Capítulo 7

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Foi tudo muito rápido, parecia que ela sabia exatamente quanto tempo tinha, logo a casa começou a ser invadida pelas pessoas da aldeia querendo prestar sua última homenagem a Teçá, essa foi minha chance de sair sem ser percebida dali, eu não queria falar com absolutamente ninguém agora, nem mesmo minha Tamûa, estava tudo muito confusa na minha cabeça, o que Raoni tinha a ver com tudo isso? Será que ele também tinha alguma pedra como eu? Eu tinha mais perguntas que respostas agora, mas não era o melhor momento de acha-las agora.
Perto da aldeia havia uma parte da lagoa, era um dos meus lugares preferidos, na primavera o sol costuma se por bem no meio da lagoa, e eu gostava de ficar ali o observando ir embora lá pro outro lado do mundo, não estávamos na primavera, era final de março, era início de outono, mas hoje o entardecer estava lindo, o céu estava com um degradê de rosa claro para um laranja bem escuro - Uma bela tarde para se despedir - Eu pensava, mas ao mesmo tempo sentia o peso daqueles pensamentos. Finalmente chegava até uma pedra grande que havia ali e me sentava bem encima dela ficava segurando aquela pedra com minhas mãos a encarando como se ela fosse falar comigo a qualquer momento. Engraçado que ali era um lugar onde eu e Raoni havíamos brincado muito quando crianças, a gente costumava pular daquela pedra para a água, várias e várias vezes, hoje a água não bate nem no meu joelho e a pedra não dava mais pra eu sentar direito pelo meu tamanho.
Escutava um barulho de passos pelo mato atrás de mim e apesar de estar em um lugar que eu julgava seguro a lembrança da noite anterior e das palavras de Teçá me fazem dar um pulo da pedra me preparando para correr caso fosse preciso, meu corpo automaticamente tremia, eu não tinha controle era o medo e logo saia alguém do mato, pra minha sorte ou não, era Raoni, ele se assustava comigo assim como eu com ele.
- Você vai estar em todos os lugares agora? - Ele me perguntava de uma forma grossa, eu relevei por que sabia que não era um dia bom pra ele.
- Na realidade, eu já estava indo mesmo... - Eu começava a ir em direção da pequena trilha que mal dava pra ver e levava de volta a aldeia, mas algo me faz parar "Juntos, resposta" foi a última coisa que ela disse, me virava pra ele, agora era ele quem sentava na pedra - Você está bem, quer dizer.. Eu posso te ajudar com alguma coisa?.
Ele dava uma risada sarcástica mas não virava para me olhar.
- É claro que estou ótimo Jaciara, a minha única família se.. foi.. mas eu tô ótimo.
- Ei, pega leve aí, eu só estou tentando te ajudar. - Eu franzida o cenho com meus braços cruzados o encarando com um olhar sério para ele.
- Pois então sinto te informar, mas não acho que está ajudando em algo. - Ele me olhava brevemente, seu olhar era duro, eu podia ver a dor em seus olhos, eu nem imagino o que Raoni está sentindo, nunca havia perdido ninguém na vida e não consigo imagina a dor que seria quando minha Tamûa se for.
- Olha, eu só quero que fique bem ok? Não precisa me tratar dessa forma. Eu só achei que... Ela disse antes de ir... - Eu não sabia se falar sobre sua últimas palavras iria ajudar ou piorar, mas eu precisava saber o que ele pensava e antes de eu termina relé me interrompia.
- Não é porque minha Tamûa falou algo minutos antes de partir que você deve sentir pena de mim.
Agora eu estava furiosa, afinal não era pena, eu estava sendo verdadeira, eu realmente queria poder ajudar de alguma forma, queria entender tudo aquilo e não queria que ele se sentisse só.
- Eu não estou com pena de você garoto, eu só estou tendo empatia com seus sentimentos e estou querendo respostas. Sua avó não ia dizer aquilo atoa, e você não é cego e viu toda aquela loucura que aconteceu lá dentro. E você não imagina a loucura que está minha vida. Eu sei que está doendo... Nossa eu não me imagino perdendo minha Tamûa... Mas o que a sua quis dizer quando disse aquilo tudo?
Os olhos dele agora eram fixos no meu, acho que talvez eu tenha sido um pouco mais dura do que eu deveria, mas eu continuava ali parada esperando qualquer reação, esperando que ele gritasse comigo, sei lá, mas ao invés disso ele desviou o olhar para a altura do cordão e franziu o cenho.
- Isso ascende sempre que você fica nervosinha? - Ele apontava pro cordão e eu imediatamente olhava para o cordão e o via brilhar, segurava a pedra dentro de uma mão minha como se tentasse a esconder.
- Eu não estou nervosinha... E ela faz isso quando estou com medo também... - Eu ia abaixando o tom de voz assim como abaixava também o meu olhar, ele seria a primeira pessoa com quem eu falaria sobre isso.
- Agora você está mais nervosa ou com medo?
Eu o olhava bem dentro de seus olhos e as palavras escapavam de minha boca sem que eu pensasse, eu só precisava dividir isso com alguém.
