Capítulo Dois - Ascenção

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Lapa, Rio de Janeiro - Brasil (1970)

— Bom dia! — disse em bom tom, sendo respondida por todos em uníssono — Não quero atraso e nem demora, hein! — gritei bem humorada, indo até o meu escritório.

Dois anos depois de ter matado Marcos, que pros demais apenas havia desaparecido misteriosamente, eu herdei todo o seu império de ganâncias e bens. Era o mínimo depois dele ter feito o que fez comigo.
Expandi o seu negócio pra Zona Oeste do Rio, agora eu ganhava em dobro. Eu era bem mais visionária que o Marcos, que só enxergava dentro da sua bolha. Aprendi a ser mesquinha, gananciosa e ambiciosa a partir do momento em que eu assumi tudo.
O amor que eu sentia por ele foi drenado do meu coração. Agora eu vivia a sua vida, estava no seu lugar fazendo o que ele fazia e eu era tão bandida quanto ele sonhou se tornar um dia. Não trabalhava apenas com jogos de azar que nem ele, não mais. Alguns meses após assumir seus negócios, comecei a traficar o famoso ouro branco, nome dado ao pó da folha de coca, a cocaína. A minha era da pura, raridade nas favelas do Rio de Janeiro, igual a minha só tinha na Colômbia, Bolívia, Paraguai... Mas no Rio de Janeiro, tinha apenas em um bairro: a Lapa.

— Gorila, minha sala agora! — disse no microfone.

Era uma caixinha minúscula que quando eu apertava um botão vermelho que havia nele, a minha voz ecoava por toda a tapeçaria. Era a minha fachada perfeita, ninguém desconfiava que eu fazia coisas ilícitas. A empresa era literalmente uma fábrica têxtil, havia me mudado pra lá após a morte do Marcos, era melhor e mais camuflado pra mim. Haviam literalmente operários produzindo tecidos naquele lugar que era dividido em dois andares. O primeiro andar, onde era feita a confecção dos tecidos e o segundo andar, onde era a parte burocrática da empresa e também... A parte ilegal. Só tinha acesso ao segundo andar poucos homens, oito no total, o restante ficava na confecção sem saber o que acontecia lá em cima. Era um grande mistério pra eles.

— Pois não, chefe? — Gorila abriu a porta.

— Vem cá, que cálculo é esse? — o mostrei.

— O cálculo que a senhora pediu. — respondeu o óbvio.

— Se fosse pra fazer errado, eu mesma fazia. — disse ríspida.

— Mas não tá errado, senhora.

— Não? — arqueei as sobrancelhas — Trinta mil dividido por oito, três mil e quinhentos?

— E não é?

— Você não sabe matemática básica? Vírgula? Nada? — zombei — É três mil setecentos e cinquenta! Se errar mais uma vez, tá fora! — fui curta e direta.

— Desculpa, Ros...

— Não me chama pelo nome, só pelo codinome. — o interrompi.

— Desculpa, Navalha.

— Pode sair e chama o Urso. — continuei ríspida.

Todos ali tinham codinomes, dizer nossos nomes dentro da empresa era muito arriscado e eu não queria dar ainda mais motivos pra Polícia Federal investigar cada um de nós e descobrir o meu esquema. Não podia ser presa, eu não duraria um dia naquele inferno de lugar que era a prisão.

— Okay. — disse fechando a porta.

Dez segundos após o Urso apareceu.

— Mandou chamar? — abriu a porta.

— Mandei, entra e senta aí.

O Urso era meu segurança e responsável pelas armas. Ele era o armeiro da empresa, entendia tudo de fuzis e revólveres. Sabia montar e desmontar qualquer arma como ninguém, era um exímio atirador e a sua mira sequer tremia quando ele disparava. Mãos de aço.
Ele estava nessa posição antes mesmo do Marcos morrer e eu assumir tudo. Emanuel era um dos seus amigos fiéis, ele nunca conseguiu entender o motivo pro seu sumiço ter acontecido, até hoje era uma incógnita pra ele. Mas apesar do sumiço repentino, ele ainda tinha fé na volta do Marcos... Mal sabia ele que o Marcos jamais voltaria.

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