Capítulo 5

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- Menino que susto você me deu, o que faz aqui? - Falava rindo enquanto o via se sentar ao meu lado após encostar a bicicleta.
- Bom, eu na realidade estava indo jogar uma bola com os garotos, mas aí te vi e como você não me respondeu mais cedo resolvi vir ver se me respondia pelo menos pessoalmente. - Ele falava com uma certa ironia em sua voz junto com um sorriso, eu por sua vez mordia o lábio com um olhar como quem pedia desculpas.
- Então, eu juro que vi sua mensagem, eu só esqueci de responder porque precisei ajudar meu pai com as coisas de pesca e acabei esquecendo. Mas está tudo bem sim e obrigada por se preocupar. - Dava um sorriso sem graça pra ele e voltava meu olhar para a lagoa a nossa frente.
- Bom saber que não é nada pessoal comigo. Mas porque foi embora cedo da festa? Quer dizer, não que você tenha que me dizer, é porque você foi sozinha... Bom, eu poderia ter voltado com você.. - Ele tinha um jeito engraçado de falar gesticulando quando ficava nervoso com a situação.
- Então, eu nem sabia que você voltaria comigo - olhava pra ele com o cenho franzido e continuava - Aliás, eu acho que é a primeira vez que trocamos mais de duas palavras, não é?
- Bom.. é... Mas em minha defesa, sempre quis trocar uma ideia com você, mas você sempre foi muito na sua, não sabia como começar uma conversa. - Ele dava um sorriso tímido de lado, e desviava o olhar de mim para a lagoa.
- Ok, você tem um álibi. -Eu ria, e pegava uma pedra e jogava na lagoa fazendo a água ondular. - Eu as vezes me sinto meio deslocada mesmo e acabo ficando mais na minha. Me sinto mesmo diferente, não tenho histórias tão legais e engraçadas pra contar. - Na realidade agora tinha, mas estava mantendo em segredo porque iriam me achar louca ao invés de descolada - E naquele dia estavam todos de Casal e já não basta ser a estranha, ainda tinha que ser a vela estranha? - Eu ria para esconder o quanto isso me chateada, porque na maioria das vezes eu voltava me sentindo muito diferente das outras meninas e me perguntando o que havia de errado comigo.

- E quem foi que te disse que é estranha? - Ele me olhava como se estivesse bravo comigo.

- Ninguém nunca me disse diretamente, mas eu sei que é o que as pessoas acham. - Eu dava de ombros ao falar e jogava outra pedra na lagoa.

- Pois a senhorita está muito enganada, nunca te achei estranha. - Eu ficava surpresa com o que ele dizia mas tentava não demonstrar, evitava de olhar pra ele, se eu fosse branca como a mãe estaria vermelha agora mas sentia que ele também estava envergonhado pela forma que estava mexendo em sua pulseira.

- Ok, tá aí uma informação que devo anotar. Além de Mari, tu deve ser a única pessoa nesse bairro que não me acha estranha - Eu ria para quebrar o gelo tentando não parecer uma boba - Vou até começar a te responder no Whatsapp.

Ele ria e me dava um empurrãozinho com o ombro. -Nao sabia que por trás desse mistério todo tem uma garota cheia de senso de humor hein, tá aí, gostei. Estranha e engraçada... - Olhava pra ele como se o repreendesse pelo o que tinha acabado de falar, mas não de forma séria e logo ele dava uma gargalhada e continuava - Calma, calma estou brincando.

- Eu só não vou falar nada porque foi eu quem comecei com essa história de estranha. - Balançava a cabeça rindo, enquanto o olhava, Caio era lindo, tinha uma pele bronzeada que realçavam a cor dos seus olhos verdes, ele tinha um cabelo curtinho que a cor era meio dourada, mas não chegava a ser loiro, só sei que tudo nele combinava, o que eu não entendia era o que o Caio estava ali sentado do meu lado rindo pra mim com aquele sorriso perfeito. Percebi que ele me olhava também e logo desviava o olhar e começava a me levantar tentando disfarçar o quão envergonhada eu estava.
-Bom, tenho que ir, preciso ir na minha Tamûa, nós falamos mais tarde? - eu batia as mãos pelas minhas roupas para tirar a grama que havia ficado agarrada ali, estava evitando olhar para ele.

Ele franzida o cenho e me perguntava: - O que seria Tamûa?

Eu olhava e ria, eu esqueço que nem todo mundo aqui tem a mesma descendência que eu, e muitos tinham mas a família não era ligada aos costumes e com isso não conheciam a língua indígena. Minha avó ainda morava na aldeia, não saia de lá por nada, por mais que meu pai e tios tentem.

