poses, anyway!

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A verdade não é um instrumento de libertação. Tão somente, a verdade é uma porção racional de águas turvas que se choca, de forma permanente e sistemática, contra os rochedos subjetivos da mentira. Do outro lado, estamos nós, sôfregos em barricada, tentando proteger alguma água cristalina que circunda nosso umbigo. A verdade não liberta. Ela apenas modifica nossas relações com os outros e com o mundo. Em geral, ela é triste e fria. Desdoura ilusões e macula os afetos. Quando a verdade vence, o que distingue as pessoas não é o fato de tê-la desejado. Para o bem ou para o mal, a diferença se estabelece pela habilidade com que passamos a viver em meio às águas turbulentas. O fim de janeiro de 2010 foi marcado pelo frio intenso. Um inverno rigoroso se abateu sobre Massachusetts. Tempestades com neve, granizo e ventos fortes atingiram todo o estado. Uma espessa cortina branca cobriu os campos e as sucessivas nevascas colocaram cinquenta centímetros de gelo nas ruas. Aeroportos e estradas foram fechados. As condições climáticas foram severas. Dez dias após muitas verdades serem descortinadas, o silêncio parecia imperativo a toda a família Thompson. Um tempo frio de digestão dos acontecimentos. Justin tinha reunido seus pais e seus irmãos para abrirem, juntos, a Caixa de Pandora com as verdades sobre Matthew e Sybille. Defendeu Gabriel, sem que este soubesse, por ter ocultado aquilo que sabia e acabou conquistando uma compreensão forçada de todos. Exigiu que Edward e Ethan contassem suas versões da verdade. Não era fácil encarar a dimensão dos fatos e quanto tudo aquilo mudaria suas vidas. Mas era necessário. O perdão para Edward nunca viria. Ele sabia disso. Muito além de manchar a fidelidade do casamento e a lealdade das relações familiares, ele tinha abandonado aquela mulher na Europa, grávida e desprotegida. Mais que isso: tentou comprar deliberadamente seu silêncio e, depois, entregou mãe e filho à própria sorte. O fato de Sybille estar morta inumou qualquer possibilidade de contraponto e para a assunção do argumento havia um espaço considerável entre aquilo que cada um tentava acreditar em seu íntimo e aquilo que passou a constar do saber familiar. Catherine, por sua vez, optou por um silêncio estratégico. Temporalizar quando e como ficou sabendo de tudo, não a ajudaria sob nenhum aspecto. Pelo contrário, faria dela uma espécie de cúmplice. O que protege o carrasco não é o fio da navalha, mas a máscara silenciosa que esconde seu rosto. Não por acaso Cathy defendeu abertamente Gabriel por seu ato silencioso. Para Edward destinou apenas um olhar seco, misto de decepção e reprovação. Homem sensível e sagaz, ele percebeu que aquele fitar de juízo o acompanhava desde a tarde chuvosa daquele outubro de 2008. Mas estava em franca desvantagem naquele momento e não era prudente levantar mais questões perigosas. O silêncio de Catherine ultrapassou as fronteiras de sua existência. Numa conversa reservada e terrivelmente dolorosa, decidiu que não contaria a ninguém sobre os ardis de Helen e todas as tragédias provocadas. Impôs à nora uma condição: ela deveria começar, imediatamente, um tratamento psicológico. A própria Cathy a acompanharia. Teriam motivos de sobra para justificar a busca por ajuda dessa natureza, sem que fosse necessário externar à família seus distúrbios mais perversos. Por outro lado, Catherine teria a oportunidade de mostrar a Helen que o exercício da maternidade não é apenas uma jornada abnegada ou uma disputa emocional, mas uma importante e intensa viagem pelos caminhos da vida de uma mulher, de um casal e de uma família. Por fim, a decisão unânime transpassou o destino de Matthew. O garoto era um Thompson e já tinha passado por agruras demais em pouco mais de catorze anos de vida. Trazê-lo ao seio da família era o mínimo a ser feito naquele momento. Conhecê-lo, ou reconhecê-lo, seria o desafio a partir daquele momento. Novamente, as mãos do destino tinham atuado, determinando que Matthew fosse lançado às mãos de Gabriel, um indelével novo membro daquela família. Justin estava magoado. Mas seu amor era maior. Como a porção saudável dos seres humanos não é linear, a grande guerra deu-se quando Nicole aproveitou a "sessão verdade" e abriu à família seu relacionamento com Christian Taylor, vinte e seis anos mais velho que ela. Foi uma hecatombe. Edward e Ethan elevaram o tom, vociferando contra "aquele professor criminoso, pedófilo e vagabundo". Catherine tentou falar a favor da filha, mas também sentia alguma repulsa por uma relação, a seu ver, tão díspar. No front, Justin, que já conhecia Christian e a intimidade