Doc. #031: Sangue Mole, Pedra Eterna - Pt. 1

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O documento seguinte, recuperado de destroços em um cinturão de asteroides pelo time de busca MV-1-B, é um fragmento do extenso diário de campo do xenoetnógrafo Lindelm Mauss. O excerto se trata dos registros do pesquisador em uma missão num planeta não detectado, onde, teoricamente, uma espécie sapiente habitava até um período indeterminado.

Não há mais registros de Lindelm Mauss datados após este fragmento.

* * *


Dia 1?

É como sempre falo: a parte mais difícil de se iniciar um diário de campo num planeta alienígena é saber o que é, exatamente, um dia nesse planeta. Não se pode simplesmente dar as caras numa esfera heliocêntrica com esperanças de que a rotação será uma boa menina como a da Terra, porque geralmente elas não são.

Estou de acordo com rotações periódicas de 30, 40, 50 horas terrenas. Me coloque num planeta com uma rotação de 100 horas, e começo a me sentir incomodado. Peyriot - e que os Peyriotas perdoem minha pronúncia deflagrada do nome de seu planeta de origem - tinha uma rotação de 100 dias, aquele maldito inferno verde-musgo. (Júnior: editar passagem mais tarde!!!)

Mas havia uma rotação, pelo menos.

Valenti-4, o planeta onde nos encontramos atualmente, não.

Bem, tecnicamente há. E, assim como nossa Lua está para a Terra, sua rotação está inexoravelmente sincronizada com seu ciclo solar. Grosso modo, um lado do planeta está perpetuamente aprisionado à luz do sol e, o outro, à escuridão eterna. Como podem imaginar, isso cria um pequeno problema sobre como datar meus registros. Não há o conceito de dias aqui, tampouco horas.

Não será um problema. É para esse tipo de coisa que tenho um assistente. Júnior é criativo, ele vai encontrar uma maneira de nos localizarmos temporalmente nesta esfera.

Dia ??

Júnior foi incapaz de encontrar um modo para contarmos o tempo por aqui, uma amarga surpresa. TALVEZ EU TENHA DADO CRÉDITO INDEVIDO AO GAROTO.

Ademais, enquanto a equipe de engenharia e seus drones concluíam a instalação de nossa base, ele, segundo seu próprio testemunho, amigou-se com um dos habitantes de Valenti-4, quebrando o protocolo de primeiro contato. Curiosamente, o indivíduo não era hostil. As reações violentas de uma população sapiente, a qual ainda se encontra "presa" em um único mundo, não variam muito, e vão de avisos e ameaças a respostas bélicas imediatas - o que torna esta situação uma curiosidade extremamente afortunada! Afortunada a ponto de eu pessoalmente solicitar um plebiscito em prol da suspensão da instalação de medidas de segurança letais.

Nossa exímia exobióloga e linguista insistiu para que a solicitação fosse ignorada pelo pessoal de Recursos e Engenharia. Uma reacionária de carteirinha, essa dra. Fyodor. Vergonha! Lembremos que estamos aqui, em primeiro lugar, numa missão diplomática! Posso dizer confiantemente que lembrei a doutora desse fato, e os olhares que recebi foram de puro ódio mesquinho.

Acentuando que meu assistente se encontra inteiramente ILESO de sua peripécia momentânea. Obterei mais informações com Júnior sobre seu encontro em breve. Meus aposentos estão instalados e preciso de um momento para reflexão.

Dia ???

Visitantes, enfim! Os habitantes do quarto planeta na órbita da estrela de classe M, denominada Valenti por nós humanos, finalmente chegaram em massa ao redor de nossa base, e com aparatos interessantíssimos! Junto aos carros altos e robustos que vieram trazendo os valentianos, eu avistei o que pareciam ser aparelhos de filmagem e fotografia, captação de som, refletores e antenas pequenas e grandes, de variadas sortes - aparelhos não tão distintos de nossas próprias ferramentas eletrônicas tais como eram alguns séculos atrás.

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