- Então, Tamûa significa avó em Tupi, minha avó é descendente sabe? Ela ainda é muito ligada aos costumes então passou isso para meu pai e por isso eu sei algumas palavras.

Ele me olhava fascinado com um certo entusiasmo. - Que maneiro cara, e você sabe outras palavras?

Eu ria e fazia que sim. -Sei algumas, minha família é dividida, pro lado da minha mãe são católicos e do lado de meu pai são indígenas, então acreditam em vários Deuses. Inclusive meu nome é em homenagem a uma Deusa muito importante. Jaci é a Deusa Lua, tem todo um porque de eu me chamar Jaciara - Quanto mais eu falava mais os olhos do menino brilhavam, tudo isso o havia deixado muito intrigado.

- Mas e Jaciara? Porque sei que seu nome é Jaciara.. - Ele me olhava um tanto confuso.

-Então, resumidamente eu quase não nasci, minha mãe teve provas sérios no parto, e meu pai suplicou a Deusa Jaci que desse tudo certo com a gente, e então eu e minha mãe conseguimos sobreviver, então ele e minha avó dizem que Jaci ouviu eles, ainda mais por ser noite de Lua cheia. Então escolheram meu nome, Jaciara que significa nascida da Lua. - Eu o olhava sorrindo e pela primeira vez sentia orgulho do meu nome e não vergonha.

- Eu nunca ouvi uma história tão maneira quanto essa, aliás.. - Ele levava a mão até a pedra em meu cordão e eu ficava sem reação - Seu cordão começou a brilhar conforme ia falando, você usa ele todos os dias e eu nunca o vi tão brilhante como hoje.

Eu ficava assustada quando olhava para a pedra brilhando na mão de Caio, ela realmente brilhava, não tanto quanto na noite do acontecido, mas de uma forma diferente, eu precisava tirar a atenção dele da pedra. Então eu o olhava sorrindo e ia tirando sua mão da pedra a segurando de forma que ela ficasse toda dentro de minhas mãos. - Tá aí uma outra parte da história, essa pedra se chama, pedra da Lua, e eu ganhei esse colar de minha avó assim que nasci. Em dias claros como hoje ela fica mais clara mesmo...
- Sua avó realmente tem muito bom gosto, e fica realmente muito bonito em você.
Eu definitivamente não sabia reagir a elogios porque eu não recebia muito deles de outras pessoas além de Tamûa, papai e mãe. Eu então tentava mostrar naturalidade então tentava dar o sorriso mais Natura que tinha.
- Eu realmente gosto muito dele, obrigada... Bom Caio, eu preciso ir, a Aldeia não é tão perto então preciso ir pra não voltar tarde.
O olhar dele parecia que ele se divertia quando eu ficava sem graça então ele ia até a bicicleta.
- Você podia me levar para conhecer aldeia de sua... Como é mesmo? Tamia?
Eu ria da forma como ele pronunciava errado o nome em Tupi e o corrigia.
- Tamûa, que diz. Eu prometo que  te levo um dia para ouvir as várias histórias e porquês dela, mas infelizmente hoje eu não posso. Digamos que preciso de um tempinho só com ela..
- Tudo bem, não quero parecer inconveniente também, bom, não vou te prender mais Menina da Lua.. até mais, te chamo no WhatsApp mais tarde?
Eu sentia um negócio estranho em meu estômago quando ele me chamava de "menina da Lua" . Será que essas são as famosas borboletas no estômago? eu realmente não sei, só sei que não era uma sensação ruim. Eu só não sabia se o motivo dessas tais borboletas era porque ele havia me dado um apelido tão fofo e ninguém nunca fizeram isso antes ou se era por que talvez de fato eu seria a nova Guardiã da pedra da Lua. Eu realmente preferia ficar com a primeira opção, queria acreditar que ele havia sentido o mesmo que eu, apesar de não saber bem o que rolou aqui hoje.
- Pode me chamar sim menino curioso, até mais.
O sorriso brotou de meus lábios de uma forma natural, e foi recíproco porque ele sorria pra mim também e isso fazia as tais borboletas se gostarem dentro de mim. Até que me virei em direção a minha casa e ele havia seguido o caminho dele. Cheguei em casa e avisei brevemente para minha mãe que iria visitar Tamûa e ela deu de ombros.
Peguei minha bolsinha e segui para o ponto.
Não demorou muito até o ônibus chegar, entrei e logo sentei em uma janela, e ali fiquei vendo a paisagem passar enquanto seguia viagem até o lugar onde eu esperava encontrar todas as minhas respostas.

A Guardiã da Pedra da Lua 🌙 (EM ANDAMENTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora