I. Você me vê?

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A manhã se encontrava nublada após uma longa madrugada chuvosa, era o dia perfeito para Shuichi, um simples garoto sem ideias para um futuro próximo, onde já estava quase adulto. Fazia faculdade de arquitetura, não se interessava, mas não havia inspirações para outras também.
Era feriado, recesso por longos meses devido à um incidente recente no colégio, um pequeno incêndio que gerou prejuízos demais para funcionários e alunos.
Mas não era importante para ele, preferia se preocupar com o livro que encontrava lendo no momento, as frases complexas e profundas de Divina Comédia eram apreciadas pelos amarelados olhos de Shuichi, que as acompanhava lentamente à cada frase.
Sentado em um banco isolado da praça pública, parecia ficar cada vez mais surpreendido e concentrado na narrativa de Dante Alighieri, se inclinando levemente para frente à cada página.

"No céu segundo entramos velozmente.
Tão leda eu via Beatriz dileta,
Daquele céu nas luzes penetrando,
Que mais vivo esplendor mostra o planeta. [...]"

Sorriu com uma expressão serena em seu rosto rosado, mas logo sentiu um pequeno calafrio perto à sua nuca e logo os cabelos finos azulados dali se arrepiaram. Estava com um leve medo, mas sua curiosidade falava mais alto.
Virou a cabeça lentamente para seu lado direito, de onde o arrepio viera encontrando um rosto desconhecido. Os olhos grandiosamente roxeados tentavam ler o livro junto com Saihara, mas logo se voltaram para o mais alto, que o encarava confuso.
Perto demais. Shuichi não sabia o que falar, um estranho pairava sobre suas costas sem dizer nada. Agradeceu por não ter que tomar iniciativa.

- Você me vê? - Perguntou o garoto desconhecido.

- Ahm...Sim? - Gaguejou nervoso, fechando o enorme livro e afastando seu rosto levemente do seu, se levantando e pondo Divina Comédia em baixo do braço. Então percebeu, o garoto estava terrivelmente abalado com o que estava acontecendo em sua frente.

- Você me vê? - Reforçou sua pergunta, incrédulo.

- Sim, eu te vejo.

-----×-----

Após certo tempo ainda se perguntando o que estava acontecendo, acabou caindo em uma longa conversa com Shuichi, que parecia ficar cada vez mais em seu próprio mundo na cabeça, sem entender absolutamente nada das palavras do outro.

- Está me escutando? - Questionou Kokichi, o garoto que agora era um pouco menos estranho,já que sabia seu nome agora.

- Ahn...Estou...Sim eu... - Tentou encontrar as palavras certas ao acordar de seu pequeno "transe mental".

- No que 'tá pensando?

- ...Do que você 'tá falando?

- 'Tava dizendo que ninguém me enxerga faz mais de uma década! E do nada você, um cara estranho - Falava exageradamente sem nenhum filtro - Me aparece de repente dizendo que me vê e 'tá falando comigo agora!

- Não 'tô entendendo nada do que 'tá dizendo, como assim "mais de uma década que não me enxergam?"

Uma moça e sua aparente filha passavam ao lado com um cachorro de pequeno porte, encarando Shuichi.

"Não olha Haru" sussurrou a mulher puxando a filha e o animal mais perto de si e apressado seus passos.

- Elas acham que você é louco. - Continuou o menor.

- ...Quê?

- Elas acham que você 'tá sozinho, elas não estão me vendo como você.

- Me explica o que caralhos 'tá acontecendo aqui.

- Shuichi Saihara, - Se aproximou, o encarando no fundo de seus olhos em um curto silêncio. - Eu estou morto.

Morto (O Terno) - Saiouma/OumasaiOnde histórias criam vida. Descubra agora