I'm the lonelier version of you

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Aceitou o desafio, passou a visitar Arthur diariamente, enquanto Marli esteve cuidando do filho. Todas as promessas do mundo foram feitas; ele passou a tratá-la de uma forma tão carinhosa e parecia que, finalmente, Ester passara a existir. Então a mãe de Arthur teve que voltar para casa, pois parecia que tudo ficaria bem.
Ester voltou ao quarto de Arthur, depois de se despedir de Marli, e sentou-se na cama, vendo-o sentar na cadeira do computador. Ele voltou seus olhos aos dela, respirou fundo, hesitante em dizer alguma coisa, até que ouviu o que não esperava:
— Desculpa. — Arthur disse, indo ao encontro de Ester. — Eu não queria falar aquelas coisas, naquele outro dia, nem te fazer passar por tudo isso... Não sei o que me deu.
O sorriso singelo preencheu o rosto dela.
— Eu sei, tá tudo bem.
— Casaria-me com você, se eu soubesse que viveria muitos e muitos anos.

X-X-X



Pela primeira vez em muito tempo, Ester se permitira enlouquecer. Precisava daquele tempo. Precisava deixar a loucura tomar conta uma vez, pelo menos. Já devia ser umas 20h da noite de uma terça, mas precisava sentir a liberdade um pouquinho.
Pegou um litro de whiskey, bebeu o quanto aguentou e bateu na porta de Arthur.
— Vamos ali? — Ela sorriu, mostrando todos os dentes e exalando aquele cheiro característico, e pegou Arthur pela mão, sentindo seu corpo formigar pela quantidade de álcool que tinha ingerido. — Quero te mostrar um lugar.
— Vamos, mas dê-me as chaves. — Ele a viu colocar as chaves gentilmente em sua mão, enquanto ele balançava a cabeça, achando divertido vê-la naquele estado. — Você não tem condições nenhuma de dirigir.
Entraram no carro.
— O que foi? Vamos aonde? — ele perguntou curioso. — Quer ir a um motel?
— A gente não precisa. — Ester mostrou a língua. — Tem sua casa para isso.
Os dois gargalharam como há muito não faziam.
Em alguns minutos, Ester indicou um lugar para ele estacionar. Eles estavam num lugar afastado da cidade, onde podiam ouvir o som do mar batendo nas pedras.
Ela respirou fundo, sentindo o cheiro da água salgada e, por alguns segundos, sentiu-se em casa.
— Queria te mostrar este lugar.
Foram andando, bebendo e rindo; sentiram a areia invadir os pés, causando uma leve cócegas. Ester encontrou seu lugar, colocou a toalha que havia trazido no chão e sentou-se. Observou a única luz que os iluminavam, a da lua, brilhando tão forte. Fechou os olhos, absorvendo a energia.
Aquele lugar era seu esconderijo. Era onde ia quando queria fugir do mundo, do caos das pessoas, das complicações do dia a dia. Era uma boa hora para terem alguns minutos de paz e mostrá-lo que, apesar de tudo, as coisas sempre acabam bem.
Ele sentou-se ao lado dela, observando a paisagem e sentindo o vento tocar seu rosto.
— Eu odeio esta vida. — Arthur disse tranquilo.
— Mas é uma vida tão boa. — Ester acariciou a mão dele. — E é a única que a gente tem.
— Não consigo me encaixar. Sinto que já fiz tudo o que poderia ter feito. E você, Ester, merece tanta coisa boa. Eu gosto de você de um jeito que eu não consigo aceitar, porque não fui feito para o seu mundo... Não para este, pelo menos.
Ela não achou que palavras fossem suficiente. Deitaram e ela apoiou a cabeça no peito dele, sentindo os batimentos cardíacos descompassados.
— Não precisa de muito. — Ester ficou encarando as estrelas. — Só ser você é o que basta para todos nós.
— A gente nunca imagina que crescer seja assim, né? Quando criança, tudo que quer é ser adulto, sem saber das consequências e do peso que é envelhecer.
Sabia que Arthur lutava muito para crescer, e aquilo é o que tirava seu sono.
— Crescer é complicado, mas é bom. Pelo menos, a gente pode beber cerveja — tentou fazê-lo rir.
— E fazer sexo. — Ele a acompanhou na risada, dando um beijo na cabeça dela.
Ficaram quase uma hora conversando sobre coisas aleatórias, todas as inquietações que cercavam, curtindo a companhia e o humor do outro.
— Por que não se pode ter os dois numa mesma pessoa? — ela questionou frustrada.
Era uma boa hora para que suas dúvidas fossem embora.
— Existem coisas que não têm explicação, Ester. E, por mais que a gente procure, não encontraremos esse motivo, então é melhor permanecer leve com as situações.
Ela suspirou, chateada. Como podia doer tanto não estar com sua alma gêmea ao mesmo tempo em que parecia estar numa sessão de tortura chinesa quando estava ao lado dela? Uma injustiça. Das grandes.
— Tudo se encaixará, acredita.
Arthur levantou-se, indo até o mar. Observou a imensidão escura, sentindo a água salgada tocar sua pele.
— Você não vai entrar? — Ele virou-se, observando Ester continuar sentada.
— O mar é traiçoeiro demais! — ela avisou ao longe. — De dia, já é perigoso, à noite, então, nem se fala! Nem pense nisso!
Ester pode vê-lo sorrir, voltando a contemplar toda a escuridão do mar. E voltou para perto dela.
— Vamos embora?

