C A P Í T U L O 3

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ETHAN STONE


Odiava quando faziam escolhas por mim, e odiava ainda mais quando ousavam arrancar o meu controle. Eu me esquivava de brigas, mas estava sempre em uma delas. Demonstrava o quanto me irritava ser mandado, no entanto, todos pareciam querer fazer exatamente isso.

Quando a jaula é aberta, o prisioneiro não olha para trás.

Odiava os extremos, mas amava os limites. O extremo me concebeu em uma rua suja, sem dignidade. Enquanto o limite me mostrou até onde eu podia ir. Sabia que era um completo bastardo, cheio de defeitos, mas ainda era um humano, e a minha criação não podia ser culpada pela minha impulsividade. Ou podia? Se eu quisesse tomar o rumo das minhas escolhas, teria que começar a ser responsável por elas.

Não sabia a quantos minutos estava ali parado, ou quantas vezes abri e fechei a porta de entrada. Não queria entrar, não para o que vim fazer. Não diria que era um vagabundo, mas esse não era o tipo de emprego que tinha em mente.

— Ethan? Ethan Stone? — Me virei, reparando em um cara baixo, loiro e sorridente demais. — Desculpe, eu estou esperando um novo funcionário e...

— Sou eu. — Tirei as mãos dos bolsos de meu moletom.

— Vamos, entre. — Gesticulou alegre, apontando para a porta lateral de onde tinha saído. — Mercadorias são levadas e entregues todos os dias. Seu pai me informou que não se importa em pegar peso.

— Não me importo. — Assegurei-o, impedindo a vontade de perguntar o que mais o meu pai havia dito.

— Eu sou John, subgerente. Vou te apresentar ao Gabriel, ele mostrará o que você irá fazer. — Movi minha cabeça em um gesto simples, acompanhando-o.

O logotipo do Starbucks refletia em todas as paredes. A fila para fazer o pedido estava enorme e três garotas se revezavam para dar conta. Pelo menos meu pai poupou-me de fazer café gelado o dia todo.

Em minha frente, John abria caminho até os fundos. Havia algumas pessoas que alcançavam a minha idade por onde passamos, mas não me atentei aos detalhes.

— Gabriel, este é o Ethan. Ele é novo, irá te ajudar com as mercadorias. — O cara loiro explicou. O funcionário acenou com a cabeça, me levando a fazer o mesmo. — Das 14 horas às 22 horas. Escala 6x1. 20 dólares por hora.

Mesmo que meu trabalho valesse um dólar, não teria como negar.

— Não é tão ruim, cara — Gabriel diz, após John sair.

Encarei o pequeno caminhão que estava sendo descarregado, não me importando em respondê-lo. Em breve iria chover e acreditei que o leva e traz de caixas iria ser mais demorado se ela começasse.

Retirei o moletom e o amarrei em minha cintura.

— Você não é de muita conversa, entendi. — Peguei a primeira caixa, olhando para o garoto de estatura mediana, cabelos pretos e olhos curiosos.

— Sim, Gabriel. Eu prefiro o silêncio.

Não quis constrangê-lo, mas, para ser sincero, eu não me importava.

Deixei a caixa no depósito e notei que Gabriel fez o mesmo. O estoque tinha uma boa quantidade de caixas e acreditei que ele tinha feito tudo sozinho, por isso meu pai conseguiu um emprego tão rápido para mim. Por algum motivo me senti culpado pela minha grosseria, principalmente ao notar o modo cauteloso que me olhava.

— Não precisa me olhar assim, eu só não gosto de falar. — Fiz uma das coisas que mais odiava: me explicar.

— Estou acatando o seu silêncio porque conheço o gladiador. — Seus ombros se ergueram, pegando outra caixa. — Não quero levar uma surra por quebrar o seu silêncio.

Uma risada amarga entalou em minha garganta.

— Não funciona assim.

Peguei as duas últimas caixas, escutando Gabriel fechar a traseira do caminhão e dispensar o motorista. Ele limpou as mãos e, ainda pisando em ovos, virou-se para mim, mantendo distância.

— Pessoas muito quietas são como bombas, quando explodem destroem tudo o que veem pela frente.

Sua constatação não caiu muito longe da verdade.

— Fique tranquilo, eu sei o momento de explodir. — Sua cabeça ergueu-se para poder olhar em meu rosto quando passei para sentar em uma das caixas. — Quantos faltam?

Apontando para o espaço vazio, onde a poucos segundos estava o veículo, tentei segurar a vontade de procurar um cigarro em meus bolsos.

— Ainda faltam cinco. — Olhou para alguns papéis que preenchiam a parede. — O próximo está programado para 15 horas.

Acenei.

— Gabriel! Meu Deus, John já chegou? — O som ofegante fez com que meus olhos procurassem a dona da voz.

Eu conheceria aquela bunda em qualquer lugar.

— Ele chegou cedo hoje.

Inclinado sobre os meus joelhos, os dedos cruzados e a cabeça direcionada para onde Naomi Russell pendia o seu casaco em um gancho, analisei o seu cabelo loiro escuro preso em um rabo de cavalo. Nunca tinha visto ela com eles presos.

— Sem chances, cara. Eu tentei, mas acabei me conformando em sermos somente amigos — ele sussurrou. Me virei para constatar que Gabriel encarava a bunda de Naomi.

Eu não disse nada, mas os meus olhos foram mais rápidos em fazê-lo se calar. Desta vez, não me senti culpado em ser grosseiro, e nem mesmo usei palavras para isso.

— Tive um imprevisto... — Ela começou, mas parou assim que me percebeu.

— Este é o Ethan. — Fui apresentado.

A testa antes franzida, realçava o seu rosto impassível.

— Eu sei.

Após seus olhos arregalarem levemente, e se recomporem segundos depois, Naomi assumiu a sua máscara de indiferença, me ignorando completamente.

— Sabe? — Gabriel olhou de mim para ela confuso.

— Estudamos na mesma escola. — Simples e direta.

Não esperava sorrisos e uma saudação acalorada. Nem mesmo imaginava que a encontraria aqui, mas compreendendo o modo frio e automático que estava me tratando. Não esperava menos.

— Andou tropeçando novamente? — Gabriel se aproximou dela, apontando para um pequeno corte já seco em seu braço.

Ela olhou para baixo, inspecionando o local que ele tinha apontado.

— Sim. — Ela sorriu fraco para ele.

— Tome cuidado, Nana. Ou acabará quebrando alguma coisa. — Ele sorria bobamente para Naomi. Ela estava completamente alheia ao interesse dele. Ou pelo menos fingia muito bem.

— Tomarei. — Naomi apertou o braço de Gabriel gentilmente. — Tenho que ir.

Olhando-me estreitamente, pegou um dos aventais, prendendo em sua cintura. Após ela sair, o garoto olhou-me sorridente, mas ao perceber que eu não compartilhava de sua alegria, fechou a cara constrangido.

— Ela é demais, cara.

— É só mais uma gorda sem graça. — Me levantei ao ver outro caminhão se aproximando, não me importando com o olhar chocado de Gabriel.

Talvez esse trabalho seja mais interessante do que pensei.


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