Terça-feira

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Entramos em casa, Mi fungando nas roupas molhadas. Levei-a à biblioteca e fiz com que se sentasse perto do fogo enquanto eu subia para pegar algo seco para ela vestir.

Olhei a cozinha a caminho do térreo. Ela precisava de algo quente para beber também. Deveria preparar um café?

Levei as roupas à biblioteca e meus olhos caíram nos decantadores que eu mantinha cheios e à vista. O conhaque. Enquanto Mi se vestia, servi a bebida, entreguei-lhe uma taça e me sentei a seu lado quando ela se acomodou na frente da lareira. Ela farejou a bebida.

- O que é isso?

- Conhaque. Pensei num café, mas decidi que isto nos aqueceria mais rápido.

Ela rodou a taça.

- Sei. Você está tentando me embriagar.

- Como sempre, eu não tento nada. - Assenti para seu copo. - Mas tem mais de quarenta por cento de álcool, então é melhor que você se limite a um copo.

Ela tomou um gole hesitante, engasgando de leve quando o líquido forte desceu pela garganta. Olhou para mim, deu de ombros e tomou outro gole.

- Hmmmmm - disse ela, tão baixo que eu mal ouvia.

Recostei-me no sofá e fechei os olhos enquanto o álcool aos poucos aquecia meu corpo. Athena atravessou a sala e pôs a cabeça em meus pés.

Uma sensação de contentamento me tomou - Mi estava a meu lado, estávamos seguras e aquecidas em minha casa e Athena estava bem. Por um momento, pude fechar os olhos e a vida era quase perfeita. A voz de Mi interrompeu meus devaneios.

- A biblioteca veio com a casa, ou foi algo que você acrescentou depois de comprar?

Abri os olhos. Ela sentava sentada, ainda rodando a taça. E queria conversar. Enfim.

- Não comprei esta casa. Eu a herdei.

Seus olhos se arregalaram.

- Era a casa dos seus pais? Você foi criada aqui?

- Sim. Fiz uma reforma grande. Como na sala de jogos.

Ela se aproximou um pouco mais de mim.

- Foi difícil morar aqui?

Cissa me fizera a mesma pergunta quando me formei na faculdade e eu contei a ela de meus planos de reforma.

- Pensei que seria, mas fiz tantas reformas, que não parece mais a casa de infância. A biblioteca, porém, é praticamente a mesma da época.

Especialmente com ela aqui - era mais uma vez o eixo da casa. Ela a enchia de luz, calor e vida.

- Seus pais deviam adorar livros - comentou ela.

Olhei à minha volta. Meus pais amavam esta biblioteca. Perguntei-me se este foi o motivo para eu ter dado o cômodo a Mi: para de algum modo capturar parte do que faltava na casa desde a morte de meus pais.

Mamãe e papai teriam adorado Mi. Os três teriam se entendido muito bem. Uma parte de mim sabia, embora eu fosse nova demais quando eles morreram.

- Meus pais eram colecionadores ávidos. E viajavam com frequência. - Acenei para a seção da biblioteca que guardava mapas e atlas, lembrando-me da alegria de meu pai e do prazer de minha mãe sempre que acrescentavam um novo volume. - Muitos livros foram encontrados no exterior. Alguns estão na família há gerações.

- Minha mãe gostava de ler, mas preferia principalmente ficção popular. - Ela baixou a taça e abraçou os joelhos.

- Há um lugar para ficção popular em toda biblioteca. Afinal, a ficção popular de hoje pode muito bem ser o clássico de amanhã.

A Dominatrix - Pansmione | Parte 2/3Onde histórias criam vida. Descubra agora