X-X-X



O dia em que o levou para conhecer seu lugar especial foi um dos últimos dias de bom humor de Arthur. As mudanças repentinas de personalidade ficaram piores à medida que o tempo voltou a passar, e Ester estava perdida, cansada de ser arrastada por ele naquele buraco depressivo.
Precisava fazer alguma coisa por si. Precisava parar de pensar apenas nele. Depois daquele dia na praia, brotou nela a força para seguir em frente. Viu que ele não queria se ajudar e começou a se acostumar com a ideia de deixá-lo para trás. Gostava muito dele, mas também precisava aprender a gostar dela.
Algumas coisas podiam não ter explicação, mas outras podiam ser mudadas com as nossas atitudes. Afinal, você se define por quem ama, não por quem ama você.
Manteve-se forte, decidida, até que, um dia, juntou toda a coragem para ser totalmente sincera com ele. Era um domingo de outono, fazia um pouco de frio. Ester discou o número de celular tão conhecido com as mãos trêmulas. Iria mesmo fazer aquilo.
Ele abrira a porta, e ela entrou devagarzinho, analisando cada centímetro daquele lugar. Aquela era a atmosfera de despedida? Encostou-se atrás da porta, ainda com a mão na maçaneta. Não a tiraria de lá por nada neste mundo. Precisava conversar e, dependendo da sua reação, já estava estrategicamente posicionada para ir embora.
— Vai ficar aí? — ele disse, vindo em direção a Ester.
— Vou. — Balançou exageradamente a cabeça.
Ele, então, virou-se em direção ao som; iria colocar uma música para preencher o ambiente, rotina que Ester conhecia muito bem.
— Sabe, eu gostava e gosto muito de você... — Respirou fundo, tomando coragem para continuar. Ele continuou olhando para o computador, escolhendo uma música; talvez aquela atitude dele tenha lhe ajudado a não parar: — Eu já disse que te amava. E era de verdade. Mas adquiri uma concepção muito sólida sobre o amor: ele precisa ser recíproco e, o que eu sentia, você nunca foi capaz de sentir de volta. Talvez, até tenha algum tipo de sentimento, mas não amor. Posso estar errada, mas você tem uma ideia totalmente errada de quem eu sou, justamente por causa disso. Eu nunca medi esforços para te ver, nem para te agradar. A você ou qualquer outra pessoa. Eu sou assim: se eu quero fazer, por que eu tenho que ficar ligando para as convenções sociais? E, nisso, você viu um ponto fraco meu... — Arthur parou o que estava fazendo para prestar atenção no discurso. — Você achou que eu era uma pessoa fraca, sem autoestima, dominada, a qual você poderia fazer qualquer coisa, e estava tudo bem, porque eu havia me diminuído. E isso se reflete em todas suas ações, sabe? Eu não preciso de ninguém, sou bastante independente, mas você não vê. É, eu não preciso de ninguém, mas não significa que eu não queira alguém para me acompanhar. Eu posso fazer qualquer coisa sozinha, você sabe disso. Eu aprendi a montar armários, trocar lâmpadas, porque gosto de saber que posso fazer essas coisas, mas prefiro não fazer. Eu não quero ter alguém só para passar uma ou duas noites em que eu me sinta sozinha, quero alguém que esteja tão presente que eu não precise me sentir assim; que me acompanhe nas coisas simples, como ir ao mercado, ir resolver aquele problema naquele órgão público, que vai levar o dia inteiro, colocar um garrafão de água no filtro... Coisas simples, sabe? Você não é meu companheiro. Você não gosta de mim. Você não me admira. E, nossa, admiração é uma coisa tão importante! Eu seria capaz de inúmeras coisas se você apenas me visse como alguém capaz... Todas as coisas que você fez e tudo o que você não fez também transformaram o que eu sentia. Eu gostava de você... Hoje, eu continuo gostando, mas de longe. Minha ideia ingênua de que, um dia, você também me veria como eu te vejo já foi embora. Eu sei que nunca vai acontecer. E, sabendo disso, não há mais por que continuar aqui.
— Eu sei, Ester. — Ele aproximou-se cabisbaixo. Sabia que era só uma questão de tempo até ouvir aquele discurso. — Tudo bem. Mas eu ainda posso te ligar?
Ela sentiu-se ofendida. Será ele que não ouvira uma linha de tudo o que dissera? Ela precisava se afastar, esquecê-lo e esquecer tudo o que passou. Esses seus pensamentos preencheram o ambiente, pois, antes que abrisse a boca para responder, Arthur respondeu sua própria pergunta:
— Você não entende?
— Não, esquece que eu disse isso. Não vou mais te ligar.
Abraçaram-se uma última vez.

Outro poema ruimOnde histórias criam vida. Descubra agora