KOJIMA HARUMI NUNCA FOI CAPAZ de se esquecer da noite de inverno em que o conheceu.
Estava caminhando depressa pelas ruas sujas e mal iluminadas de Shibuya, olhando para os lados com frequência para garantir que não havia ninguém seguindo-a e atenta a qualquer barulho incomum. Devido a onda de assassinatos brutais que andavam ocorrendo no bairro no período noturno, a vizinhança havia se tornado um local deserto, mal cuidado e perigoso. Sempre voltava para casa o mais rápido possível após o trabalho, carregando consigo uma pequena faca e um spray de pimenta caso fosse atacada.
Quase perto de casa, engoliu em seco e respirou fundo ao ouvir um grunhido alto e animalesco na esquina de sua residência. Sentiu calafrios percorrerem todo seu corpo e um arrepio na espinha fez com que ela interrompesse seus passos e permanecesse imóvel na calçada.
"Mantenha a calma, Harumi." Pensou consigo e escondeu-se atrás do muro antes de seguir caminho. À espreita, tentou enxergar se havia alguém na rua ou se era apenas a sua imaginação assustada lhe pregando peças.
Afinal, às vezes seu próprio medo pode vir a ser o pior dos inimigos da sua mente.
Apertou os olhos na tentativa de enxergar com mais clareza, já que havia saído sem os seus óculos e sua visão não era das melhores. Ao checar a rua de onde acreditara ter vindo o som amendrontador, avistou o que parecia ser a sombra de duas pessoas, sendo que uma figura menor parecia estar inclinada sobre alguém maior de maneira um tanto esquisita, porém não pôde identificar com clareza o que estava acontecendo.
Sentou-se no chão úmido da calçada, recostada contra o muro de concreto gélido, sentindo o vento forte em seu rosto e a garoa fina que começara a cair há pouco arrepiar-lhe os pelos dos braços descobertos, por conta do frio.
"Merda, eu deveria ter pego uma jaqueta."
Decidiu que apesar de não ser a mais segura das decisões, esperaria ali até que as duas pessoas desaparecessem. Estar sozinha sozinha em uma rua escura naquele horário não era lá uma boa ideia, mas cruzar com estranhos em um bairro perigoso como aquele parecia pior ainda.
Em questão de minutos, para o azar de Kojima, a garoa começou a aumentar gradativamente e não demorou muito para que já estivesse chovendo forte e trovejando. Gotas grossas e pesadas caíam, deixando-a encharcada da cabeça aos pés.
Não poderia ficar ali mais um segundo sequer, a menos que quisesse ficar doente bem na semana de provas.
Esgueirou-se no muro mais uma vez para ver se ainda havia gente na rua, porém a falta de luz combinada à chuva tornavam ainda mais difícil de enxergar daquela distância. Tudo o que a garota pôde ver foi o borrão das mesmas sombras que vira mais cedo, na mesma posição em que estavam antes.
"Ok, não tem outro jeito."
Harumi abriu sua mochila e sacudiu a lata de spray de pimenta para ver o quanto ainda restava para usar. Ao notar que a embalagem estava vazia, grunhiu baixo, irritada, e pegou apenas sua faca, já que era tudo o que tinha para se defender.
Escondeu a mão que carregava o objeto cortante atrás das costas e seguiu caminhando lentamente pela rua, torcendo para que não notassem a sua presença ou a ignorassem. Caso olhassem demais, correria o mais rápido possível até sua casa, que estava próxima, ou gritaria por ajuda.
No meio do caminho, ao aproximar-se das figuras que havia visto, notou que se tratava de uma figura masculina jovem, com um homem de mais idade com o corpo estirado no chão em sua frente. O garoto permanecera inclinado sobre a figura do mais velho, seus cabelos caíam sobre sua face de modo que não era possível ver sua imagem com clareza e nem compreender porque ele mantinha seu rosto tão próximo ao do outro, quase como se estivesse dando-lhe um beijo na bochecha ou no pescoço.
"Talvez seja só um casal exibicionista com algum fetiche esquisito em transar na chuva." Pensou, tentando usar um pouco de humor para amenizar a tensão do momento.
