— Navalha! — a voz estava longe — Navalha! — mas insistente até demais.
Eu escutava um som seco mas que às vezes era oco também, ele alternava bastante, me fazendo não saber identificar o que era. Indefesso, me fez acordar perdida no frio do meu quarto.
— Navalha! — gritavam alto.
Cambaleante, saí da cama e fui até a varanda do meu quarto ver quem era o ser que me chamava tão agoniado e saber o que ele queria. Quando pus meu corpo pra fora, vi dois dos meus funcionários que sabiam da existência do cartel, eles estavam agitados enquanto me chamavam num sol de quarenta graus. Pelo calor do ambiente eu já havia conseguido matar a charada com excelência. Havia perdido a hora e acordei à tarde, deixando todos na fábrica preocupados com o meu sumiço.
— Que foi, gente? — perguntei com a voz rouca.
— Por que você não apareceu na tapeçaria?! — um deles perguntou bravo, mas era preocupação — Você sumiu, mulher!
Bingo! Exatamente o que eu pensei, eu realmente havia perdido a hora. Pus a cabeça pra dentro do meu quarto e forcei minhas vistas pro relógio de ponteiro que ficava bem acima da minha cama. Era quase duas da tarde.
— Gente, perdão. — disse a eles — Foi só um mal entendido. Fiquem aí que eu vou abrir o portão pra vocês, calma. — voltei ao meu quarto.
Eu precisava inventar algo pra eles, algo plausível e que não fizesse eles desconfiarem de mim, afinal, eu não era de perder a hora. Pus um vestido branco, colado como de costume, e desci, indo abrir o portão pra eles que não disfarçaram em descer os olhares pros meus mamilos que ficavam evidentes naquela roupa. Mas eles, antes de eu poder os chamar atenção, tiraram a atenção do meu corpo e entraram. Eles me conheciam bem e sabiam que eu não admitia falta de respeito pra cima de mim, da última vez que me assediaram terminou em cortes profundos, muito sangue e gritos de socorro.
— A gente ligou pro telefone da senhora, a senhora não atendeu.
— É, o Urso até disse que telefone a senhora sempre atende, como a senhora não atendeu, a gente achou que alguma coisa tinha acontecido.
E havia acontecido, uma coisa maravilhosa! Mas na cabeça deles, qualquer sumiço meu significava que havia acontecido comigo igual aconteceu com o Marcos. Um suposto sequestro.
— Não, eu só perdi a hora, desculpa, gente. — passei as mãos no rosto — Muito sono acumulado, cansaço demais. Não consegui me controlar. Vocês estão com sede? Esse sol tá... Horrível. E vocês embaixo dele.
— Ah, eu aceit... Ai! — protestou com a cotovelada do seu colega.
— Não, a gente não quer nada. — respondeu sorrindo, simpático — Obrigado.
— Eu não sou bicho. — ri — Venham comigo e fechem o portão. — disse caminhando pra dentro de casa.
Nenhum deles nunca haviam visto a minha casa por dentro, nem quando o Marcos estava vivo. Nesse ponto o Marcos era irredutível, levava a hierarquia a sério e não dava confiança aos seus funcionários a ponto de levá-los em casa. Marcos sequer oferecia água com um de nossos copos. O único a ver costumeiramente a casa e mesmo assim bem pouco era o Emanuel, após a morte do Marcos que ele passou a frequentar mais.
Os servi água e ofereci comida fresca. Apesar de eu exigir respeito, eu não era uma tirana viciada em hierarquia igualmente o Marcos. Eu era humana também, apesar de eu raramente deixar esse lado transparecer.
Enquanto eles se alimentavam de um sanduíche simples que eu havia feito com queijo branco e tomate em fatias, voltei ao meu quarto pra me arrumar devidamente. Lavei meus cabelos, me limpei e voltei a vestir o mesmo vestido branco. Eu estava com a autoestima tão boa depois daquela transa, que renovou minha alma, que eu me dei ao luxo de passar um batom vermelho-sangue bem chamativo. Meus olhos não precisavam de muita maquiagem tendo em vista que meus cílios eram bem volumosos e longos, o que deixava meus olhos contornados naturalmente. Passei apenas um kajal preto na linha d'água pra marcá-los ainda mais e empurrei meus cílios pra cima com o indicador, pra curvá-los de forma natural.
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Dois Amores
Romance"1 Coríntios 13:4-7 ⁴ O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. ⁵ Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. ⁶ O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra c...