da irmã, os defendeu com argumentos que versavam sobre caráter, amor e diferenças, assuntos que ele dominava com maestria. Impossível crer que a família Thompson sairia daquela reunião particular em clima de absoluta paz. Não foi assim. No entanto, uma certeza permeava todos: só o tempo é capaz de acalmar as águas. A ele era entregue a tarefa de traçar uma perspectiva plana. Previsão, de fato, só havia uma: o tempo para os Thompson é rápido, é dinâmico, tem pressa. O último sábado de janeiro amanheceu sob o mesmo signo dos dias anteriores: frio intenso e ventos cortantes. Apenas a neve tinha dado trégua. Matthew percebeu quanto Gabriel estava entristecido com a ausência de Justin. Naqueles dez longos dias tinham apenas conversado por telefone. A distância física acabou seguindo a lógica da intempérie. Mas, também, agigantou neles sentimentos fortes, como a saudade e a dependência. O médico teria todo o final de semana de folga e o aquecimento do quarto, somado ao conforto da cama, não pretendiam ajudá-lo a levantar. Deitado, escutava ao longe as risadas de Matthew e da velha Gertrude que, dado o perfume dominante, deveriam estar na cozinha preparando strudel de maçã, seu favorito. Certamente, a cozinha tinha se transformado no palco de uma batalha de farinha. Gabriel ouviu quando a campainha tocou. Olhou para o relógio de pulso, que marcava 9h26 da manhã. Não tardou para que Matthew entrasse no quarto, ainda mais pálido do que era naturalmente: — Pai... — o chamamento do garoto tinha um misto de tensão e medo, mas para Gabriel soaram com extrema sensibilidade, provocando emoções desconhecidas. Era a primeira vez que Matthew se referia a ele daquela forma: "Pai". Um segundo, uma palavra, uma referência, na maioria das vezes pode mudar tudo. — Pai, acorda! — repetiu. — Oi, meu filho... — Gabriel sentiu o sabor novo daquele tratamento, mas havia uma preocupação no ar. — O que foi? O que há de errado? — É melhor você descer. A mãe do Justin está lá embaixo — o garoto tinha a voz trêmula. — O quê? — o médico deu um salto da cama, ainda que com dificuldades de acreditar naquilo. — Catherine está aqui? — Está, sim. E ela quer falar com você. Ele precisou de poucos minutos para vestir uma roupa mais adequada e ir ao banheiro. Desceu as escadas e avistou Gertrude, servindo, educadamente, strudel de maçã à sua sogra. — Hum! Esplêndido! Quando desci do carro, senti esse cheirinho bom — dizia Catherine quando Gabriel entrou na sala. — Aí está você, seu dorminhoco! — Levantou-se para cumprimentá-lo. Assim como Nicole, olhava para Matthew e reconhecia com clareza os traços de Edward naquele garoto. Tentou parecer o mais natural possível. — Vim buscar todos vocês pra passarem o final de semana conosco em Holden. — Cathy, eu acho... — Gabriel teve a real sensação de que aquilo poderia ser apenas um sonho, do qual despertaria em breve. — Você não acha nada, Gabe! — Catherine foi taxativa, acordando o genro. — Isso não é uma proposta. É uma ordem! — sorriu carinhosamente e mordeu o strudel. — Hum! Isso aqui está maravilhoso! Quando o carro de Catherine estacionou na casa do lago, em Pine Hill, todos já tinham acordado. Ficaram espantados quando a viram descer do veículo com Gabriel, Matthew e Gertrude. Naquele momento tiveram a certeza de que a matriarca tinha calculado milimetricamente aquele final de semana e por isso os tinha carregado pra lá. Até Mildred e John foram convidados! Apesar da manhã cinzenta de inverno, alguns raios de sol cortavam as nuvens no céu, tingindo áreas monocromáticas. A família os recebeu calorosamente e o silêncio só se fez presente quando Edward estendeu a mão para cumprimentar Matthew, mirando o fundo dos olhos do garoto, que depois de uma breve hesitação, retribuiu. — Meu nome é Matthew — apresentou-se. — Você deve ser o Edward, certo?! — ninguém jamais saberá dizer o que passou pela cabeça do jovem naquele momento. Gabriel jurou ter visto olhos marejados. Mildred sentiu uma espécie de sarcasmo sombrio. Para manter em ignorância aqueles que não sabiam da história, o silêncio foi rompido por incontáveis conversas paralelas. A atenção, então, voltou-se para o outro carro que adentrava os domínios da casa de Pine Hill. Nicole pensou se deveria simular um desmaio. Ed e Ethan entreolharam-se. Em seguida, queriam fuzilar Catherine. Gabriel custou a acreditar. Eram Christian Taylor e sua irmã, a dra. Nancy. — Pronto! Agora todos estão presentes! — disse Catherine, quase festejando. — Sejam bem-vindos, fico feliz que tenham aceitado meu convite — dirigiu-se ao casal que acabara de chegar. Com treze pessoas à mesa em Pine Hill, o cenário era de um almoço festivo em família. Até os olhares