ANTES DE LER ESSE CAPÍTULO, RECOMENDO FORTEMENTE QUE RELEIA O FINAL DO CAP 7!!
OBRIGADA, CAMBADA DE COISA LINDA!Nove e vinte e sete da noite. Ouço as paredes da casa estalar. Madeira se assentando depois de um dia de sol, Tania me explicou. Ligo o chuveiro, e sem cerimônia mergulho meu corpo de uma vez só, embaixo do jato de água gelada. O calor da noite é infernal, abafado e capaz de cozinhar miolos, se não ficar atenta. Coloco apenas camiseta e calcinha, já julgando ser muita roupa para o clima.
Paro na janela dos fundos, apreciando a vista, que é um breu que não me deixa identificar nada além da escuridão. Acendo a lâmpada fraca do lado de fora da porta e penso que só posso ser maluca por estar morando no meio do mato, sozinha.
Natalia não veio, e estou mais decepcionada do que gostaria. Pode ser culpa da casa, por ser tão isolada. Pode ser culpa de Tania, por só me mostrar coisas velhas. Pode ser culpa da própria Natalia, por me deixar tão à vontade e confortável perto dela. Pode ser culpa de todo mundo, menos minha. Meus pensamentos são interrompidos pelo zumbido de pernilongos que se juntam em volta da lâmpada amarela. Fecho a porta, rapidamente, xingando mentalmente aqueles malditos mosquitos que estão em todos os lugares, o tempo todo. Mosquitos são como vampiros. Se alimentam de sangue e não dormem nunca.
Apago todas as luzes e a casa recai na escuridão. No quarto, apenas um abajur está ligado na cabeceira da cama. Deito devagar, evitando fazer movimentos bruscos. Viro para o outro lado e sorrio ao ver a tatuagem de um leão, tão familiar para mim. Contorno-a com os dedos, sentindo a maciez da pele clara de Naomi.
Os pelos de sua juba estão sendo balançados pelo vento e sua boca está aberta em um rugido. Ele toma todo o espaço das costas dela, que se mexe um pouquinho quando toco na tatuagem. Ela é como aquele leão. Furiosa, tempestuosa, apaixonada, intensa. Há cinco horas, seu rosto estava vermelho como sangue, sua voz rasgava sua garganta e fazia meu ouvido zumbir. Foi a primeira coisa que ela fez depois de esmurrar a porta e invadir minha casa.
- O que você pensa que está fazendo aqui? - Foi o que falou, ao invés do oi. - Você não pode simplesmente me perseguir pelo país, Lana. Você é maluca. Como descobriu que eu moro nessa cidade? - Naomi chutou uma cadeira que estava no caminho e se virou para a janela, uma mão na cintura e outra massageando a testa. Qualquer outra pessoa estaria assustada, mas eu já estou acostumada com essas explosões. - Você acha que pode fazer o que quer, quando quiser, sem se importar com as consequências. - Franzo a testa, confusa. Não esperava que minha noiva reagisse desse jeito ao saber que alguém a ama tanto que é capaz de mudar a sua vida toda por ela.
- Qual é o problema? - Perguntei, e senti a raiva crescer dentro de mim. - Qual é o seu problema, Naomi?
- Meu problema, Lana, é que você deveria ter falado comigo primeiro. - Ela gritou, vindo em minha direção.
- Por quê? - Perguntei. – Não entendo o show que está saindo daí apenas por eu estar te fazendo uma surpresa. - Comecei a ficar desconfiada. - Eu vim te visitar, não vejo nenhuma tempestade nisso. Tem algo que eu não deva saber? - Minha testa franziu ainda mais e procurei por respostas nos olhos dela.
- Só gostaria que você me avisasse antes. - Ela tentou relaxar um pouco o corpo, o volume da sua voz diminuiu quando percebeu minha desconfiança.
- Naomi, a gente mal se vê. Estamos juntas há, o quê, quase dois anos e, honestamente, estar com você duas vezes por mês não é o suficiente para mim. - Minha voz se elevou e senti o calor em minhas bochechas. - Então, eu quero uma resposta muito convincente do motivo pelo qual está surtando, se não for pedir demais. - Cruzei os braços na frente do corpo e tentei não perder as estribeiras. Ela me analisou, e vi o esforço que estava fazendo para tentar relaxar.
