Capítulo seis - Lana

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  Eu sou completamente sem noção e vivo a maior parte do tempo fora da curva, mas mesmo assim consegui captar a energia estranha que rolou quando Lais saiu com o celular colado no ouvido. Na minha experiência de vida, essa energia é desencadeada por ligações de bancos querendo saber onde está o dinheiro das três últimas parcelas do carro, mas tenho certeza ded que esse não é um problema para elas.

Lais passou um bom tempo em algum lugar longe o suficiente para não ser ouvida, o que me rendeu uma das conversas mais normais que tive desde que cheguei nesse vilarejo.

- Desculpe por tudo isso. - Natalia faz círculos com as mãos, apontando a mesa toda e certificou-se de frisar bem o lugar em que Tania estava sentada. - Você vai descobrir que todos os moradores são um pouco ... incomuns. Mas só nós que viemos de outros lugares percebemos. - Ela fala em tom de confidência. - Para os conterrâneos, os esquisitos somos nós. Essa é a beleza do ponto de vista. - Sorrio e fico admirada por Natalia ser a única pessoa capaz de terminar uma frase sem me perguntar alguma coisa.

- Vou confessar que me encontrei nesse lugar. Nunca fui considerada normal no lugar de onde venho. - Digo, sorrindo. - Eu vim para cá porque estava com medo de que minha família me internasse, mas achei indelicado falar isso no jantar. - Natalia ri e agradeço por ela entender meu senso de humor. Ele já me fez passar por muitos constrangimentos nessa vida.

- Certamente você se tornará a prefeita daqui rapidinho, mas acho que não terá o voto de Tania. É só um palpite. - Natalia lança um olhar ansioso na direção em que Lais desapareceu.

- Você não vai perguntar de onde eu vim? - Pergunto, por que estou realmente curiosa com a falta de interesse de Natalia. Todos aqui demonstraram que uma forasteira é entretenimento, menos ela.

- Você quer me contar? - Ela pergunta, voltando a olhar para mim. Seus olhos analisam os meus, mas é diferente das análises que recebi até agora. Ela está procurando por algo. Desvio o olhar antes que ela encontre.

- Se você me contar primeiro, eu quero. - Natalia continua me analisando. Seus olhos amendoados são intensos. São olhos que prendem. Olhos feitos para lerem almas. Isso foi profundo, Lana, vê se lembre de anotar depois, se encaixa perfeitamente com a personagem que está escrevendo em seu novo livro.

- Acho que prefiro ser misteriosa, como você. - Ela encosta na cadeira e sorri, triunfante. Escutamos os passos de Lais e seus olhos tornam-se ansiosos novamente.

- O doce está chegando. - Lais fala, e coloca na mesa uma travessa dourada maravilhosamente linda. Dentro, três versões menores com Petit gateaus do tamanho de bolachas recheadas. Murcho os ombros, desanimada. Se eu comesse os três, ainda não estaria satisfeita. Por que gente rica insiste em comer como passarinhos?

Quando Lais me serve, resisto à vontade de enfiar aquela bolinha miserável inteira na boca. Natalia pega o último garfinho que sobrou e tira uma lasca do tamanho de um grão de arroz e contenho um gemido. Lais apenas fura o dela e fica assistindo o líquido escapar aos poucos. Dou de ombros, parto o bolinho em dois, por pura educação, e coloco na boca. Um gemidinho involuntário escapa quando o sabor invade a minha boca. As duas me olham ao mesmo tempo. Paro de mastigar. É mais pressão do que eu posso aguentar, ter duas mulheres nesse nível de beleza me encarando. Evito olhar para Lais, não quero que a coceira volte, então, olho para Natalia. Seus olhos cor de caramelo brilham, as luzes pequenininhas refletidas em suas pupilas, intensificando a sua cor.

- É uma delícia. - Falo, com a boca cheia. Que Deus me ajude a passar nos testes de etiqueta dessa gente. Natalia dá um sorriso torto, e Lais parece genuinamente feliz pelo elogio. - Você manda muito na cozinha. - Olho para Lais, e apenas uma de suas sobrancelhas se levantam, e esse gesto quase faz aparecer a resposta em meu cérebro. É uma questão de tempo. Eu preciso saber de onde a conheço. - Você costuma viajar a negócios? - Pergunto.

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