C A P Í T U L O 9

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ETHAN STONE


Entrando pelos fundos, ouvi o som de soluços e a voz de Naomi implorando. Varrendo o espaço com os olhos, encarei Gabriel que estava de cabeça baixa sentado em uma caixa. Sabendo que ele não me diria nada, me aproximei da porta de onde as vozes estavam vindo.

— Por favor, por favor, não posso perder esse emprego. Não faça isso comigo, John. — Pela fresta da porta observei-a gesticular. Ela chorava e implorava.

— Me desculpe, Naomi, mas desta vez eu não posso fazer nada.

— Por favor, eu terei mais cuidado. Eu juro que terei, mas não faça isso.

— Acreditei em você, acreditei em todas as vezes que me disse isso. Mas agora é diferente. Você não somente esbarrou em um cliente qualquer, mas deixou que caísse a sua bandeja com todas as bebidas na esposa do presidente regional. Ele esta solicitando a sua demissão.

— Por favor, John. — A forma humilhante que ela implorava aquecida a raiva dentro de mim.

Ela devia somente implorar para mim, nunca para outro.

— O que aconteceu, Gabriel? — Esperei por uma resposta, mas ao perceber que não viria, fui até ele, segurando em seu pescoço. — O que aconteceu?

O controle estampado em minha voz avisava o meu colega de trabalho que eu não estava brincando. Apertei seu pescoço, afrouxando em seguida para que ele pudesse me responder.

— Ela tropeçou... deixou as bebidas... porra, cara. Não consigo... respirar. — Deixando o seu pescoço, esperei impaciente. — Ela tropeçou. As bebidas caíram na esposa do gerente. Ela ficou furiosa.

Não era problema meu. Ela não era problema meu. Porra.

Ela é o meu problema.

Esfregando os meus olhos, senti raiva pela forma que as coisas aconteciam. Senti ainda mais raiva por situações diferentes acabarem resultando na mesma merda. O preconceito das pessoas somente atingia uma única classe, a menos favorecida. Podia ter todos os problemas com Naomi Russell, mas entendia perfeitamente a sua situação.

— A gente não tem o que fazer... — ele começou, mas eu estava focado nos passos que se aproximavam da porta.

A primeira coisa que notei foram os olhos inchados de Naomi. A segunda foi a vontade de matar. Passei anos reprimindo um sentimento, para que em instantes ele me consumisse. Eu era forte, eu tentava não me importar, mas a sua indiferença provocava o meu controle.

— Essa é uma boa hora para realizar o que me disse, Ethan. Quer terminar de quebrar o resto dos pedaços que restaram? — Nunca vi Naomi Russell chorar, e eu não estava gostando do que estava vendo.

— Não é desta forma que eu vou te quebrar — rosnei, caminhando para a porta que ela havia acabado de sair.

Caminhando para o escritório da gerência, vi que John estava em sua sala através das janelas de vidro que rodeavam a porta. Bati na madeira, mas não esperei que me convidasse para entrar.

— Preciso falar com você — disse baixo, me movendo lentamente até ele.

— Claro. Pode se sentar.

Encarando o subgerente engomadinho, analisei o seu terno caro, que a esposa devia ter levado a lavanderia em algum momento da semana. Alguns porta-retratos estavam espalhados no canto esquerdo de sua mesa, onde uma mulher e duas crianças brancas sorriam.

Me sentando, segurei o seu olhar entediado. Apoiando meus cotovelos em minhas pernas, entrelacei meus dedos.

— Belo terno.

— Ah, obrigado. — Ele mudou o seu olhar para as abotoaduras douradas em seus pulsos. — Minha esposa que escolheu.

— Ela ficará decepcionada ao saber que você o sujou.

Soltei uma risada pelo nariz ao visualizar o seu desentendimento.

— Vou te explicar somente uma vez. — Levantei meu dedo para enfatizar. — Você vai ligar para o gerente e vai dizer que tudo não passou de um mal-entendido. Naomi virá ao trabalho amanhã como se nada tivesse acontecido.

— E por que devo fazer isso? — John olhou-me com ironia. — Faço um favor e ainda recebo ingratidão. Você entende que terei que preencher duas demissões, garoto?

— Sua esposa sabe que você tem um caso com a balconista? — Encostei minhas costas na cadeira, percebendo que acertei o meu alvo.

Sua expressão murchou, para logo ser substituída por indiferente.

— Você não sabe com quem está mexendo.

— Você devia pesquisar mais sobre os seus funcionários — me levantei. — Você que não tem ideia de com quem está mexendo.

Friamente, encarei seus olhos irritados.

— Quando eu sair desta sala entre em contato com o gerente. Eu estarei de olho em você.

— Não tenho medo de sua ameaça, negrinho.

Sorrindo debochadamente, olhei o cartaz que estava colado em um mural ao lado da foto do funcionário do mês. "NÃO AO RACISMO, NÃO AO PRECONCEITO". O homem branco de classe média, olhos azuis e formado em uma das melhores faculdades do estado descontruiu a causa enfatizada no cartaz com uma única palavra.

Hipócrita.

— Devia ter. Melhor limpar essa mancha na sua camisa, sua esposa ficaria chateada se soubesse que estão testando maquiagem no trabalho.

Não precisei olhá-lo mais uma vez para que visse a raiva que dirigia a mim. Eu era um bom observador, viver em um bordel me rendeu experiências para que pudesse viver e evitar situações traumatizantes. Eu tinha que criar a minha própria proteção.

Sai pela porta sem fechá-la. Entrando no depósito, vi que Naomi estava pegando suas coisas em seu armário enquanto Gabriel acariciava suas costas, tentando consolá-la.

— Por que está chorando, Russell? — questionei, dando um aviso com meu olhar ao Gabriel para que tirasse suas mãos dela.

— Você é um completo babaca — meu colega de trabalho ralhou.

Ignorei Gabriel, mas me irritei quando não tive uma responde de Naomi.

— Russell?

— Chega, Ethan. Chega! Sei que o erro foi meu, mas você consegue destruir tudo para mim. Eu não suporto você. Eu te odeio! — Lágrimas desciam com mais força por suas bochechas avermelhadas.

Eu era um completo idiota, isso eu sabia. Mas, pela primeira vez, eu não fui com Naomi Russell. Era até estranho perceber isso.

Ela me tirou tudo o que mais quis, eu a fiz pagar do jeito errado. Minha liberdade era preciosa e Naomi Russell a tirou de mim. Ela simplesmente pisou no meu voto de confiança, ela destruiu uma parte que jurei nunca mostrar. Naomi começou isso e ela odiará me amar.

Sentia que ela tinha mais coisas para me dizer e estava pronta para continuar, mas, assim que abriu a sua boca, John apareceu.

— Horário normal amanhã, Naomi. — Assim como surgiu, ele foi embora sem olhar para nenhum de nós.

Observei as reações de Naomi, mas somente me deparei com o seu olhar choroso e desconfiado para mim. Dando de ombros, caminhei para o caminhão que vi chegando.

Esta era a segunda vez que protegia Naomi, e nas duas vezes eu me fodi.

BASTARDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora