"E eu estava dançando na chuva / Eu me senti viva e não posso reclamar / Mas agora me leve para casa / Me leve para casa onde eu pertenço" Runaway - AURORA
Meus olhos pareciam não acreditar no que estavam vendo, meus ouvidos zumbiam como se milhares de mosquitos estivessem me rondando e, com certeza, minha pressão se igualara a de um defunto.
- Tine? – consegui escutar Francesca dizer, mas a cada segundo sua voz sumia mais e mais – Augustine, me responda!
- Eu não... Eu não... – minha voz simplesmente não saía. Será que eu havia escutado corretamente?
- Augustine de la Garza, me responda agora ou pedirei para que algum criado me traga um balde de água de banho dos cocheiros e cavalos, velha, fria e suja para que eu possa jogar em você. – às vezes ela soava exatamente como a própria mãe.
Consegui ouvir seus passos desenfreados percorrendo meu quarto com uma pressa inabalável. Onde antes estávamos alegremente colorindo telas com as aquarelas novas, agora o caos perfeito havia se instalado. Estava tudo bem, até que já não estava mais.
Até que ela tivesse me falado seu plano diabólico e o chão sumisse debaixo dos meus pés e houvesse apenas o abismo. Mas Francesca também estava desesperada com minha reação, e esse desespero já me era familiar até demais, sua voz estridente, voz a qual eu escutara diversas vezes antes, me despertou do transe em que me encontrava.
- Você está louca. - consegui dizer.
- Ah, então agora a senhorita decidiu me escutar? E quanto ao que eu lhe falei antes de começar a se tremer inteira?
- É sobre isso que estou falando. Francesca, você está louca!
A princesa começou a piscar aqueles grandes olhos repletos de cílios e eu já sabia o que viria em seguida.
- Não. Francesca, pare! Não vai conseguir me dobrar com esse seu truque fajuto que só engana seus pais. – vi o brilho sumir de seu olhar – Você não me engana. E continuo afirmando: você está louca!
- Mas eu não disse nada demais – percebi que ela tinha diminuído o tom de sua voz, como se estivesse revelando algum segredo. Seus passos apressados também haviam cessado. Mas já era tarde demais, não? A essa altura o castelo inteiro provavelmente já escutara meu grito indignado.
Montei no rosto a expressão de indignação mais descarada possível, pronta para gritar com ela mais uma vez, e dizer que, provavelmente, Francesca estivesse sob o poder do feitiço de algum ser maligno da Floresta Encantada – pois só assim para ter uma ideia ridícula como aquela – mas meus planos foram por água abaixo quando escutei a porta abrir. Era Janete, a cozinheira chefe do castelo, uma rechonchuda e baixa sátira que trabalhava para o rei e a rainha desde que me lembro, desde muito antes de mim e a princesa existirmos.
Seus cascos ecoaram pelo quarto, que por sua vez estava mais quieto do deveria. Mas o que ela veio fazer aqui? Me perguntei silenciosamente. O que a motivaria a deixar seu posto para vir até aqui em pessoa? Congelei onde estava ao observá-la carregar porta adentro uma bandeja repleta de docinhos folheados de morango, merengue e açúcar salpicado por cima. Eram meus doces prediletos. Será que havia algum dedo de Francesca nessa situação? Era bem provável que sim.
- Janete, minha querida e meiga, Janete! A senhora chegou em ótima hora. – a cozinheira ruborizou com o elogio, era incomum que a realeza tratasse os criados com tanta intimidade, mas quando Francesca e eu estávamos sozinhas, os tratávamos como se fôssemos todos amigos de longa data, mesmo que alguns deles, como Janete, não se acostumassem.
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A MELHOR AMIGA DA PRINCESA (Reino de Seres e Maldições)
FantasyComo seria se a história fosse contada pela melhor amiga da protagonista? E se tudo fosse narrado aos olhos da personagem secundária? Imagine um típico livro de fantasia, repleto de golpes de estado, guerras infindáveis, maldições enigmáticas, o po...