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Sela estava tentando entender a situação. Maso latia para alguém. Conseguia ouvir duas respirações fortes além da dela, e uma muito fraca, distante, como se fosse apenas um resto de vida. Tudo cheirava a sangue, um tipo que ela não sentia há muito tempo, desde que sua avó fizera as pazes com os elfos e as agressões terminaram; sangue de elfos da lua, assassinos impiedosos e, contando que era noite de lua cheia, muito mais fortes, resistentes e rápidos do que um humano comum.

— Quem são vocês? — perguntou Sela.

Uma voz masculina, jovem, caída contra o chão, respondeu:

— Meu nome é Hank. Cuidado com ela, ok? Quando ela fica assim é perigoso irritá-la.

— Sela... — era a voz de Adele. Ela tinha certeza agora. Mas Maso latia sem parar na direção da voz, um latido que a dizia para ficar longe, como se fosse uma ameaça. — Eu matei... todos eles.

Sela estava começando a entender a situação. Os elfos estavam ali por algum motivo, provavelmente por Hank, que parecia conhecer a assassina. Adele foi correndo do castelo até lá, como se soubesse que algo iria acontecer. A voz dela soou triste quando disse que matou todos eles, como se não quisesse aquilo, como se não tivesse tido escolha.

— Tem uma adaga enfiada nas minhas costas, — disse Adele — por favor, poderia tratar?

Sela fez um sinal para que Maso se acalmasse, e lentamente caminhou na direção dela.

— Adele, ela vai te ajudar. Não faça nada estúpido. — disse Hank.

— Eu não vou machucar ela. Jamais faria isso.

— Tudo bem. Vou dar uma olhada agora. — disse Sela, que se aproximou o bastante para tocar.

A adaga não havia atingido os pulmões, nem outro órgão importante. Sela lentamente pegou sua bolsa, que sempre leva consigo para todo lugar que vai, e limpou a ferida com o que tinha disponível nela. Retirou a adaga sem aviso, porque sabia que Adele pediria para que ela não avisasse quando fosse tirar. Sua surpresa foi que Adele nem notou o que aconteceu, como se não tivesse doído nada.

— Você sentiu? Dormência ou falta de sensibilidade podem significar quadros piores, veneno, talvez...

— Não se preocupe, — exclamou Hank — quando ela está assim, não sente dor mesmo. Me pergunto até se ela sente algo além de raiva.

— Vai se ferrar — respondeu Adele — ele tem razão, não sinto dor quase nenhuma nesse estado, estou esperando você dizer que acabou pra voltar ao normal.

— O que é esse "estado"?

Adele olhou para o nada, como se pensasse em algo profundo, buscando uma resposta.

— Eu não sei. É algo que Renmar fez comigo em Arcania. Desde aquele dia, eu consigo ativar isso; no início, não tinha controle, mas hoje em dia consigo escolher quando ativar e desativar. Na aparência, tudo que muda é que meus olhos ficam turvos. Mas fico mais rápida, forte... Provavelmente é magia daquela região. Magia proibida, já que nunca achei algo parecido em livros.

Sela tentou não continuar o assunto, devido ao clima que isso criou.

— Terminei. Ainda vai arder por um tempo, mas vai passar. — Então virou-se para direita, onde estava a respiração quase apagada que ouvira quando chegara no local, um elfo que ainda estava vivo, mesmo que por pouco. — Sua vez, amigo.

Adele não sabia muito bem como receber aquilo, Sela salvando um elfo que queria matar seu amigo. Na verdade, considerava aquilo muito arriscado, ele poderia não apenas contar o que fizera com seus amigos como também revelar que Hank continua vivo.

Enquanto Sela tratava do elfo, ele recuperou a consciência, e agarrou-a no susto, apertando seu pescoço.

— Ei, calma, tudo bem, tudo bem...

Ela mostrou a identidade de curandeira que carregava, e sorriu, mesmo com ele apertando seu pescoço, tentando apaziguar a situação. Ele se acalmou e soltou-a, o que fez Sela respirar aliviada.

Adele estava conversando ao fundo com Hank, dizendo a ele o que fazer já que ele é um ladrão, não assassino.

— Está doendo muito? — perguntou Sela, ouvindo os gemidos do elfo.

— É desrespeitoso perguntar isso a um guerreiro como eu, cada dor que sinto é resultado de uma falha na batalha.

— Bem, não sei como vocês elfos pensam, mas para os seres humanos cometer erros é normal, inclusive em batalha. — então mostrou uma pequena garrafa de vidro — isso tem efeito analgésico, semelhante a morfina. Vai diminuir sua dor, quer?

Ele relutou um pouco, mas aceitou.

— Aqueles dois não vão me matar?

— Espero que não, seria um desperdício dos meus talentos. — então sorriu. Ela sempre era assim, tentando fazer brincadeiras e tornar a situação um pouco mais leve. — tome isto aqui também, é para melhorar a capacidade do seu corpo de combater infecções.

— Elfos já tem resistência natural.

— Resistência não é invencibilidade. Tome.

Ele aceitou e bebeu.

— Eles são seus amigos?

— Não, a garota eu conheci quando apareceu quase morta num beco quando eu estava passando, cerca de um ano atrás. Ajudei-a e só voltei a vê-la quando tentou me matar, há algumas horas. O rapaz parece ser amigo dela.

— Tentou te matar, mesmo depois de você ter salvado ela? É algum tipo de psicopata?

Sela riu.

— Não, o nosso rei pediu que ela fizesse isso. Ainda bem que ela não conseguiu.

— Eu consigo saber quando humanos mentem, é parte do treinamento. Me assusta ver que você é sincera na maneira como não guarda rancor de uma pessoa que acabou de tentar te matar.

— Ela tinha um bom motivo. Queria escapar das amarras dela. Eu sei como é ter amarras profundas. Entendo por que ela fez o que fez.

— Sela — disse Adele — Vamos levá-lo para a prisão.

— Deixe-me terminar o tratamento.

— Termine lá.

Foi a primeira vez que Sela fez uma expressão de incômodo para Adele.

— Isso já não teria nada a ver com as suas amarras, e muito menos teria um bom motivo. Ele não vai machucar ninguém com ataduras e pontos por todo o corpo. Você está escolhendo o que é fácil não o que é certo.

A assassina queria tirá-la dali a força, mas hesitou.

— Tudo bem — deitou-se num canto e pôs um pano sobre os olhos — acorde-me quando acabar.

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