fulminantes de Edward sobre Christian deixavam claro que se tratava de um pai tentando proteger a filha de um candidato a genro com cara de garanhão maduro. Nada fazia lembrar aquela família que quase foi implodida dez dias antes. "Talvez o tempo dos Thompson seja esse", pensou Gabriel, olhando ao redor. "Ou talvez, encarar o novo universo e adaptar-se tenha sido a melhor opção", concluiu. O almoço tinha acabado de ser servido, quando Edward ficou de pé e tomou a palavra. — Peço sinceras desculpas, mas sinto-me na obrigação de dizer algumas coisas. — Ed conseguiu a atenção de todos. — O que tenho a dizer é tão sincero quanto as desculpas que acabei de pedir... — riram, enquanto ele limpava a garganta. — Em primeiro lugar, quero dizer que todos vocês são muito bem-vindos à nossa casa e espero que sobrevivam ao frio desse lugar! — novas risadas acompanharam aquele início de discurso que fazia lembrar os primeiros minutos de filmes trash. — Confesso que minha querida mulher nos surpreendeu ao organizar tão secretamente esse final de semana com toda a família e alguns candidatos a entrar nela. — Ed tinha o tom grave, mas deixou claro sua proposta quase cômica, se não fosse real. — Aliás, minha cara Gertrude, eu ficaria muito feliz se você entrasse para a família Thompson em definitivo... Agora há pouco roubei um strudel de maçã lá na cozinha. Estava divino! — a graça foi incontrolável. Edward falou por longos dez minutos, discorrendo sobre quase tudo. Irrelevâncias, claro. Porque aquilo que poderia ser mais profundo e denso, ninguém ousaria dizer. Ed cumpriu seu papel de anfitrião e foi bem-sucedido. Quando se preparava para sentar e alguns já alcançavam os talheres, foi a vez de Justin levantar e pedir a palavra. — Eu sei que todos estão famintos e a comida da mamãe está cheirosa! — deu início ao seu discurso, surpreendendo seus pais e irmãos, já que nunca tinham visto tal movimento em toda vida. — Eu serei breve. Prometo! — Justin afastou um pouco sua cadeira para ganhar espaço. — Meu pai já lhes ofereceu as boas-vindas, para as quais tenho certeza de que toda a família assina embaixo. Mas o que eu vou dizer não tem nada a ver com isso... — alcançou a taça de vinho e deu uma golada, na expectativa de legitimar sua coragem. — Há quase dois anos, eu estava no Aeroporto de Boston quando tropecei e derrubei no chão todas as malas de um brasileiro que tinha acabado de pisar em solo americano. Quando ele me pegou pela mão, me ajudou a levantar e ficamos frente a frente, senti que meu coração tinha sido dominado por um sentimento absolutamente desconhecido. Apaixone-me à primeira vista... — enquanto Justin falava, Gabriel estava mais vermelho que o batom de Nancy. — Depois disso, o destino se encarregou de nossos encontros e desencontros, sem qualquer explicação lógica pra tudo isso. Hoje, eu e Gabriel estamos aqui, juntos, sentados à mesa da minha família, repleta de pessoas que nos são muito importantes. Estamos aqui, juntos e felizes. Não poderia encontrar uma ocasião melhor pra fazer isso. Justin deixou a mesa, foi rapidamente à sala de Pine Hill, abriu um pequeno baú de madeira, disposto sobre a lareira. De lá, sacou uma delicada caixa preta aveludada. Voltou à mesa, onde todos buscavam compreender o que estava acontecendo. — Como eu dizia... — retomou o discurso. — Não haveria melhor ocasião para perguntar isso ao Gabriel, diante de todos vocês como testemunhas. — Justin ajoelhou diante da cadeira do namorado. — Eu não tenho a menor dúvida de que você é o amor da minha vida. Gabriel, você aceita se casar comigo? — abriu a caixa, em cujo interior brilharam duas alianças grossas em ouro branco, cada uma delas entremeada com um fio de ouro amarelo. Gabriel sentiu que seu coração poderia saltar a qualquer momento, tal qual a lágrima que acabara de verter. Tantas coisas passaram por sua cabeça: seus pais, que não estavam ali fisicamente para viver com ele aquele momento; até Matthew, que naquela manhã o chamara de "Pai", e agora sorria, meneando levemente a cabeça, como quem ordena: "Diga sim, diga sim". Gabriel olhou para Justin: — Sim, mil vezes sim! Ainda ajoelhado, Justin pegou uma das alianças e colocou no dedo de Gabriel, que fez a mesma ação. Todos à mesa aplaudiram, comemorando. — Oh! Meu Deus! — repetia Catherine, emocionada. Levantou-se e foi cumprimentar o filho e o genro, no que foi seguida por todos os demais. — Isso é maravilhoso! Agora temos um casamento para organizar! Um sol avermelhado brilhava fraco naquele fim de tarde, sem amenizar a queda vertiginosa da temperatura. Justin e Gabriel chegaram à entrada da casa e avistaram Matthew, sozinho, na ponta do deque de madeira, às