Capítulo Sete- Daphne

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Ele andou um pouco a frente e abriu a porta da sua casa. Entramos e ele acendeu as luzes de dois abajures e notei que não havia lâmpada na sala, apenas um pouco de fiação exposta no teto. Andei mais um pouco e me joguei no seu sofá, sem dizer uma palavra. O observei acender a lareira, ainda calado. Após algum tempo, ele ficou de costas para mim, com as mãos segurando a borda da cornija e olhando para o fogo. Havia uma batalha ali.

A lenha crepitava e esquentava aos poucos, o ambiente. Weston se sentou do meu lado, apoiou os cotovelos nas pernas e enterrou o rosto nas mãos. Eu continuei sentada com a postura um pouco curvada, olhando o fogo serpentear a parede da lareira.

E quando eu menos esperei, ele disse algo e sua voz era baixa e triste.

— Ele estava feliz naquele dia.

Meu coração saltou com um pulo quando eu ouvi aquelas palavras.

— Eu cheguei em casa e tirei o seu casaquinho e minutos depois, eu o estava colocando na banheira. Ele tinha aquela baleia de borracha em suas mãozinhas, apertando e batendo na água, esparramando tudo pelo chão. Eu me lembro de ter dito "hey, garotão, vamos ter que arrumar essa bagunça antes que a mamãe chegue" e ele ampliou seu sorriso, batendo mais ainda na água. Foi o último sorriso que lembro te ter visto em seu rostinho.

Afogar. Era como afogar em uma dor inexplicável, que sempre o puxaria para o fundo.

— Eu sempre sonho com isto. Eu sonho com vários momentos, como se estivessem ali, acontecendo no presente e de repente, tudo se vai. Eu corro pelo corredor e não encontro nenhum de vocês, apenas um amontoado de coisas queimadas e um berço destruído no meio da nossa sala — ele deu uma pausa — e eu procuro por cada centímetro e vocês não estão lá. Então eu sinto uma dor dentro de mim e aquelas vozes me acusando, ecoando pela casa e dizendo "você o matou". Eu entro no quartinho dele e fecho a porta e tem uma mesinha no lugar do berço, com uma seringa bem no centro. Eu me recuso a olhar pra ela, mas aquelas vozes dizem que isso tem que ser feito e eu faço. Então, eu acordo suando, achando que eu realmente fiz aquilo. Minha sanidade se evapora por um tempo, como se eu estivesse acordado, mas dentro do pesadelo ainda, o que faz com que tudo fique pior. Eu não aguento mais isso. Eu não aguento não ter mais um breve instante, feliz. Não sei mais como é isso.

Eu não poderia dizer alguma coisa porque eu tinha meu coração desmoronando. Aquele baú em minha cabeça que guardava todas aquelas memórias começou a abrir e uma por uma foi saindo. Eu podia vê-las, tão nítidas. Oh, isso era cruel demais! Tudo o que sentíamos era perturbador e pela primeira vez, reconheci que Weston havia carregado um peso gigantesco nas costas. Eu chorava a morte do meu filho e ele, chorava a morte, a culpa, a sua queda e isso — oh, Deus — era verdadeiramente, cruel.

— Weston... — eu passei a mãos nos cabelos que cobriam seu rosto enterrado em suas mãos.

Ele levantou o olhar e passei as mãos sobre sua face molhada e ele respirou fundo.

— Vai ficar tudo bem — era a única coisa que eu conseguia dizer.

Ele fechou os olhos e colocou a mão por cima da minha, em seu rosto.

— Eu sempre torci para que você tivesse seguido com sua vida, Daphne. Eu quero isso para você. Eu não estou aqui para atormentá-la e sei que talvez, minha presença cause isso. Mas eu penso que deveríamos tentar aceitar a presença um do outro, como um exercício para superar tudo o que houve. Somos um tormento e temos que enfrentar todas essas coisas que ainda nos machucam. Caso contrário, não conseguiremos seguir.

— Você está certo. Eu tenho por todos esses anos, fingido que já não me afetava tanto, mas sempre afetou. Eu não consigo me relacionar porque tenho medo de passar por outra decepção. Me perdoe, Weston, mas, estar casada com você, naquele período, foi como a morte — ele assentiu lentamente, desviando o olhar. — Sem contar que eu não teria filhos... Jamais! Eu não quero arriscar perder o que se ama, de novo. Porém, não significa que eu não pense sobre o assunto, apenas tenho medo de tentar e acredite, não consigo. Você me entende?

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