Capítulo 6

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Minha Tamûa ainda morava em uma aldeia antiga, eu sempre gostei de visitá-la, sempre tinham muitas crianças, passava o dia correndo pra cima e pra baixo com eles, gostava da forma que eles viviam, mais livre, com os pés no chão. Apesar de muitos costumes terem se perdido com o passar dos anos, muitos deles ainda eram muito vivos, e viver lá fazia muito bom a Tamûa, ela vivia alegre cantarolando músicas que ela dizia ser da natureza.
Claro que hoje em dia eles não moravam mais naquelas ocas mostradas nos livros de histórias, mas também não eram casas de alvenaria como as nossas, eram casinhas feitas de barro cobertas com palha, eu costumava chamar de oca 2.0, meu pai achava engraçado, mas no meio da aldeia ainda existia uma oca, que foi feita a anos atrás, pelos ancestrais, aonde hoje ainda eram feitos alguns rituais.
Assim que desci do ônibus andei pela estrada de terra que me levava até a entrada da aldeia, assim que chegava às crianças vinham correndo ao meu encontro e eu as abraçava com um largo sorriso as cumprimentando, elas corriam em direção a casinha de minha avó gritando "a Jaci está aqui", eu ria pedindo para que elas não gritassem mas era em vão, a festa continuou até minha Tamûa aparecer em sua porta e vir de encontro a mim do jeitinho acolhedor que só ela tem, segurava meu rosto de forma delicada e dava um beijo em minha testa.
- Que felicidade ter você por aqui minha Jaci.
Eu a abraçava bem forte, eu amava visitar minha Tamûa, seu colo era meu refúgio.
- Que bom que gostou da minha visita Tamûa, como está a senhora?
Ela tinha os olhos negros e os cabelos de um liso pesado sob os ombros, que um dia fora negro como seus olhos e hoje é de um grisalho impecável e minha Tamûa parecia ter orgulho, eles estavam sempre impecáveis, sua pele tinha a cor da terra, e apesar das rugas pela idade, tinha vida e um brilho lindo, eu já havia visto algumas fotos de Tamûa quando jovem, pouquíssimas, mas já dava pra ver o quão linda era ela.
Eu dava um beijo em seu rosto e com meu braço em volta de seu ombro a guiando para sua casinha, que era simples mas aconchegante.
- Ah minha Jaci, agora estou mais que feliz, sua chegada é sempre uma alegria, você não sabe o que acabei de fazer, eu senti que viria.
- Ah eu sei sim, o cheirinho estava indo quase lá na frente.
Eu entrava indo direto até a parte da casinha  onde ficava a cozinha, com cuidado levantava a tampa da panela com um pano de prato e o aroma do Tacacá de minha Tamûa invadia ainda mais o ambiente, com a colher de pau pegava um pouquinho e soprava até conseguir levar na boca, ela ria de alegria enquanto eu me deliciava.
-hmmmmmm esse com certeza foi o melhor que a senhora já fez.
Ela ria tirando a colher da minha mão, levando até a pia pequena.
- A senhorita fala isso toda vez que faço.
Eu dava um beijo em seu rosto e me sentava em uma cadeira enquanto a olhava lavar a colher.
- Mas eu só falo a verdade,você consegue se superar, pai que trouxe os camarões? - Eu passava o dedo pela mesa, então meu olhar se encontrava com o dela e ela se sentava na cadeira a minha frente da mesa enxugando as mãos.
- E de onde mais eu iria conseguir os melhores camarões da região? Parece até que não sabe... Porque está dando tantas voltas hein? Não veio atoa aqui hoje, veio?
Eu balançava a cabeça negativamente mordendo o canto da boca, estava escolhendo a forma como falaria com ela sobre tudo o que aconteceu naquela noite.
-Bom... Na realidade aconteceu algo... Hmm- Eu tirava o cordão de meu pescoço ficava com ele em minhas mãos olhando fixamente para a pedra em minhas mãos. -
A história de... - Antes de terminar de falar entrava pela porta um menino, era Raoni, ele morava na aldeia, ele está a com um olhar triste. Brincávamos muito sempre que vinha para cá, mas depois que crescemos perdemos um pouco do contato, o que era estranho, porque éramos inseparáveis.
Eu olhei pra minha avó que logo se levantava e se dirigia até a porta.
- Ela piorou Raoni?
O menino fazia que sim, se segurando para não chorar e agora era minha avó que ficava com um olhar triste, ela rapidamente pegava algumas coisas, que eu só reconhecia as ervas. Eu me levantava lentamente e ia até ela e baixinho eu perguntava: - Tamûa quer que eu volte outra hora? - Ela parava para me olhar e segurava meu rosto.