margens do Pine Hill. Foram juntar-se ao garoto, que ouvia música em seu MP4. Aquele era seu lugar favorito. — Filho, está tudo bem? — Gabriel colocou a mão em seu ombro. — Sim — respondeu Matthew, tirando o fone do ouvido. — Matt, eu e o Gabriel temos duas coisas a lhe perguntar — disse Justin. Ao perceber que o garoto aguardava, prosseguiu: — Bom, Gabe tem sua guarda provisória e agora nós vamos nos casar. Isso dará a ele o status de cidadão norte-americano. Nosso casamento é reconhecido legalmente pelo Estado de Massachusetts. Se, a partir daí, eu e ele entrarmos com um pedido de adoção, é quase certo que a justiça conceda sua guarda definitiva e nós seremos seus pais legalmente. Mas precisamos saber de você, com sinceridade. — Justin ajoelhou, como fez ao pedir Gabriel em casamento. — Você aceita ser nosso filho e vir morar nessa casa conosco? A resposta de Matthew não veio em palavras. Ele abraçou Justin com força e puxou Gabriel, para que se ajoelhasse e se juntasse naquele abraço. Eles já eram uma família e algumas coisas que estavam fora do lugar, nem pareciam existir mais. Do jardim, Catherine observava a cena no deque, emocionada. Tinha tomado uma decisão acertada ao reunir todos naquele final de semana. Quem poderia imaginar que tantas coisas poderiam mudar, e pra melhor? Foi surpreendida pela chegada de Edward, carregando um copo de uísque: — Nunca imaginei viver para ver isso — disse Ed, vendo os rapazes e Matthew à margem do lago. — Quando Justin nos disse que era gay, minha primeira reação não foi raiva, decepção ou qualquer coisa assim. Eu tive medo. Medo por ele. Medo por mim. Fiquei apavorado com a possibilidade de vê-lo sofrer de alguma forma. — Mas por que ele sofreria? — questionou Cathy. — Eles não são diferentes de nós, Ed. Sentem as mesmas coisas. Amam da mesma forma. Os riscos de sofrer são os mesmos, afinal estamos falando de pessoas, de seres humanos. A orientação sexual não faz a menor diferença nesse sentido. — Eu sei disso. Compreendi com o tempo. — Ed levou o copo à boca. — E hoje, minha querida, naquela mesa, diante de tantas pessoas, eu vi a coisa mais destemida, mais brava, mais corajosa de toda a minha vida. — São impressionantes as lições que nossos filhos são capazes de nos ensinar. — concluiu Cathy, deixando-o no jardim e voltando para o interior da casa. Edward ficou olhando para os três no deque. — Você disse que tinha duas perguntas... — retomou Matthew, sentado entre Justin e Gabriel, no deque. — Uma já está decidida. E a outra? — Matt, nós estávamos conversando lá dentro e concluímos que seria bom fazer uma coisa — desta vez foi Gabriel quem assumiu a palavra. — É um assunto delicado... — Fala logo, pai! — apressou Matthew. — Seja o que for, nós já tivemos tantas coisas ruins até aqui e mesmo assim continuamos juntos. — Eu sei, meu filho — Gabriel deu-lhe um beijo na cabeça. — Você não teve o direito de se despedir da sua mãe. E nós queremos levá-lo até a Bélgica para que possa fazer isso. É o mínimo que podemos fazer antes do casamento e de entrarmos com o pedido definitivo de adoção. Você quer ir lá conosco? Quando Matthew referiu-se às coisas ruins que tinham vivido nos últimos meses, jamais poderia imaginar que a questão lançada por seus novos pais seria de tal magnitude. Ao mesmo tempo, tinha convicção de que esse adeus era necessário, ainda que doloroso. Sua resposta novamente não veio em palavras. Abraçou-os com força. Após alguns minutos ali, juntos, Gabriel tentou descontrair o clima. — O que você estava ouvindo? — Aquele cantor de que você gosta... Rufus Wainwright — respondeu Matthew, colocando um fone no ouvido de cada um de seus pais. — Uau! Rufus Wainwright? — surpreendeu-se Justin. Ao reconhecer a música "Poses", fez questão de dizer: — Perfeito! Catherine voltou ao jardim acompanhada de todos os convidados e com uma câmera fotográfica nas mãos. Queria registrar aquele momento especial. Gritou para que Justin, Gabriel e Matthew viessem se juntar ao grupo. Nicole armou a câmera digital sobre um pequeno tripé e correu para encaixar-se. Da esquerda para a direita: tio John, tia Mildred, Ethan, Helen, Edward e Catherine ao centro, Justin e Gabriel abraçados e com Matthew à frente, Gertrude, Nicole, Christian e Nancy. Todos juntos no jardim, com os rochedos próximos e o lago Pine Hill ao fundo, cercado pela floresta e a neve daquele inverno rigoroso. Um sábado absolutamente inusitado e inesquecível. Aquela seria a única e última foto com toda a família reunida. Um dia maravilhosamente incomparável. Um mês após aquele final de semana coletivo no Pine Hill, Justin e Gabriel desembarcaram na Bélgica com a missão de acompanhar Matthew em sua