Não fazia ideia de quanto tempo havia ficado sentado sobre o chão de pedra gelado e duro, mas sentia a dor quando me mexia assim que havia acabado de despertar, sentindo um calafrio passar por meu corpo, colocando as mãos em meus braços, subindo e descendo na tentativa de me esquentar. Não sabia se era dia ou noite, quanto tempo passei dormindo, me remexi um pouco, sentindo uma dor em minha coluna e bunda, massageado devagar o fim de minha cintura atrás, reclamando baixo, levando um pequeno susto com um barulho fora da cela, arregalando meus olhos de imediato, só então percebi que um feixe de luz entrava pela grande grande janela da cela, era a primeira vez que estava de fato saindo de minha cabeça após tanto tempo
- Desculpe entrar assim Monsieur, mas gostaria de levá-lo para seu quarto - a voz havia uma melodia engraçada e um típico sotaque francês um tanto mais forte. Como desconhecia, agarrei um banco pequeno de madeira que estava ali dentro, me aproximando com cautela e receio de quem ou o que encontraria fora
- Meu quarto? - perguntei como se a voz convidativa tivesse se enganado, apesar de ter certeza de que era o único intruso em seu castelo - mas ele disse...
- Ah! O que? "quando essa cela se fechar ela não reabrirá, Rawr" - se não fosse pelo leve receio, eu teria rido de sua imitação pobre mas divertida da criatura
Não precisei de muitos passos para dar de cara com um objeto falante e aceso, agarrado a alavanca que abre a porta, por míseros segundos pensei que o tempo que havia passado na cela tinha me deixado louco, a dor em meu corpo por ficar em certa posição por tanto tempo já nem sequer era importante
- Eu sei, ele é tão dramático - fiz uma careta assim que o mesmo continuou, perto o bastante para perceber agora que ele era o castiçal que eu havia usado para iluminar os cantos escuros desse castelo, um belo objeto, diga-se de passagem - Olá!
Me afastei ainda assustado com o que estava vendo diante de meus olhos e não hesitei em simplesmente quebrar o banco frágil encima do castiçal falador, presumindo que só poderia ser uma alucinação e assim, iria embora, mas diante de tudo, ele ainda continuou ali, e mais importante, não se aborreceu pelo meu ato violento e imprudente, acendeu suas velas calmamente, uma por uma e apenas me elogiou, dizendo que eu era forte, que isso é uma qualidade
- O que é você?!
- Eu sou o Lumière! A seu dispor - tirou minha duvida contente enquanto balançava seus... braços que com certeza eram feitos de ouro, com velas acesas nas pontas
- E... você falou?! - jamais havia visto um objeto falar em minha curta vida, nem mesmo em todas as histórias que já possuí o privilégio de ver, ainda não podia aceitar totalmente de que não era minha mente pregando peças, o que me deixava observa-lo cheio de estranheza e desconfiança de minha parte, mas foi quando mais uma voz se fez presente que me fez perceber, se aquilo não fosse real, então eu teria que me preocupar com mais do que apenas escapar desse lugar
- Claro que ele falou! É só o que ele faz - um pequeno relógio cheio de belas peças amostra e rabugento subia com certa dificuldade os degraus de pedra - Lumière! Como encarregado geral, eu ordeno que a coloque de volta na cela agora!
- o que quer ser no futuro Horloge? Um homem, ou um relógio?
- E agora... têm dois objetos falando entre si bem na minha frente, ótimo - disse a mim mesmo, prestes a chuta-los por espanto dali de cima mesmo, ainda os olhando com olhos arregalados e curiosos
- Chéri! - o objeto de luz própria se dirigiu a mim, confiante o bastante de que eu não lhes faria nada
Resolvi usar uma técnica que utilizava quando era criança, simplesmente fechei os olhos e respirei fundo, contando até dez lentamente, desejando que se fossem frutos de minha mente que poderia estar perturbada, que desaparecessem, mas ao abrir os olhos, eles continuavam lá, Lumière parecia esperar algo de mim e Horloge, apenas me encarava, metade curioso e a outra metade com pura presunção e julgamento
- Vamos? - o mais animado me encorajou, então apenas fiz que sim com a cabeça, assentindo sem extrema certeza, mas se quisessem fazer algum mal, já teriam feito.Os segui calmamente para fora, sendo recebido pelo sol de uma forma agradável, fazendo com que eu colocasse um pequeno sorriso aos lábios
- Perdoe pela primeira impressão, espero que não tenha se assustado - Lumière disse simpático
- Porque me assustaria? Só estou falando com UM CASTIÇAL - dei ênfase ao final da frase enquanto o carregava com cuidado
- Can - de - la - bro, pardon, enorme diferença! - ele corrigiu ofendido, e então fiz uma nota mental de apenas chamá-lo do jeito certo, caso fosse me referir ao mesmo desse jeito outra vez - o castelo é seu agora, pode ir para onde quiser
- Exceto a ala oeste - Horloge interrompeu, caminhando a nossa frente, de costas agora, para que pudesse nos olhar, mas ao mesmo momento, o pobre relógio derrepente mudou de expressão, e passou a ficar preocupado e nervoso, como se ambos conversassem por gestos, olhares, compartilhavam um segredo - uh...é...ela nem existe!
- porque!? O que têm na ala oeste? - indaguei por pura curiosidade e com calma, parando de caminhar para dividir o olhar entre os dois objetos encantados
- A-ah...nada! É depósito, é - o candelabro respondeu, sendo acompanhado sem jeito pelo relógio
- É, depósito, só isso
- É, só isso
- Vamos indo para a ala leste - o que estava ao chão mudou logo de assunto, voltando a caminhar em passos lentos do jeito que podia andar, mesmo sendo um objeto.
- Ou como chamamos, a única ala - em minha mão, ele tinha dito, rindo como se houvesse alguma piada
Fiz uma pequena careta, franzindo minimamente meu cenho, com tudo que acontecia, mas minha mente, nesse momento, ainda estava em nossa conversa sobre o castelo, fazendo com que eu olhasse curiosamente para onde eu não podia ir dali de cima, estávamos em uma espécie de ponte de pedra que conectava as torres, e a ala oeste parecia mais escura, sombria e fria que qualquer lugar daqui, olha que nem sequer o conheço por inteiro para sentir isso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Besta que me Amou
Romance- Posso lhe fazer uma pergunta? - sua voz calma e profunda resoou sobre meus ouvidos - Claro... - O que fez alguém como você se apaixonar por uma criatura como eu? - sua pergunta me pegou claramente de surpresa e passei alguns minutos me perguntando...