9 - O primeiro contato...

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Com um pouco de paciência, e seus empregados extremamente preocupados mas mantendo distância para que pudéssemos passar, bom, para que eu pudesse passar com uma criatura quase o dobro de minha altura, ferida e pesada que se apoiava com apenas metade de seu corpo e o braço envolta de meus ombros. O mais difícil foram as tantas escadas que esse castelo possuí, acredito que, para ele, até mesmo se mover, doía, mas de qualquer forma, precisávamos chegar a seu quarto.
O depositei com cuidado na cama, deixando que se ajeitasse na posição que se sentisse confortável, oferecendo um pouco de ajuda para não ter muito esforço, correndo levemente e devagar meus dedos entre a pelagem cinza escura em seu braço, deixando que minha estúpida curiosidade tomasse conta de minhas ações outra vez. Seu pelo é extremamente macio...acho que provavelmente não esperava algo assim, após perceber o que fazia, arregalei devagar os olhos, negando com a cabeça para me concentrar em outras coisas mais importantes, como limpar as feridas que estavam ali por minha causa...e um pouco por culpa dele.

Logo trouxeram água morna em uma espécie de pequena bacia folheada a ouro, e um pano branco não tão grande para que pudesse passar em suas feridas
- Au! Isso doi! - a fera a minhas custas reclamou bravo assim que encostei o pedaço de pano molhado em suas costas, onde estava mais vermelho, ameaçando sangrar
- Se ficasse quieto, iria doer menos! - retruquei com uma careta, encostando devagar outra vez o pano, limpando mais um pouco, era necessário para que não causasse uma infecção.
As marcas estavam em suas costas, e braços, em vários lugares, não deveriam ter mais que dez, mas o tamanho já era preocupante. aproveitei o breve silêncio para finalmente poder observar sua cara, ainda possuía os mesmo olhos amarelados e penetrantes, se ficassem fixados em mim por tempo demais, poderia jurar que enxergaria um pedaço de minha alma, se é que seria possível. Sua pelagem variava de tons escuros e claros de cinza, e branco também, apesar dos belos olhos, eles pareciam ter perdido o brilho. É definitivamente forte e mais alto que eu, acredito que minha cabeça chegue até seu peito, de longe, parecia um grande lobo de algum conto para criancinhas, orelhas pontudas, dentes afiados, olhos expressivos, garras... possuía tudo para ser assustador, mas agora, tão próximo, não remetia essa imagem, é apenas uma criatura machucada e teimosa
- Se não tivesse fugido, nada disso teria acontecido - acusou baixo mas com certo rancor em seu tom de voz
- Eu não teria fugido se não tivesse me assustado!
- Bom, não deveria ter ido a ala oeste - disse como se fosse óbvio
- e você deveria aprender a controlar os nervos! - não contente ao escutar a realidade, reclamou sobre sua respiração e se virou, não tendo mais que me encarar.
Molhei outra vez na água, prestes a voltar a ajudar após nossa breve discussão, mas ele afastou as costas como se soubesse o que estava por vir, tentando preparar para a dor, suspirei afastando
- descanse por enquanto - disse à suas costas desnudas, me levantando da cadeira devagar, subindo por último a coberta que estava em sua cintura, não muito para não incomodar os machucados.
Pela primeira vez que chegamos ao quarto, tive a chance de olhar para todos os objetos com vida que estavam envolta da cama do seu mestre, preocupados, apreensivos...se importavam com ele bem mais do que se poderia imaginar, acredito que ações têm muito mais significado que palavras, e vindo de alguém que lê como passatempo, é grande coisa
- Obrigada Bell - Madame Samovar se prontificou em agradecer
- Não temos como te agradecer - Lumière disse depois de tanto tempo em silêncio, o que era estranho
- Eu não entendo porque se importam - me aproximei com uma careta um tanto indignado
- Cuidamos dele praticamente a vida inteira - o bule explicou docemente e com a voz cheia de apreço
- Ele amaldiçoou vocês, porque não fizeram nada?!
- Você têm toda razão querido, veja...quando o mestre perdeu sua mãe, e seu cruel pai pegou aquele garoto doce e inocente e...e o corrompeu para que ficasse como ele, não fizemos nada...
- Deixem que durma! - Lumière completou, fazendo com que todos deixassem o quarto juntos e mesmo com seu mestre a salvo, ainda estavam incomodados.
Levei meu olhar a criatura de repouso, e pela primeira vez, me permiti olha-lo de outro jeito, com certa compaixão depois do que havia sido dito...ele também perdeu a mãe quando era novo e acredito que pelo menos nisso, podemos nos entender. Tive sorte de não lembrar muito da minha para que não doa mais do que deveria, em contrapartida, é triste não ter memórias valiosas para guardar...mal posso imaginar o vazio que ficou nele após sua mãe ir tão subitamente, e tão pequeno na época, sendo criado pelo pai que claramente não era boa pessoa, me peguei imaginando como alguém tão duro como ele poderia ser doce quando criança, ou melhor, o imaginei humano, porque após a história, todas as dúvidas sobre os moradores daqui desaparecerem, já foram humanos alguma vez, mas algo terrível aconteceu, é o que sei até agora, e por mim, já basta. Hesitei em sair do quarto, levando minha atenção a ele mais uma vez... é claro que vai ficar bem.

A Besta que me AmouOnde histórias criam vida. Descubra agora