jornada de despedida. O casal tinha convicção de que esse era um rito fundamental para que ele começasse sua nova vida. Mais que isso: o garoto tinha o direito de dizer adeus à mãe, ainda que ela estivesse em seu último leito. Foram treze horas de voo desde Boston até Bruxelas, com uma escala rápida em Nova York. Todos os novos casais, as novas famílias, antes de legitimar qualquer compromisso, deveriam ser obrigados a realizar uma longa viagem juntos. Elas são emblemáticas e têm o poder de revelar como cada um reage à sensação de inércia comunicativa. Passar metade de um dia sobrevoando o oceano Atlântico, por exemplo, pode expor defeitos, fobias e patetices. Podese descobrir que o companheiro é fanático por Cher e Cavaleiros do Zodíaco, enquanto você admira Kyra Sedgwick no papel da delegada-chefe Brenda Leigh Johnson e seu filho acha tudo isso um grande tédio. Se uma família é capaz de sobreviver, sem estresse, a essa disparidade durante uma viagem intercontinental, é possível sonhar com as Bodas de Prata, porque provavelmente o casamento chegará lá. Os três venceram, com louvor, o desafio. Tomaram um táxi previamente contratado para percorrer os noventa e quatro quilômetros que ainda os separavam da pequena Turnhout, passando pela Antuérpia. Enquanto Justin e Gabriel contemplavam a belíssima chegada à Região de Flandres, para Matthew aquela hora entre a capital e sua cidade natal parecia maior que a travessia do Atlântico. Não conseguia definir seus sentimentos, quiçá suas reações. Em um único minuto, via-se variando entre a ansiedade e o medo, entre a precipitação e a ponderação. Qualquer adolescente, aos catorze anos de idade, é sacudido pelas mudanças bruscas de sua natureza. Muito além das transformações fisiológicas, as alterações de nível social promovem verdadeiras avalanches nos sentidos. Para Matthew, a intensidade era ainda maior. Quando os caminhos da vida não permitem uma explicação lógica, o que resta é tentar livrar-se dos medos e encarar a estrada. Recuos não eram mais permitidos e suas defesas estavam próximas ao limiar da exaustão. Passava das dez da manhã quando os três entraram na Dijkzigde, uma rua estreita e extremamente bem conservada na área antiga de Turnhout. Matthew sentiu um frio na coluna quando avistou aquela casa baixa, de telhado inclinado e tijolinhos vermelhos à vista, onde passou sua infância. Quando desceu do carro, por um instante sentiu o perfume de chocolate e baunilha. Acreditou ter visto a própria mãe, sorrindo ao abrir a porta, carregando a velha panela de bronze e suspendendo a colher de madeira para medir a elasticidade do fio doce. Ela lhe oferecia a colher, inclinando levemente o rosto e abrindo farto sorriso, como quem diz: "Venha experimentar! Mas só um pouquinho, viu?!". — Mamãe... — balbuciou Matthew, imerso em suas lembranças. — Filho, está tudo bem? — questionou Gabriel, observando o estado do garoto. — Não tenha medo. Nós estamos aqui com você. — Eu estou bem — revelou, incerto do que dizia. Foram até a porta e bateram. Não havia campainha. A resposta não veio. Provavelmente, ninguém estaria morando ali desde os tempos em que Sybille partiu com o filho para os Estados Unidos. Matthew sugeriu que fossem até o mercado, no final da rua, onde sua mãe trabalhava. Certamente teriam mais informações, inclusive sobre o local onde ela fora sepultada. Quando começaram a caminhada, um velho de aparência suja, barba branca e comprida e um boné preto, esgarçado pelo tempo de uso, vinha naquela direção, gesticulando e falando algo que parecia uma mistura de francês e holandês. — Acho que ele está querendo saber por que batíamos à porta da casa... Está dizendo que ele mora ali! — Justin era fluente na língua francesa, mas compreendia com dificuldade o que aquele homem dizia. Depois de um breve diálogo quase incompreensível, Justin olhou para Matthew e Gabriel e revelou: — O nome dele é Achiel. Ele mora na casa. — Justin mirou Matthew: — Matt, ele é o pai de Sybille. Ele é seu avô. O garoto não tinha como reconhecê-lo. Nunca tinha visto aquele homem, apesar de saber a sua história. Por mais que Sybille tivesse tentado poupar o filho dos detalhes mais tétricos de sua relação com aquele homem, deixara evidente sua repulsa desde os tempos de criança até o momento em que ele a abandonou para ir trabalhar no Mar da Noruega. Aquela repulsa agora invadia os sentimentos de Matthew, que instintivamente foi se encostando cada vez mais em Gabriel. — Ele está dizendo que veio pra cá assim que soube da morte da filha. Disse a ele que nós somos amigos de Sybille — percebendo a tensão do garoto, Justin questionou, facultando-lhe a decisão importante. — Matt, devo dizer