- Não minha filha, fique, acho que Raoni vai precisar...
-Tudo bem.. - Eu respondia a acompanhando saindo porta afora, atravessavamos a aldeia e conforme passávamos as pessoas abaixavam o rosto com o mesmo olhar triste, chegamos a última casinha da aldeia, e íamos entrando, não podia deixar de lembrar, era onde morava Raoni e sua avó, ela fazia beijus de tapioca pra gente comer no fim da tarde,  eram uma delícia, era uma senhorinha muito agradável, era a mais velha da aldeia, ela era muito sabia segundo minha avó, ela havia recebido um dom dos Deuses, ela tinha visões e suas visões já ajudaram muito as pessoas, chegamos em um quartinho, onde a senhorinha estava deitada a uma cama, eu não sabia que ela estava doente, agora entendia tudo, minha avó foi logo até a amiga de anos e falava algo na língua delas, a única coisa que entendia era o nome dela, Teçá.
Tamûa fazia algo que parecia um ritual, falava coisas que soavam como preces, meus olhos iam até Raoni ajoelhado ao lado de sua Tamûa, ele abaixava o rosto segurando a mão de sua avó contra seu rosto.
Minha avó tocava em meu braço, e me fazia olhar para ela.
- Jaci, você poderia me ajudar? Segure isso ao lado de Teçá para mim?
- S..sim - Havia sido pega de surpresa com o pedido de minha Tamûa nunca havia feito nada disso, mas eu não poderia negar nada a ela, sabia o quanto ela e dona Teca eram amigas, o quanto doía nela ter que ser forte agora, então eu pegava uma espécie de defumador de ervas que tinha um cheiro doce e suave, me ajoelhava ao lado oposto de Raoni e ficava ali balançando aquele chumaço de ervas queimando, eu não sabia muito o que fazer foi quando Raoni levantou o olhar para mim e percebeu que eu não sabia o que fazer, enquanto minha Tamûa não parava de dizer coisas em sua língua materna ele disse baixo quase não consegui ouvir.
- Dizem que o aroma que sai dessas folhas acalmam a alma, e fazem eles ter uma passagem calma e serena - Ele tentava dar um sorriso, tentando se convencer do que acabará de me dizer.
- Fico feliz de estar ajudando de alguma forma - Retribuía o mesmo sorriso forçado procurava a outra mão de dona Teçá embaixo do lençol e a segurava com minha mão livre.
No momento que que toquei em sua mão seus olhos abriram de encontro aos meus, eu Raoni ficamos igualmente surpresos, ela apertou minha mão.
- Jaci... - A sua voz era baixinha e rouca, ao mesmo tempo paro de escutar as preces de minha Tamûa, olho para ela, que me encoraja a olhar de volta a Teca, assim o fiz chegando mais perto para conseguir ouvi-la melhor.
- Oi dona Teçá... Sou eu Jaciara.. - Eu respondia baixinho olhando bem pra ela.
- A.. guardiã... Seja forte... T..tenha s..sabedoria com... - ela respirava fundo e lentamente e logo continuava - a pedra da Lua, o mal.. nos cerca.. cuidado... Proteja a pedra - Teçá lentamente levava minha mão e de Raoni uma de encontro com a outra e continuava: - Juntos... Respostas...
Eu o olhava completamente incrédula com o que eu acabara de ouvir, Teçá sabia, ela sabia de tudo, eu acabei de ter minha resposta, mas ao mesmo tempo surgiram mil e uma perguntas. Ela soltava nossas mãos que se encostavam, Raoni entendia menos que eu o que sua Tamûa queria dizer e prontamente recolhia a mão, e eu fazia o mesmo, a gente se encarou um tempo, procurando respostas em silêncio, mas logo voltamos com nosso olhar para Teçá, eu seguia o olhar dela até a pedra em meu peito e a via brilhar, como na noite passada, meu coração acelerava, eu não sabia o que fazer, olhava para Raoni e seus olhos estavam arreganhados encarando o brilho da pedra, eu sentia meu corpo tremer, fechava os olhos e respirava lentamente tentando controlar seja lá o que estivesse pra acontecer, mas ao invés da ventania da noite passada eu senti uma leve brisa que envolveu todo o quarto. O grito de dor de Raoni me faz abrir os olhos, Teçá havia dado o último suspiro, acabara de partir, mas partiu com um doce sorriso em seu rosto, olhando para a pedra que aos poucos deixava de brilhar, levava minha mão até seus olhos e os fechava, mentalmente a agradecia pela resposta, mas apesar de ter certeza bde quem eu era, eu estava morrendo de medo do que estava por vir.

A Guardiã da Pedra da Lua 🌙 (EM ANDAMENTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora