida com o que Neo me fez fazer, eu me fechei. Ignorei Ethan, mas ele não permitiu.

Ninguém me via até ele chegar.

Nossa história começou com a dor em nossos olhos, e terminou com as risadas de zombaria quando ele me beijou pela primeira vez.

— Por que esteve chorando? — Pisquei algumas vezes ao ouvi-lo.

O olhei rapidamente, para logo encarar o meu reflexo no retrovisor. Minhas pálpebras ainda estavam inchadas e levemente avermelhadas.

— Não estive — menti. — Você tem que parar com isso, Ethan.

Ele troca a marcha, fazendo-me acreditar que a sua resposta seria o silêncio, mas me surpreendi quando ouvi a sua voz grossa, extremamente expressiva.

— Não tem como parar.

Então, ele me olhou e, por alguns segundos, eu recebi aquele olhar. Aquele mesmo olhar vazio, mas que continha tanta força que conseguia prender os meus medos mais profundos até as minhas vontades mais rasas. Ele via além dos meus olhos inexpressivos, ele via todo sentimento guardado atrás de toda frieza que aprendi a construir.

Porra! — ele xingou, assim que um carro buzinou, fazendo-o frear. — Merda, Russell.

Com a mão no peito, respirando fundo com o susto, vejo-o ignorar o motorista, acelerando o carro mais uma vez. Seus olhos focados na estrada e as mãos firmes no volante, demostrava irritação.

— Você está bem? — perguntei.

Sem me responder, olhou-me minuciosamente, voltando para a estrada. Empurrei minhas costas no estofado, odiando o que ele fazia comigo.

— Eu te odeio — sussurrei.

— A parte boa de me odiar, é que você me mostra todas as suas faces. Principalmente aquela que ninguém se importa em ver. — Ele quebra o silêncio.

— E qual seria?

— Aquela que te machuca. Eu sei exatamente onde te tocar.

Meu coração acelerou.

Ele vira a esquina, parando o carro em frente à escola.

— As coisas serão diferentes a partir de hoje, Russell.  

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⏰ Última atualização: Jun 03, 2022 ⏰

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