about us - tenovia

inatingíveis - parte I

me diz, como eu fico
com tudo que você deixou aqui
brincando de ser forte pra me convencer
que eu já esqueci de você
…
mas sou só de carne e osso
e continuo te amando de corpo e alma
e estou morrendo, estou morrendo
por causa de um beijo
que não pertence mais a mim

TINI - carne y hueso

.

Tenório já havia ouvido muitos segredos de confissões ao longo do tempo que estava na vila. Já sabia de cor o nicho de confissão de cada um dos moradores dali: Onofre certamente seria de algum ato que ele fez na hora da raiva e frustrado; Giovanna seria pelas escolhas de vida do filho Lorenzo e o quanto aquilo a angustiava; Emília das ambições que tinha e que a vida que levava estava longe do que queria... Mas quando o primeiro citado bateu na porta da paróquia altas horas da noite, o sacerdote longo estranhou. Seja lá o que Onofre tivesse feito, talvez agora tenha passado de todos os limites.

— Padre, eu... Eu preciso me confessar. Porque... porque estou apavorado, senhor. Apavorado. Estou temendo a vida da minha esposa, das minhas filhas, do meu bebê que ainda nem nasceu, eu... Estou me sentindo completamente perdido e de mãos atadas.

— Seu Onofre... o que aconteceu? Pode me contar em confissão, sabe disso.

Onofre assentiu e, do outro lado do confessionário, olhou para cima como se implorasse por alguma ajuda do Senhor, o que angustiou os dois.

— Faz uma semana, mais ou menos, que escutei uma conversa de dona Úrsula e do doutor Joaquim. Eu juro padre, não queria escutar, mas acontece que os dois não tinham me percebido ali, sabe. E aí, eu ouvi o que seria o motivo dos dois estarem ameaçando até as minhas meninas — Onofre chorou assustado e com isso também fez Tenório assustar-se. Lembrara das vezes em que os funcionários da fábrica haviam falado mal da mãe e do filho; e de como a Tecelagem sustentava-se apenas pela bondade de dona Violeta e a esperteza da sobrinha, porque, se dependesse do Eugênio, o afilhado já tinha lhe tirado tudo.

— O que aconteceu, seu Onofre? — perguntou Tenório mais uma vez, e depois de um soluço forte, Onofre o respondeu.

— Doutor Joaquim vai ferrar com a menina Olívia, padre. Ele vai se casar apenas porque no testamento, ela está como herdeira majoritária da fábrica. E eles não vão descansar até conseguirem por a mão na fortuna da família Camargo — a cada palavra que Onofre pronunciou, Tenório estava enxergando mais vermelho ainda.

Olívia era uma moça tão... tão linda, espirituosa, feliz. Ela era todas as cores mais vibrantes do mundo e mais ainda. Talvez até estivesse pecando em pensamento, mas aquilo era a mais pura verdade. Toda doçura, toda integridade, toda inteligência e gentileza do mundo parecia ter se concentrado nela. Curiosa e esperta, era capaz de levar qualquer um a loucura — que não usasse uma batina — com apenas uma encarada daqueles olhos castanhos e o sorriso convencido.
Ela havia roubado o seu sono a muito tempo e Tenório queria se matar por aquilo, mas mais ainda:

Queria matar Joaquim. Ela merecia todo o amor do mundo, e não uma rasteira.

— Mas eu preciso te lembrar, padre, isso aqui é segredo de confissão. Estou te contando porque sei que daqui não sai e não estava fazendo bem aqui dentro de mim guardar esse... esse plano sujo — desabafou Onofre e sentenciou o que o padre queria esquecer: não podia contar a Olívia. — Sei que a menina Olívia não merecia nada disso, mas... Não há nada que eu possa fazer, padre. O senhor me entende não é?

Tenório assentiu. Era óbvio que entendia, claro que entendia. Ao que parecia a dupla cruel fazia jus a esse termo e não mediram esforços para acabar com a vida e a família de Onofre sem pensar duas vezes. Onofre estava protegendo o amor da vida dele; não era uma questão de estar certo ou errado, era uma questão de se manter vivo, respirando.