quem é você? Matthew respondeu com um leve aceno negativo com a cabeça. Apesar da pouca idade do garoto, tanto Gabriel quanto Justin sabiam que aquela era uma decisão que não lhes cabia. De alguma forma, compreendiam a reação do filho e aquela era uma deferência robusta, apesar de difícil. O velho Achiel, por sua vez, reconheceu em Matthew os olhos de Sybille e até os seus. Na maioria das vezes, basta um olhar para que reconheçamos os nossos. Teve a certeza quando os convidou a entrar naquela casa e observou que o garoto não tinha expressão de novidade. Seus gestos guardavam memórias. "Filho de quem é, provavelmente veio aqui com esses caras pra tentar me tirar da casa", pensou. Mas antes que qualquer conclusão pudesse ser cogitada, Justin antecipou-se em dizer que estavam ali apenas para tentar descobrir onde Sybille tinha sido enterrada, para que pudessem ir ao seu túmulo. O homem foi à cozinha e voltou de lá com um papel pardo, onde anotara os dados do jazigo de Sybille, no Cemitério de Turnhout, que, segundo ele, ficava próximo dali, a uns dois quilômetros. Gabriel percebeu que Matthew não estava se sentindo bem naquele local, em meio a tantas recordações severas. Trataram de se despedir daquele velho frio e deixaram a casa minutos depois. Já distantes uns cento e cinquenta metros, foram surpreendidos pelos chamamentos de Achiel, vindo ao encontro deles. Nas mãos, ele tinha algo semelhante a um caderno velho. Sem dizer uma única palavra, o entregou ao garoto. Lia-se na capa: "Para meu filho Matthew — Receitas para fazer da vida um chocolate menos amargo". O silêncio tem sinônimos precisos e adequados para cada situação. E aquele era um momento que não exigia qualquer ruído. Tudo já estava dito. Matthew, Gabriel e Justin entraram no Cemitério de Turnhout por um portão branco na Kwakkelstraat. Atravessaram a estreita alameda de túmulos organizados e bem cuidados. Desceram um pequeno lance de escadas, próximo ao grande Cristo crucificado que dava as costas para uma nova ala de jazigos, seguida por um extenso campo gramado, aguardando seus novos moradores perpétuos. Não foi difícil encontrar a lápide simples, em rocha lisa acinzentada, onde o nome Sybille Genezen constava em ferro escuro. Matthew ajoelhou e depositou o ramalhete ralo de coposde-leite, comprado minutos antes na entrada do cemitério. Justin e Gabriel se ajoelharam, como esteios a ladear o filho, sustentando-o. Ele abriu o velho diário que lhe fora entregue pelo avô naquela manhã e leu a primeira página escrita à mão: Matthew, meu filho Não sei em que momento ou circunstância da vida você irá ler esse diário. Nem ao menos sei se um dia irá fazê-lo, mas espero que sim. Nunca confiei suficientemente na memória para delegar a ela a tarefa do registro. A memória é falha. Ela vacila. Muitas vezes prefere esquecer. E se há uma coisa que de fato me assusta é o esquecimento. Escrevo este diário para que você nunca me perca e para que eu não o perca também. Quero sempre estar presente em sua vida. Quando isso não for mais possível, que essas páginas lhe sejam não apenas companhia, mas a lembrança indelével de alguém que amou você mais que a si, que amou você mais que tudo! Com amor, Sybille Na página seguinte, Matthew encontrou duas fotos de sua mãe, coladas na frente e no verso da folha. Havia a marca de uma terceira, que fora extraída e deixara registros de cola e alguns pequenos rasgos. — Matt... — disse Gabriel — quando meus pais morreram, eu não conseguia imaginar como seria a vida sem eles. Foi muito difícil, mas eu precisava seguir em frente, precisava continuar. Hoje estou aqui, com você, com o Justin, formando uma nova família. — A voz do médico embargou, mas ele prosseguiu. — Tenho certeza de que meus pais, onde quer que estejam, estão felizes por mim. Tenha certeza de que sua mãe está feliz por você. — Gabriel voltou-se para a lápide, falando à defunta. — Sybille, não se preocupe. Nós vamos cuidar do Matthew. — Quero lhe ensinar uma oração — disse Justin, pegando a mão de Matthew e pedindo que ele alcançasse a de Gabriel. — Ela diz tudo que precisamos ter ao longo da vida. Chama-se Oração da Serenidade: "Deus, concedei-me a Serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar. Coragem para mudar o que posso. E a Sabedoria para saber a diferença". Não se pode afirmar quanto tempo ficaram ali, em silêncio, após a oração. Ao longe, Achiel os observava. Do bolso da jaqueta jeans, tirou uma foto de Sybille, arrancada do diário que agora estava com Matthew. Fosse como fosse, nem ele pretendia esquecê-la. Guardou novamente a fotografia e desapareceu por entre os túmulos, antes que pudesse ser notado. Foise com a certeza de