Harumi odiava a si mesma por ser tão curiosa, mas diminuiu o passo e observou-os de soslaio, tentando compreender o que se passava. Nenhum dos dois parecia ter dado importância para a sua presença, então ela pensou estar segura.
Ao chegar um pouco mais perto, notou o aspecto doente, quase sem vida do corpo do homem deitado no chão, mas não pôde enxergar a feição do garoto inclinado sobre ele. Parou por alguns segundos e pensou que aquela poderia ser uma situação de emergência.
Kojima sabia que não deveria se meter naquilo, para o seu próprio bem. Mas algo dentro dela fez com que ela não conseguisse seguir adiante. Queria ver o que estava acontecendo.
"Mesmo que fosse algum tipo de acidente, poderiam chamar a polícia ou uma ambulância, certo?" Tentou convencer a si mesma de sair logo dali, afinal em pouco tempo já estaria em casa, segura. Então não havia motivos para se arriscar daquela forma.
Porém a garota não deu ouvidos a si mesma.
─ A-ah... b-boa noite. ─ Acenou enquanto caminhava em direção aos dois. ─ Vocês precisam de ajuda?
Agachou-se diante deles e sentiu as pernas bambearem ao finalmente enxergar a cena com clareza, analisando cada detalhe sórdido.
O garoto mais novo, que tinha sua boca pressionada contra o pescoço do outro, levantou o rosto para encará-la.
No instante que o viu, Kojima imediatamente foi consumida por um misto de temor e fascínio. Sentiu suas pernas tremerem e de repente perdeu o equilíbrio, deixando que seu corpo pendesse para trás, fazendo - a cair sentada no asfalto molhado.
Primeiro, negou para si que estivesse diante de tal visão que mais parecia saída de um filme de terror.
Sua expressão era vazia, seu rosto tinha um formado pontiagudo de traços bem marcados e sua pele pálida tornava quase possível enxergar suas veias da face. Duas enormes bolsas arroxeadas marcavam o redor daqueles olhos vermelho-escarlate hipnotizantes.
De seus lábios finos e perfeitamente desenhados, era possível notar o filete de sangue que escorria pela lateral de sua boca e descia até o queixo, pingando sobre suas vestes.
─ Você é quem parece que precisa de ajuda. ─ O de cabelos negros passou o polegar sobre o lábio inferior, limpando o sangue fresco, e a encarou com um olhar um tanto apreensivo.
Estava petrificada. Aquele garoto era a figura mais assustadoramente bela que Kojima já havia visto em toda a sua vida.
Nunca achou que fosse possível que tamanha monstruosidade a cativasse com apenas um olhar.
"Talvez eu esteja ficando louca." Afirmou em sua mente.
Antes que pudesse responder, sentiu sua visão turva e sua cabeça pesada. Seus batimentos cardíacos, antes acelerados, agora estavam tão lentos que Kojima pensou que morreria ali. Incapaz de mover-se ou dizer qualquer coisa, ela apenas apagou.
Sua última visão antes de suas pálpebras se fecharem por inteiro foi aquela figura celestial desconhecida que parecia ter sido esculpida por deuses.
Mas como poderia um anjo, carregar tanto pecado em seus olhos?
Isso era algo que apenas Keisuke Baji poderia responder.
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𝐁𝐋𝐎𝐎𝐃 𝐅𝐄𝐕𝐄𝐑, 𝘬𝘦𝘪𝘴𝘶𝘬𝘦 𝘣𝘢𝘫𝘪
Fanfic──── 🥀 "𝔗𝔥𝔢 𝔪𝔬𝔯𝔢 𝔱𝔥𝔞𝔱 ℑ 𝔥𝔲𝔯𝔱, 𝔱𝔥𝔢 𝔪𝔬𝔯𝔢 𝔦 𝔴𝔞𝔫𝔱 𝔦𝔱. 𝔐𝔶 𝔟𝔬𝔡𝔶 𝔦𝔰 𝔟𝔲𝔯𝔫𝔦𝔫𝔤 𝔲𝔭, 𝔶𝔬𝔲 𝔤𝔦𝔳𝔢 𝔪𝔢 𝔣𝔢𝔳𝔢𝔯." ➥ 𝚂𝙸𝙽𝙾𝙿𝚂𝙴 Recém-chegada na cidade de Tóquio, Kojima Harumi se mudara do interior para a...