- Medo, eu estou morrendo de medo, eu não sei o que está acontecendo, o que sua avó me disse... - Eu balançava a cabeça e começava a andar de um lado para o outro inquieta e orando de olhar para Raoni. - Eu não sei o que fazer.. Porque isso aqui não só ascende... Ela faz coisas que eu não consigo controlar....
Finalmente meu olhar se encontrava com o dele e pra minha surpresa eu estava chorando, me sentia horrível, eu me sentia egoísta por estar falando de mim, eu deveria estar o acolhendo e não falando sobre meus medos, mas em quem mais eu poderia confiar depois de tudo?
- Desculpa... Esquece isso tudo... Eu vou embora... Espero de verdade que você fique bem... - Eu me virava secando meus olhos com as costas das mãos, enquanto me recuperava para voltar a aldeia terminava - Se te serve como conforto, eu senti de alguma forma que ela estava bem, apesar de tudo ela estava feliz, não sei como... Pode ser mais uma surpresa dessa pedra. - Eu não o olhava e começava a andar em direção a aldeia, respirava fundo pelo curto caminho de volta a aldeia.
- Jaciara... - Eu o escutava me chamar e respirava fundo antes de me virar para olha-lo e então ele continuava. - Me desculpa... Mas... Como você se sentiria se nós últimos momentos de sua avó ela não falasse com você?
Eu forçava um sorriso sem graça enquanto olhava para o chão.
- Raoni, ela não estava falando só comigo.. e não foi uma despedida, foi um aviso... E por algum motivo foi um aviso para nós dois, não me pergunte o porquê.. - Levava meu olhar até ele novamente.
Ele balançava a cabeça como se tentasse se livrar de seus pensamentos e eu me aproximava dele e lentamente envolvia meus braços em volta dele e ele repousava sua cabeça em meu ombro e a dor agora saía em forma de choro. Eu não me lembro da última vez que havíamos conversado desde a infância, depois que crescemos mal via ele pela aldeia, então não tinha reparado que Raoni era muito maior que eu, apesar de termos a mesma idade eu ainda me sentia uma criança ao seu lado. Eu não falava nada só deixava que ele desabafasse, ele não me abraçava, mas eu tentava apertar meus braços em volta dele o máximo que eu podia para reconforta-lo, logo os soluços diminuem e ele vai se afastando e minhas mãos iam se soltando junto.
E nessa hora descobrimos que a pedra também ascendia quando estávamos juntos. Quando estávamos afastados o brilho da pedra era intenso e logo ficou mais brando.
- Acho que a pedra concorda com a sua Tamûa - Eu forçava um sorriso para quebrar o gelo enquanto ele olhava curioso para a pedra, nós dois tentávamos ignorar o fato de que estávamos chorando os dois abraçados.
- Precisamos conversar com dona Nana, isso tudo é loucura Jaciara. - Ele me olhou na mesma hora como se tivesse falado algo absurdo e logo continuou - Jaci... Desculpa..
Eu achei engraçado e ri, quando eu era mais nova vivia falando pra todo mundo que meu nome era apenas Jaci e não Jaciara.
- Raoni, diante de tudo o que está acontecendo a última coisa que vou dar importância hoje é a forma como vai me chamar. Aliás, você não acha que é uma coincidência enorme? Jaciara, a deusa guardiã da Lua.
Ele arregalava os olhos como se eu o tivesse falado algo muito surreal.
- Caralho, Jaci.. Não é possível.. Quer dizer, tudo bem, os ancestrais tinham suas crenças super fortes nos Deuses, mas olhando para os últimos acontecimentos. - Ele andava de um lado pro outro incrédulo com um sorriso no rosto surpreso. - Se você é a guardiã da pedra da Lua, então aquela história da mãe na beira do rio que recebia a pedra...
- Sim é verdade... E a pedra está bem aqui e de alguma forma eu virei guardiã disso - apontava pra a pedra andando de um lado para o outro.
- Engraçado, minha Tamûa sempre falou de você, ela me perguntava porque não nós falamos mais, e eu sempre dizia que a gente havia crescido não éramos mais crianças como antes, sei lá, senti sua falta um tempo,  mas eu entendi que foram as circunstâncias... Mas agora acontece tudo isso..
- Tanta coisa aconteceu, eu senti muito sua falta, na escola foi difícil me enturmar, eu sempre fui mais na minha, até aqui era difícil eu me enturmar. Eu só falava com você porque nossas Tamûas eram grudadas... - Naquele momento lembrei que tínhamos um funeral para encarar, desviei meu olhar para Raoni - bom... eu acho que precisamos ir...
O olhar triste retornou ao rosto dele o que fazia meu coração apertar, ele respirava fundo e então eu estendia a mão para ele.
- Ajuda se eu falar que não está sozinho? - Eu forcei um sorriso para tentar amenizar a dor daquele momento, ele não respondeu mas afirmou me retribuindo o sorriso, ele estendeu sua mão e eu a segurei com firmeza tentando passar alguma forma pra ele, se é que isso era possível.

A Guardiã da Pedra da Lua 🌙 (EM ANDAMENTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora