Prefácio Confidencialíssimo

34 2 4
                                    


Nós, tecnicamente, não existimos.

O Acervo e todas as suas filiais, parcerias (protagonistas e antagonistas) e sedes inexistem no espaço e tempo tangível. O multiverso ao qual damos referência nos documentos desta coleção é aontológico e, portanto, no tratante da experiência humanística, inalcançável.

Não obstante, há aqueles insistentes, sem dizer impertinentes, que se encarregam de atribuir carga às miríades de insatisfações materializadas pela realidade cosmológica ultradeterminística, sine qua non à máquina orgânica.

A máquina orgânica é, grosso modo, recipiente solitário (indivíduo) e organizador subserviente (consciência). Solitário por que e subserviente a que deve ser considerado questionável, senão irrelevante em sua totalidade.

Não existe proposta na Missão Acerval. Não nascemos de juramento, ordem ou ideia.

Somos o que somos, fazemos o que fazemos.

O que fazemos pode ser subentendido na adepta repetição de nossa 'oração', e a natureza da instituição atemporal deve emergir, de fato, do trato neuro-linguístico, voltando a submergir, despida de ego-memórias, no Locus Inanis.

Informação é imprescindível. Convenções a esta não o são.

O valor da informação é universal, e, como a radiação Hawking a escapar do evento horizonte na mais compacta matéria calculável pela linguística matemática, a informação não possui início ou fim.

Ela se transforma, desvia, colide, combina, desfaz e faz.

Jamais termina ou se inicia.

Ademais, atribuindo à máquina orgânica a improbabilidade de seu lugar unânime neste teatro em tudo envolto, confiamos à consciência o papel de classificador restritor.

A nossa culpabilidade é o medo intransponível do diferencial orgânico e inorgânico. O 'pecado' primordial é a primazia da curiosidade.

Pode-se dizer que somos malignos em nossa curiosidade, porém não ignorantes à causa e efeito desta.

Não há condição no testar, senão a condição inerente ao experimentar da máquina orgânica.

O experimento é infinito quando o observador é oculto.

Sim, há a contradição colocada pela ciência atual: o observador, em todos os seus meios e fins, compromete o experimento, no passado e futuro, dado seu papel de experimentador parcial, inexorável à causalidade não linear.

O Acervo afetou, afeta e afetará.

O único 'corpo' não comovente ao teatro ontológico é, portanto, aquele observador inobservável.

Este, buscamos, dada nossa Missão, atingir, tocar, conter, restringir, intrépidos na demanda eterna do sucesso, sem êxito. Entretanto, sabemos: somos observados por um captor inorgânico do qual obtivemos vulgares vislumbres, aqui e ali.

Um 'Deus', no sentido de como somos 'deuses' àqueles que observamos, restringimos, classificamos.

Sobre a Missão

Em síntese, o Acervo mantém e classifica.

Como mantemos, depende da Estabilidade e do Grau de Interação Intermundus do objeto a ser mantido.

A Estabilidade de um objeto (algoritmo de -1 a 1) indica a capacidade deste em se manter congruente à realidade ontológica, sendo 1 uma capacidade positiva (objetos que dobram e/ou se deslocam no tempo-espaço), e -1 uma capacidade negativa (objetos que modificam o teatro ontológico sem meios explanáveis ou reproduzíveis pelo Acervo, e.g., o homem que coloca a chave sob o tapete para seu eu passado e, então, tranca a porta por dentro, criando uma inversão quiral estável em seu ponto de vista).

O Grau de Interação indica a periculosidade à realidade ontológica apresentada pelo objeto. Nomenclaturas são utilizadas para tais classificações, porém nem mesmo o acervista autor deste prefácio seria capaz de listá-las aqui.

Dito isso, o objeto de maior risco presente em nossos Arquivos, no momento da publicação deste documento, classificamos como [DADOS INEXISTENTES].

Em ralação aos meios de mantimento, as Diretrizes Arquivais são particulares a cada objeto.

Onde concerne a percepção individual ou coletiva dos efeitos de Interação Intermundus de um objeto mantido e classificado, a necessidade imediata é a compartimentalização de informação.

É mister que cada objeto seja confiado a um time de acervistas especializados, e que os especialistas sejam propriamente condicionados à acepção da verdade contida e/ou revelada pelo objeto, e suas responsabilidades para com o mesmo.

Adaptamos, modificamos e desenvolvemos métodos de mantimento de acordo com a necessidade, e, em muitos casos, a observação e experimentação com objetos providencia meios afim de mantê-los com maior eficácia.

Aos objetos, além do Grau de Interação e Estabilidade, é dado um Número de Designação, cujo arbítrio se encarrega ao Curador Geral residente, por convenção.

O Número de Designação, em geral, se trata de uma letra, um traço e uma sequência de números.

Sobre os Meios

A natureza e modo de manifestação determina o método de aquisição ou contenção de um objeto, variando entre introdução de elementos de distração populacional (4ª e, quando disponível, 5ª coluna sociopolítica), remoção física do objeto no espaço-tempo, introdução de psicoativos químicos e/ou miméticos e, quando necessário, a inteiriça anulação de sua existência no teatro ontológico.

A Missão sugere o mantimento da realitas quo, em detrimento da integridade física do espaço-tempo afetado por quaisquer efeitos inerentes às anomalias.

Em suma, não há critério fixo para a abordagem inicial adotada em uma situação de risco.

Sobre o Condicionamento

Os conceitos de instrução e ensino, mostrando-se ineficazes em 98,71456% de nossos acervistas e prejudiciais em 17,343% dos programas extensivos para potenciais agentes de 'Preparo Retroativo', foram anulados pelo [17un.k²/c.c².(1+1/£³)]º Cenário Singular Acerval.

O Condicionamento Protocolo está instalado e, desde então, apresenta sincronia neuro-lúmino-estável.

O Condicionamento Protocolo pode ser descrito como um treinamento retroativo, onde a máquina orgânica é o quasi 'palanque filactério' para habilidades e papel individual no teatro ontológico.

O 'filactério' é recipiente paracausal, isto é, possui capacidades inatas de modificar passado, presente e futuro, sem o risco de comprometimento por influências causo-retrógradas, malignas ou outrem.

As vantagens do Condicionamento Protocolo existem, no sentido de como o Acervo existe: a existência é irrelevante ou indiscutível quando um ponto distante no espaço-tempo se encontra em movimento.

A aceleração causa o movimento e este, sendo sua consequência a própria aceleração, causa aceleração. Deste momento irreversível, a máquina orgânica se torna, então, produto e produtor do laço causal universal.

O laço causal, pela qualidade autorreferente, determina um invólucro de criação-cria-criador, cuja implicação é: o indivíduo existente existiu e existirá, e, portanto, será o Acervo.

Caso o indivíduo não seja o Acervo, este se torna o indivíduo o qual é, em algum ponto temporal, o Acervo, e vice-versa.

Se você não é o Acervo, possibilidades determinam com assertiva matemática que: você está na metade do caminho.

Até então, considere-se bem-vindo ao Acervo do Multiverso.

Acervo do MultiversoOnde histórias criam vida. Descubra agora