Doc. #69: Pornotopia

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Juliano fez um levantar instantâneo de dedo, e Miguel parou sua ladainha ao perceber o gesto. Os dois amigos de berço se conheciam bem demais para não saber quando um dizia "alguém está vindo, pare de falar besteira!" com um simples sinal.

Miguel observou o copo de cerveja gelada ser pousado na mesa à sua frente, e esperou até que o garçom servisse Juliano e os deixassem a sós, para perguntar por que diabos seu amigo de desventuras, loucuras e bebedices havia pedido um guaraná.

Juliano tomou um gole do refrigerante e falou primeiro.

- Isso parece loucura. Quer dizer, eu entendo que talvez seja possível, mas... como você chamou o processo, mesmo? Hipnomese?

- Hipno-MIMESE, e é totalmente baseado em pesquisas atuais. - Miguel inclinou-se para mais perto do amigo, como fazia sempre que queria ser levado a sério. - Ciência de hipnotismo de verdade. Nada daquela porcaria que a gente via na TV, com atores pagos e tudo combinado.

Juliano observava e girava vagarosamente o copo na mesa enquanto escutava. Miguel aproximou a Juliano uma mão apoiada na mesa de bar.

- Escuta, por que não faz um teste com a Carolina?

Juliano deu de ombros: - Eu não sei, talvez porque soa como algo incrivelmente anti-ético.

- Ah, é? Poderia me explicar o porquê? - Miguel pintou um sorriso desafiador, mesmo sabendo que Juliano tinha a resposta na ponta da língua, como sempre.

- Você disse: um site pornô, como qualquer outro. Certo? - aguardou o leve anuir de cabeça de Miguel, e continuou. - Você mostra para qualquer pessoa, qualquer vídeo... e ela fará exatamente o que ela acabou de assistir, não importa o que seja, não importa onde esteja, com o primeiro ser humano que ela ver na frente. Certo? ... Agora, me corrija se eu estiver errado: isso é completamente, imperdoavelmente imoral.

- Aham. Só que não. É uma nova tecnologia, e não é muito bem conhecida ainda. Logo, não consta em nenhum tipo de legislação. Logo, é perfeitamente legal...

- Eu não disse que era ilegal, Miguel. Eu disse errado. Anti-ético. Como escravizar lagartixas inteligentes para servir como uma mini trupe de comediantes particulares. Nada nos códigos brasileiros diz que eu não posso fazer isso, se eu puder. Mas, sabe, não seria muito agradável para as lagartixas. Se é que a coisa funciona, parece que você está dizendo para eu forçar minha esposa a fazer coisas que ela talvez não estivesse a fim...

Miguel escarrou, e apontou para o guaraná de Juliano: - O que é isso aí?

- Uma pergunta retórica?

- Não, não. Se fosse, você responderia "um guaraná", e eu ficaria satisfeito. Eu estou perguntando o que diabos você está fazendo ao não tomar uma gelada comigo no happy hour.

Juliano não respondeu, mas não precisava. Miguel já ficou satisfeito com o suspirar do amigo.

- Entende o que eu quero dizer? - voltou a apontar para o guaraná. - Isso aí se chama "Juliano Com Uma Rédea No Pescoço". Não é retórica, é experiência pura e simples. Agora, eis uma pergunta retórica: há quanto tempo você e Carolina não dão uminha?

- Cristo, Miguel...

- Eu não sabia que 'Cristo' era sinônimo de 'meses'. Seja honesto comigo.

Outro suspiro de Juliano, e outro Miguel satisfeito. Ele matou o copo de cerveja, olhou no relógio e se levantou da mesa.

Juliano permaneceu, braços cruzados, a fitar seu próprio copo ainda cheio.

- Hoje é por sua conta, amigão. - disse Miguel após fingir que procurava uma carteira nos bolsos, e virou-se para partir. Então, parou, e se voltou a Juliano. - Ju, faça-se um favor. No caminho para casa, passe num sex shop. Compre umas lembrancinhas. Vá para casa, abra seu laptop ou celular antes de dormir, digite www.redshadesbrasil.com.br, e mostre um vídeo à sua cara metade. Escolha um dos mais simples, papai-e-mamãe. Faça um teste, veja o milagre acontecer.

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