But you need to lower your standards

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Depois daquele dia, tudo voltou ao caos de antes. Nada que Ester tentasse fazer era o suficiente para conseguir abrir os olhos de Arthur, convencê-lo de que o mundo era um bom lugar, apesar das dificuldades. Seu semblante tornou-se sofrido e sem esperança.
A dor dele tornou-se a dor dela e era quase impossível de suportar, pois estava vendo Arthur desistir aos poucos das coisas que o tornavam um ser humano de qualidade, ainda mais quando soube que ele tinha saído da banda, sem qualquer motivo aparente.
Ainda assim, ela precisava se manter forte pelos dois.
Aquele era um ótimo dia para não deixar passar em branco. Um dia tão importante! Teve uma grande ideia e ligou. Queria trazer algum tipo de alegria a ele. Com surpresa, ouviu a voz do outro lado da linha e, antes que dissessem qualquer coisa, falou:
— Comprou algum presente para sua mãe?
— Não. — Arthur respondeu, sem emoção. — Não vou visitá-la hoje.
— Hoje é dia das mães! Ah, vai, sim! Arrume-se que eu não sei o caminho da casa dela.
Arthur não resistiu a ideia. Era uma boa ver como a mãe estava. Em 30 minutos, o pegou e caíram na estrada. A mãe dele morava em uma cidade próxima; bastou 45 minutos e estavam tocando a campainha.
O pai dele atendeu e, assim, ela percebeu todo o ressentimento naquela rápida troca de olhares. Havia uma tensão sobrenatural entre os dois, que tornava o espaço pequeno para todos eles.
— Podem entrar. — O pai deu passagem, sustentando uma cara de poucos amigos. — Marli não estava esperando visitas.
— Nada, não, só vim vê-la rapidinho — avisou indiferente.
Ester o seguiu para dentro de casa.
O clima pesado amenizou quando Marli viu seu filho. O sorriso se abriu no rosto estampado com as cicatrizes de quem havia perdido um filho para a violência urbana e outro que não conseguia se sentir parte da família. Mas estava feliz ao vê-lo ali, na casa em que o criou.
— Não acredito no que estou vendo! — Correu para abraçá-lo. — Não achei que viria hoje.
— Encontrei uma carona e acabei vindo.
Arthur chamou a atenção para Ester, e a mãe, finalmente, se deu conta de que havia mais alguém no cômodo.
— Até que, enfim, você trouxe uma namorada para nos apresentar! — Marli foi cumprimentá-la.
Ester enrubesceu. É verdade que se gostavam, mas era tudo muito complicado entre eles. Seus momentos nunca convergiam, mas teimavam em continuar.
— Sou só uma amiga — disse constrangida.
— E onde está sua mãe, querida?
— Longe. Ela mora em outro país.
Conversaram por algumas horas, até que uma pequena colocação errada em uma frase transformou uma pequena discussão entre ele e o pai numa enorme briga em que um culpava o outro infinitamente pelos seus problemas. O pai de Arthur não aceitava o caminho que o filho estava seguindo, achava que seu filho era mais um vagabundo que estava usando a música para não fazer nada da vida. Era muito até para ela ouvir.
Já era tarde demais quando Ester interveio. Arthur a tirara do meio do caminho e, em um ataque de fúria, derrubara tudo o que estava à sua frente, incluindo uma televisão que o pai acabara de comprar. A televisão quebrada, aos cacos, representava muito mais que deveria.
O embate físico parecia inevitável; o sangue escorrendo dos lábios de Arthur, enquanto os dois se machucavam ainda mais com as palavras, foi o suficiente para Ester se meter, empurrando-o para fora da casa. A ideia que parecia ter sido tão boa se transformou numa das piores que já tivera. Culpou-se imensamente por tudo o que presenciara.
Arthur puxou um cigarro para aliviar a tensão.
Ela voltou para dentro da casa e viu Marli chorosa, catando os cacos das suas coisas, que se espalharam em mil pedaços ao redor da casa. Apressou-se em socorrê-la, fazendo-a sentar à mesa da cozinha.
— Marli, fique calma. Eles têm muita coisa mal resolvida.
— Eles não podem se tratar assim! São sangue do mesmo sangue!
Viu o pai passar pelo corredor, em direção à porta de casa.
— Leve-o daqui, por favor. — Ouviu o pedido encarecido da mãe de Arthur.
Não havia muito mais o que fazer, precisava levá-lo de volta e, assim, saíram quase fugidos.
— Meu pai é um babaca! — Arthur trovejava no caminho de volta. — Acha que ninguém sabe da humilhação que a minha mãe passa?! É um absurdo o jeito que ele a trata! Minha mãe é uma pessoa muito boa para passar por essas coisas. Ela não merece... Ela não merece... Ela não merece.
Ele respirou fundo.
— Largue-me aqui.
— No meio do nada? — Ela o olhou, incrédula.
— Isso. Aqui! — disse ríspido.
— De jeito nenhum. E depois?
— Não sei. Não preciso de você para descobrir.
Aquilo a matava aos poucos: essa ignorância gratuita que ele teimava em distribuir a ela. Tudo estava bem e, no momento seguinte, as águas ficavam turvas. Como se ela fosse a culpada de todas as coisas que aconteciam com ele.
— Amigo, seu problema é com seu pai, não comigo. — Ester respondeu impaciente, não conseguindo guardar toda sua decepção acumulada.
Arthur fechou os olhos e novamente respirou fundo, tomando todo o ar que pudesse.
— Não sei por que você continua aqui — ele voltou a falar com uma voz entrecortada pela raiva.
Então ela compreendeu o que ele queria dizer. As entrelinhas pareciam destacadas agora. Percebeu que não se tratava apenas do comportamento do que acabara de acontecer, era sobre o seu próprio comportamento e o que vinha fazendo com ela. Não era certo tratá-la como se fosse uma qualquer. Ela era especial, mas ele não era. Seu pai era inexoravelmente o seu reflexo. Era como se via no futuro. E ela era Marli.
Não era justo com Ester que seu futuro fosse se tornar uma mulher como Marli, casada com um homem que não a respeitava. Ela merecia mais, e Arthur não sentia como se fosse conseguir proporcioná-la a vida maravilhosa que ela estava destinada a ter. Ele não poderia oferecer o grande prêmio, mas precisava entender que ela estava ali porque queria estar e porque achava que o que tinham com o outro era o suficiente.
— Eventualmente, nós descobriremos o porquê. Por enquanto, eu sei de uma coisa: Arthur, você não é seu pai. — Ester disse pausadamente como se estivesse falando com uma criança.

Outro poema ruimOnde histórias criam vida. Descubra agora