- Não sei. - Sua voz era baixa e seus ombros caíram. A valentona que passou pela porta há cinco minutos, não existia mais. - Talvez eu só não esteja preparada para o próximo passo. Ainda não havia pensado sobre isso.- Ela apontou para ela e eu.
- Naomi. - Respirei fundo e passei as mãos no rosto. - Você aceitou o meu pedido de casamento. Não é possível que não tenha pensado no próximo passo. Eu estou cansada de você estar sempre em outro lugar. Eu e essa cidade, é a minha última tentativa de manter esse relacionamento. Sinto como se você fosse um fantasma, chegando sem hora no meio do dia e desaparecendo no meio da madrugada sem se despedir. - Minha voz estava trêmula, de tristeza, raiva, saudade, amor.
- Eu sei, amor. - Ela falou, tentando soar doce, mas a impaciência ainda ressoava no final de cada sílaba. - Me desculpe, sei que não deve ser fácil para você. Mas precisa entender que dependo desse emprego para viver e para começarmos uma família juntas. Não é isso que você quer? Uma família? Eu quero dar isso para você, porque quero te ver feliz.
- Você não consegue nem estar um fim de semana inteiro comigo, Naomi, como pretende me dar uma família? - A fúria transbordou dentro de mim, novamente e esse era o sinal que Naomi teve de que essa discussão não ia acabar com ela soltando as palavras que eu queria ouvir. Meu estômago foi inundado com algo quente, que julguei ser frustração de tudo pelo que venho passado desde que conheci Naomi.
Para mim, ela é a controvérsia de tudo que quero e de tudo que repugno em uma relação. Ela é amável e tóxica ao mesmo tempo e minha vinda para cá, além de ser uma tentativa de salvar meu noivado, também foi para descobrir qual das versões é a verdadeira Naomi. A guia turística doce e sensual, ou a mulher controladora e com problemas sérios de temperamento. Ninguém pode ser as duas coisas. Uma delas deve predominar e acho que essa conversa já é o primeiro sinal de resposta. Ela me observou em silêncio, tentando achar uma saída. Já tivemos essa mesma discussão mais vezes do que posso contar e sempre termina da mesma forma. Na cama. Mas dessa vez será diferente. Dessa vez ela vai me dar algumas respostas, mesmo que não sejam as que quero ouvir.
Porém, agora, contornando o rei da selva, com a pontinha do dedo indicador, vejo que perdi a batalha, mais uma vez. Quero sentir raiva de mim, mas não consigo. Não com ela em meus braços, respirando tranquilamente, como se nenhum problema no mundo fosse capaz de afetá-la. Não com a possibilidade de uma vida de verdade junto dela. Pego no sono e quando acordo na manhã seguinte, apenas a fronha do travesseiro amassada prova que um dia ela esteve ali, e que não imaginei tudo aquilo.
Sinto um nó na garganta. Uma lágrima escorre de um dos meus olhos, mas algo capta meus pensamentos.
Antes que ele se concretize, sou interrompida por uma batida delicada na porta da frente.
Minhas opções são chorar o dia todo ou ver o que Tania me reserva.
Levanto e antes de abrir a porta, tiro Augusta do caminho. Paro também para levantar a cadeira que Naomi chutou. Preparo meu espírito para receber as críticas veladas de Tania, e abro a porta.
- Bom dia. Parece que alguém andou brigando com o guarda-roupa. - Natalia fala sorrindo, me encarando dos pés à cabeça. Minha camiseta curta demais e minha calcinha com uma carinha feliz desenhada na frente, não passam despercebidas. - Não é inteligente morar no mato e abrir a porta vestida assim. - Ela me entrega um copo descartável de café em minhas mãos. - Para alguém distraído, pode passar a impressão de ser um convite.
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A estrada que trouxe você
RomanceRio Vermelho é uma cidade pequena, cheia de belezas naturais, onde as pessoas não trancam suas casas ou constroem muros. Natália decidiu se afastar da loucura da cidade grande, fez amigos e criou raízes nas entranhas desse vilarejo, que está longe d...