que, para algumas decisões na vida, nunca há perdão. Quando os três decidiram que era hora de partir, Matthew voltou correndo ao jazigo, descolou com cuidado uma das fotos do diário e a prendeu entre o nome e o sobrenome da mãe, cravados na lápide. — Pra que ela não se perca — explicou aos pais. O casamento de Justin e Gabriel foi num sábado de primavera, dia 29 de maio de 2010, nos jardins da casa do lago Pine Hill. Edward e Catherine sugeriram que o presente da família ao novo casal deveria ser aquela casa, tão adorada pelo filho. A aprovação fui unânime. É bem verdade que Gabriel, Justin e Matthew já estavam praticamente morando lá, e o garoto já estava estudando na Wachusett Regional High School desde que voltaram da Bélgica, em fevereiro. Raras eram as noites que passava na casa daqueles que, em tese, se tornaram seus avós, na Tanya Drive. Cathy já tinha passado quase toda a manhã coordenando os últimos preparativos para a festa. A pedido dos noivos seria uma cerimônia simples. Mas isso era um pedido bastante inconcebível para aquela mãe. Cuidou de cada detalhe com esmero. Uma tenda branca foi instalada no jardim onde cento e cinquenta cadeiras de madeira foram posicionadas de forma a contemplar o lago e o altar, também em madeira, coberto de flores. Na parte externa da tenda, um pequeno palco foi instalado para a banda e uma pista de dança com piso iluminado. Por todo o jardim, postes lembravam tochas, com luzes amareladas. A escadaria entre os rochedos e o deque também foram amplamente iluminados. Este último tinha em suas margens arranjos florais. Como detalhe último, duas dezenas de pequenas balsas iluminadas boiavam nas águas do Pine Hill. Já passava das quatro da tarde quando Catherine deu-se por satisfeita. Precisava voltar para casa, em Holden, e se arrumar. Quando desceu a varanda de entrada e caminhava em direção a seu carro, teve um déjà vu. Dessa vez não era uma Ford velha, mas uma pick-up Dodge preta. E o conteúdo era exatamente o mesmo de quase quarenta anos antes: Jeffrey. — Ei, Cat! — disse Jeffrey, ao descer do veículo. — Jeff? — Cathy ainda não conseguia acreditar, estupefata. — Quem mais só aparece em dia de casamento? — perguntou o rancheiro, abrindo um saudoso sorriso. Gabriel ajeitou pela última vez o colarinho alto e gomado exigido pela casaca. Nancy o ajudava com os últimos retoques no cabelo, quando Gertrude entrou: — Querido, você está lindo! — disse a velha senhora, comovida. — Eu deveria estar muito feliz por você, pelo Justin e pelo Matthew. Mas só em pensar que a partir de amanhã vocês não vão mais estar morando na minha casa, meu coração aperta. — Venha cá, Gertrude! — Gabriel puxou-a para um abraço apertado. — Você está pensando que eu vou deixar você em paz tão fácil? Nem sonhe com isso. Eu vou estar sempre aqui. Eu não vivo mais sem seu bolo de carne e seu strudel de maçã! — Qualquer coisa, eu me mudo pra cá! — brincou Nancy. — Vamos ficar velhinhas juntas! — Eu nem sei como lhes agradecer. — Gabriel sentiu o nariz comichar e os olhos se encherem d'água. — Quando cheguei aqui, há quase dois anos, eu não tinha ninguém. Hoje tenho uma família e vocês fazem parte dela! — Gabe, se eu chorar vai borrar toda a maquiagem! — Nancy secava com cuidado as lágrimas que saltavam. — Nada disso teria acontecido na minha vida sem vocês duas — Gabriel chorou. — E você, dra. Nancy, disse que eu gostaria de passar um final de semana em Holden. Veja só o que você me arrumou! — Naquele dia eu tinha pensado só num final de semana de relaxamento. Mas você foi logo arrumando marido e filho! — a médica sorriu. — Por falar em filho, alguém viu o Matthew? — questionou Gertrude. — Matt vai para a cerimônia com Nicole. Disse que não quer que ninguém o veja pronto antes do casamento. Mas eu tenho certeza de que eles estão armando alguma. Ele e Nick ficaram ao telefone a semana inteira — Gabriel estava desconfiado. — Então vamos logo! Você não é noiva, Gabe, é noivo! Não tem o direito de chegar atrasado! — brincou Nancy. — Só um minuto — Gertrude interrompeu. — Antes de sairmos para a cerimônia, eu tenho um pedido a fazer. — Claro! O que quiser. Há alguma coisa errada? — perguntou Gabriel, com certo tom de preocupação. — Não há nada de errado, querido. Só quero te pedir uma coisa. Aqui nos Estados Unidos, nós cumprimos uma tradição para dar sorte e longevidade ao casamento: a noiva deve usar "algo antigo, algo novo, algo emprestado e algo azul". Como não vai haver noiva nesse enlace, achei que você deveria usar isso... — Gertrude tirou da bolsa de mão um lenço finíssimo em seda azul. — Irving usou esse lenço no nosso casamento e eu gostaria de dá-lo a você, para que o use no