ETHAN STONE
Odiava quando faziam escolhas por mim, e odiava ainda mais quando ousavam arrancar o meu controle. Eu me esquivava de brigas, mas estava sempre em uma delas. Demonstrava o quanto me irritava ser mandado, no entanto, todos pareciam querer fazer exatamente isso.
Quando a jaula é aberta, o prisioneiro não olha para trás.
Odiava os extremos, mas amava os limites. O extremo me concebeu em uma rua suja, sem dignidade. Enquanto o limite me mostrou até onde eu podia ir. Sabia que era um completo bastardo, cheio de defeitos, mas ainda era um humano, e a minha criação não podia ser culpada pela minha impulsividade. Ou podia? Se eu quisesse tomar o rumo das minhas escolhas, teria que começar a ser responsável por elas.
Não sabia a quantos minutos estava ali parado, ou quantas vezes abri e fechei a porta de entrada. Não queria entrar, não para o que vim fazer. Não diria que era um vagabundo, mas esse não era o tipo de emprego que tinha em mente.
— Ethan? Ethan Stone? — Me virei, reparando em um cara baixo, loiro e sorridente demais. — Desculpe, eu estou esperando um novo funcionário e...
— Sou eu. — Tirei as mãos dos bolsos de meu moletom.
— Vamos, entre. — Gesticulou alegre, apontando para a porta lateral de onde tinha saído. — Mercadorias são levadas e entregues todos os dias. Seu pai me informou que não se importa em pegar peso.
— Não me importo. — Assegurei-o, impedindo a vontade de perguntar o que mais o meu pai havia dito.
— Eu sou John, subgerente. Vou te apresentar ao Gabriel, ele mostrará o que você irá fazer. — Movi minha cabeça em um gesto simples, acompanhando-o.
O logotipo do Starbucks refletia em todas as paredes. A fila para fazer o pedido estava enorme e três garotas se revezavam para dar conta. Pelo menos meu pai poupou-me de fazer café gelado o dia todo.
Em minha frente, John abria caminho até os fundos. Havia algumas pessoas que alcançavam a minha idade por onde passamos, mas não me atentei aos detalhes.
— Gabriel, este é o Ethan. Ele é novo, irá te ajudar com as mercadorias. — O cara loiro explicou. O funcionário acenou com a cabeça, me levando a fazer o mesmo. — Das 14 horas às 22 horas. Escala 6x1. 20 dólares por hora.
Mesmo que meu trabalho valesse um dólar, não teria como negar.
— Não é tão ruim, cara — Gabriel diz, após John sair.
Encarei o pequeno caminhão que estava sendo descarregado, não me importando em respondê-lo. Em breve iria chover e acreditei que o leva e traz de caixas iria ser mais demorado se ela começasse.
Retirei o moletom e o amarrei em minha cintura.
— Você não é de muita conversa, entendi. — Peguei a primeira caixa, olhando para o garoto de estatura mediana, cabelos pretos e olhos curiosos.
— Sim, Gabriel. Eu prefiro o silêncio.
Não quis constrangê-lo, mas, para ser sincero, eu não me importava.
Deixei a caixa no depósito e notei que Gabriel fez o mesmo. O estoque tinha uma boa quantidade de caixas e acreditei que ele tinha feito tudo sozinho, por isso meu pai conseguiu um emprego tão rápido para mim. Por algum motivo me senti culpado pela minha grosseria, principalmente ao notar o modo cauteloso que me olhava.
— Não precisa me olhar assim, eu só não gosto de falar. — Fiz uma das coisas que mais odiava: me explicar.
— Estou acatando o seu silêncio porque conheço o gladiador. — Seus ombros se ergueram, pegando outra caixa. — Não quero levar uma surra por quebrar o seu silêncio.
Uma risada amarga entalou em minha garganta.
— Não funciona assim.
Peguei as duas últimas caixas, escutando Gabriel fechar a traseira do caminhão e dispensar o motorista. Ele limpou as mãos e, ainda pisando em ovos, virou-se para mim, mantendo distância.
— Pessoas muito quietas são como bombas, quando explodem destroem tudo o que veem pela frente.
Sua constatação não caiu muito longe da verdade.
— Fique tranquilo, eu sei o momento de explodir. — Sua cabeça ergueu-se para poder olhar em meu rosto quando passei para sentar em uma das caixas. — Quantos faltam?
Apontando para o espaço vazio, onde a poucos segundos estava o veículo, tentei segurar a vontade de procurar um cigarro em meus bolsos.
— Ainda faltam cinco. — Olhou para alguns papéis que preenchiam a parede. — O próximo está programado para 15 horas.
Acenei.
— Gabriel! Meu Deus, John já chegou? — O som ofegante fez com que meus olhos procurassem a dona da voz.
Eu conheceria aquela bunda em qualquer lugar.
— Ele chegou cedo hoje.
Inclinado sobre os meus joelhos, os dedos cruzados e a cabeça direcionada para onde Naomi Russell pendia o seu casaco em um gancho, analisei o seu cabelo loiro escuro preso em um rabo de cavalo. Nunca tinha visto ela com eles presos.
— Sem chances, cara. Eu tentei, mas acabei me conformando em sermos somente amigos — ele sussurrou. Me virei para constatar que Gabriel encarava a bunda de Naomi.
Eu não disse nada, mas os meus olhos foram mais rápidos em fazê-lo se calar. Desta vez, não me senti culpado em ser grosseiro, e nem mesmo usei palavras para isso.
— Tive um imprevisto... — Ela começou, mas parou assim que me percebeu.
— Este é o Ethan. — Fui apresentado.
A testa antes franzida, realçava o seu rosto impassível.
— Eu sei.
Após seus olhos arregalarem levemente, e se recomporem segundos depois, Naomi assumiu a sua máscara de indiferença, me ignorando completamente.
— Sabe? — Gabriel olhou de mim para ela confuso.
— Estudamos na mesma escola. — Simples e direta.
Não esperava sorrisos e uma saudação acalorada. Nem mesmo imaginava que a encontraria aqui, mas compreendendo o modo frio e automático que estava me tratando. Não esperava menos.
— Andou tropeçando novamente? — Gabriel se aproximou dela, apontando para um pequeno corte já seco em seu braço.
Ela olhou para baixo, inspecionando o local que ele tinha apontado.
— Sim. — Ela sorriu fraco para ele.
— Tome cuidado, Nana. Ou acabará quebrando alguma coisa. — Ele sorria bobamente para Naomi. Ela estava completamente alheia ao interesse dele. Ou pelo menos fingia muito bem.
— Tomarei. — Naomi apertou o braço de Gabriel gentilmente. — Tenho que ir.
Olhando-me estreitamente, pegou um dos aventais, prendendo em sua cintura. Após ela sair, o garoto olhou-me sorridente, mas ao perceber que eu não compartilhava de sua alegria, fechou a cara constrangido.
— Ela é demais, cara.
— É só mais uma gorda sem graça. — Me levantei ao ver outro caminhão se aproximando, não me importando com o olhar chocado de Gabriel.
Talvez esse trabalho seja mais interessante do que pensei.
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BASTARDOS
RomansaAbra os seus olhos e veja, não o que você quer ver, mas o que todos estão normalizando. Ela era boa demais, mas pessoas boas escondem feridas que não se fecham, ou existem pessoas que não as deixam se curar. Escondida em sua vida minimalista, Naomi...