C A P Í T U L O 6

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NAOMI RUSSELL


— Qual é o seu problema com ele? — Me virei em tempo de encarar Sullivan, que retribuía o meu olhar com interesse.

— Ele quem?

— Ethan.

— Não tenho problema nenhum com ele.

Lavei as minhas mãos tentando fugir de sua expressão questionadora, mas sabia que Sullivan podia ser irritantemente insistente.

Evitei a vontade de rolar os olhos ao perceber o que estava acontecendo.

Todos os funcionários sabiam sobre o interesse de Gabriel em mim, mas pensavam que eu não notava. Eu me fazia de desentendida para todos, não somente para ele. Sullivan nem mesmo tentava disfarçar, ela estava me rondando para que pudesse se aproximar de Stone. Ela tinha visto o modo que tentávamos nos evitar, mas acabávamos nos esbarrando. Minha colega de trabalho percebeu que ele foi o único que conseguiu arrancar algo de mim que não fosse meios sorrisos.

E eu não sorria para o Ethan.

— Você olha para ele como se quisesse matá-lo.

— Porque talvez eu queira.

Percebi que falei demais quando seus olhos saltaram incrédulos.

— Não faria mal a uma mosca, Sullivan.

Sullivan continuava encostada no balcão, me fazendo acreditar que tinha mais perguntas. Tirei alguns biscoitos da estufa que tinham atingido o seu prazo de validade, evitando um contato visual com a minha colega.

— Ele está livre?

— Por que não pergunta para ele? — Contive meu tom azedo, despejando a forma com biscoitos no lixo.

— Não precisava ser grossa.

— Desculpe, Sullivan. Eu realmente não sei. — Eu não sabia mesmo.

— Você disse que o conhece da escola. Não pode, sei lá, perguntar...

— Não posso. — Cortei rapidamente.

Escutei quando bufou irritada, indo atender um cliente.

Sullivan era um ano mais velha que eu. Alta, magra, sorridente e extremamente perceptível. Seus cabelos ruivos eram lindos e chamavam atenção, assim como os decotes exagerados que usava. Ela não precisava perguntar nada para mim sobre ele, Sullivan podia facilmente ir até ele e descobrir sozinha. Tinha certeza de que ela fazia o tipo dele.

Após verificar que os outros produtos estavam na data de validade, peguei o lixo e caminhei para os fundos. Deixei os sacos na lixeira e notei, quando voltava, que um caminhão estava em frente a porta lateral, fazendo-me dar a volta e entrar pelo depósito.

Espremi meus olhos para identificar a entrada, mas acabei não percebendo uma mangueira estirada no chão. Senti o impacto em meu peito e cotovelos assim que beijei o chão. Meus braços ardiam e o sangue saia pelos cortes rasos. Retirei o avental que estava completamente ensopado de água.

Merda.

— Uau. — Ouvi Gabriel assim que entrei em seu campo de visão. — Nunca tinha visto você assim...

Olhei para baixo, constatando se a regata ainda estava no lugar.

— Assim como? — perguntei, passando por ele.

— Sem blusas largas.

Sua voz constrangida era o sinal de que ele devia estar vermelho. Sem me importar em respondê-lo, procurei outro avental entre as prateleiras.

— Gabriel, você viu os... — Um tecido verde caiu em minhas mãos antes que pudesse completar a pergunta.

Olhando para cima, encarei Ethan, que não estava muito feliz. Dei um passo para trás, vendo sua atenção descer de minha blusa até os meus braços.

Qual era o problema em mostrar um pouco de pele, droga?

— Meu Deus, você está sangrando. — Senti Gabriel me tocar, levando meus olhos do maxilar travado de Ethan.

— Não é nada. — Tentei puxar o meu braço.

— Vou buscar alguma coisa para passar nisso.

Respirando pausadamente, vesti o avental, tomando cuidando para não tocar em meus cotovelos.

— Gosta de chamar atenção, Russell.

Movendo o meu pescoço em sua direção, encarei a sua afirmação.

— E se eu gostar? O que você tem a ver com isso?

Ele sabia que estava mentindo. Odiava quando a atenção das pessoas estavam sobre mim, mas eu não deixaria que mais um dos seus comentários me inferiorizasse em meu trabalho. Já bastava na escola.

— Você vai perceber o quanto eu tenho a ver. — Ele deu um passo à frente. — Tem alguém que se importe com você o suficiente para livrá-la de mim?

Meu coração falhou por míseros segundos. Engolindo em seco, percebi o quanto Ethan Stone podia me machucar sem usar sua força física.

Uma pequena ferida se rompeu em algum lugar dentro de mim.

— Você não sabe o que está dizendo...

— Eu sei exatamente o que estou dizendo.

Sentindo sua respiração em meu rosto, fechei meus olhos.

Isso mesmo, feche os olhos. Os seus medos são fantasias de sua cabeça, não é real.

— Olhe para mim, Naomi.

Ao som de seu comando rude, dei um passo para longe, abrindo meus olhos.

— Eu ainda vou te machucar.

Minhas pernas tremeram levemente ao encarar a verdade em seus olhos escuros. A expressão dura se alinhava ao medo disfarçado sob a minha pele. Sempre achei que conseguia me esconder sob a minha postura desinteressada, mas Stone não era como os outros, que me viam rasamente. Por algum motivo, compartilhávamos bem mais que um ódio mútuo e uma história cheia de traumas.

— Você terá que se superar. — Desta vez, eu me aproximei. — A diferença de uma pessoa quebrada e uma inteira, é que a inteira se surpreende e chora ao ser machucada, mas a quebrada está acostumada. Pessoas quebradas tendem a esperar pelo pior, e eu não espero nada diferente de você.

Sabia que estava o desafiando, mas eu disse a verdade. Samantha estava certa, as vezes falar o que sente podia ser libertador.

— Cheguei! — Gabriel se aproximou, não percebendo o olhar feroz que estava recebendo. — Vou limpar isso para você.

— Obrigada, Gabriel.

Com meu corpo quente e o coração acelerado, me sentei em uma das caixas, deixando que meu colega me ajudasse. Ele era delicado e gentil ao tocar em mim. Seus dedos finos deslizavam o algodão com remédio sobre as feridas, ao mesmo tempo que dizia várias vezes que eu ia ficar bem.

— Isso arde — gemi.

— Eu sei, eu sei. — Gabriel parecia aflito.

Com os braços cruzados em seu peito, Stone continuava me olhando, mas desviava uma vez ou outra para as mãos de Gabriel em mim. Encarei-o confusa, não compreendendo a raiva que dirigia a nós.

Após agradecer a Gabriel e beijar levemente a sua bochecha, vendo-o completamente envergonhado, tentei voltar para a loja, mas dedos fortes me impediram.

— Não me subestime, Russell. Eu ainda posso te surpreender, nem que eu precise colar os seus pedaços para quebrá-los novamente.


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