seu. — Oh! Meu Deus! — Gabriel sentiu o ar lhe faltar. — Gertrude, eu não posso aceitar isso. — Por favor, aceite! Tenho certeza de que ele adoraria vê-lo usando esse lenço no dia do seu casamento — Gertrude arrumou-o delicadamente no bolso da casaca. — Perfeito! — Obrigado! Você é muito especial, "vovó"! — Espere! Espere! Espere! — acenou Nancy. — Gabe, você já tem o "algo antigo" e o "algo azul". O "algo novo" são esses sapatos maravilhosos que você comprou em Boston. Mas e o "algo emprestado"? Vou resolver isso — a médica correu até sua bolsa e pegou uma caneta Mont Blanc. — Está resolvido! Você vai levar a minha caneta para assinar o documento do casamento! — O que seria da minha vida sem vocês? — Gabriel as abraçou. — Agora vamos logo! Já estamos atrasados! — Senhoras e senhores, estamos aqui reunidos para testemunhar a união de Justin Thompson e Gabriel Campos — o oficial de justiça deu início à cerimônia sob os olhares emocionados do casal e dos convidados. — Por favor, concedam-nos a honra de ouvir seus votos. Gabriel foi o primeiro: — Justin... Eu poderia apenas dizer "Te amo" e tudo estaria explicado. Mas, agora há pouco, antes vir encontrá-lo aqui no altar, Gertrude me contou que vocês, norte-americanos, têm a tradição de que a noiva deve usar em seu casamento "algo antigo, algo novo, algo emprestado e algo azul". Não há uma noiva nessa cerimônia e sim um homem extremamente feliz e apaixonado, diante de outro homem que deseja recebê-lo como marido... Mas que ninguém se engane... eu estou com todos os "algos", como manda a tradição! Que bom que há tantas "coisas antigas" a rechear nossas memórias e nossas relações e determinar o que somos hoje e o que estamos prestes a fazer. Quantas "coisas novas" já temos, juntos, muito antes de dizer "sim" oficialmente e quantas outras virão. Muitos dizem que a felicidade só depende de cada um, mas isso não é verdade. Para que nossa felicidade seja completa, precisamos das "coisas emprestadas", do carinho, afeto e amor que recebemos da família e dos amigos. E, por fim, o azul é uma cor que simboliza tudo que é estável, profundo, leal, sábio e eterno. Então, que o nosso amor e o nosso casamento sejam uma grande "coisa azul". Eu te amo, Justin. Justin tomou a palavra para seus votos: — Gabriel... Lembro perfeitamente da primeira vez que estive aqui nesse local, às margens do lago Pine Hill. Ainda era uma criança e disse aos meus pais: "Quero me casar nesse lugar!". Um amigo querido sempre me disse pra ter cuidado com aquilo que desejamos, porque pode acontecer! Está acontecendo agora. E que bom que está acontecendo agora, porque, antes de conhecer você, eu achava que era completo. Tinha uma família carinhosa e feliz, uma vida confortável, um trabalho honesto e alguns bons amigos pra compartilhar o tempo e as conquistas. Daí eu conheci você e meu mundo mudou. Com você, aprendi a observar os seixos rolados no fundo de um lago. Muitas vezes, olhando de fora, achamos que são águas turvas e sentimos medo. Você me ensinou que, por mais que elas pareçam assim, basta ter a coragem de mergulhar. Só assim podemos descobrir que tudo não passava do reflexo da luz nas pedras lisas no fundo do lago... Só com a coragem de mergulhar é que temos o privilégio de ver quão cristalinas são suas águas. Talvez não seja por acaso que, quando criança, eu disse que queria me casar aqui, no lago. E um anjo ouviu o meu pedido e o realizou. Aqui estamos nós dois, prontos para o mergulho. Eu te amo, Gabe! — Por favor, tragam as alianças — pediu o oficial de justiça, atendido imediatamente por Matthew, que as conduziu ao altar. Mas o garoto não voltou ao seu lugar. Desceu e desapareceu em meio aos convidados. — Justin, por favor, aceite essa aliança como símbolo do carinho, da minha lealdade e do meu mais profundo amor — disse Gabriel, enquanto colocava a aliança em Justin. — Gabriel, por favor, receba essa aliança como símbolo do meu amor, da minha fidelidade e de absoluta devoção. — Assim... — prosseguiu o oficial — pela autoridade que me foi concedida pelo Estado de Massachusetts, eu vos declaro oficialmente casados. O beijo do casal foi interrompido pela ovação dos convidados. Até Mildred, que um dia jurou jamais comparecer ao casamento gay de Justin, lá estava secando as lágrimas. Os noivos ainda não tinham deixado o altar, quando foram surpreendidos pelo som de um violão. Todos viraram para o pequeno palco, onde Matthew começou a tocar e cantar "Bridge Over Troubled Water". Justin e Gabriel foram realmente surpreendidos e ficaram mais emocionados do que já estavam. Já tinham mergulhado naquelas águas. Um mergulho profundo.

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