Tania bate na minha porta e largo Augusta encostada na parede. Meu show de MPB foi interrompido bruscamente.
- Se arrume, nós vamos sair. - Ela fala e passa por mim, derrubando Augusta no processo. Minha casa é pequena, não passam duas pessoas ao mesmo tempo pelo corredor de entrada, então colo meu corpo na parede para que Tania não finque o cotovelo em meu estômago.
- Vamos aonde? - Não consigo imaginar muitos lugares para ir sábado à noite em uma cidade que só tem uma avenida, acompanhada de uma senhora de sessenta e cinco anos.
- Lais nos convidou para jantar na casa dela. - Ela fala, olhando em volta. Suspiro, desanimada. Não tenho vontade nenhuma de ir a outra reunião como a de ontem.
- Eu acho que não..
- Ah, mas você vai. - Ela me interrompe. Ergo as sobrancelhas, surpresa. Não temos tanta intimidade assim, mas decido não contrariar. - Ela quer que você se sinta acolhida e segundo suas palavras "quer te conhecer antes da nossa querida comunidade enfiar as unhas na sua alma e acabar com tudo que você possa ter de bom".
- Nossa, estou começando a questionar a decisão de vir morar aqui. - Falo brincando, mas com uma pontada de preocupação.
- Então vá trocar de roupa porque não temos a noite toda. Vocês podem até ter, mas eu durmo às nove e meia. - Ela finaliza, batendo palminhas rápidas para me apressar. Pisco algumas vezes, tentando achar uma saída, mas sei reconhecer uma causa perdida quando vejo uma.
- Não sei se tenho outro vestido de gala para passear na casa dela. - Digo, quando penso em qual roupa vou vestir.
- Se você aparecer lá com roupa de gala, todo mundo vai achar que você é uma jacu. - Tania analisa meu rosto para saber se estou falando sério. - Coloque qualquer coisa. - Ela olha para minha calça de moletom e minha camiseta de banda. - Qualquer coisa menos isso. - Aponta o dedo de cima a baixo em minha direção. - Se apresse, tenho apenas duas horas até o meu toque de recolher. Você não é lá aquelas coisas quando o assunto é velocidade, né? - Ela sorri, mas noto sua impaciência.
Visto um jeans preto que julgo apropriado para a ocasião, e uma blusa casual amarelo mostarda. Botas pretas, já que todos nessa cidade parecem amar todos os tipos de botas e eu quero me sentir incluída. Passo um batom nude para dar uma cor no meu rosto pálido de quem morava em uma cidade onde o clima era igual ao de Forks, isso mesmo, do Crepúsculo, e dou tapinhas nas bochechas. Satisfeita, dou um sorriso e murmuro "você está maravilhosa, garota. De onde saiu essa perfeição?" e volto para a sala o mais rápido que posso.
Tania está abaixada perto do sofá e não posso deixar de pensar que ela é uma mulher excêntrica.
- Algum problema? - Pergunto, tomando o cuidado para não assustá-la.
- Oh. - Ela se levanta, surpresa. - Você já está pronta? - Olha para a minha roupa e parece aprovar. - Meu brinco caiu por aqui em algum lugar. - Ela aperta a orelha vazia com o indicador e o polegar. - Mas outra hora nós nos preocupamos com isso. - Ela começa a ir em direção à porta. - Precisamos ir, não é de bom tom chegar atrasada. - Me pergunto se é de bom tom chegar derrubando a Augusta na casa dos outros, mas não falo nada. Me ocorre também que quem estava atrasada era ela, já que chegou em cima da hora para me buscar para um jantar que eu nem sabia existir. Mas não vou arrumar encrenca com a única moradora da cidade que conheço.
- Espera, não sei onde deixei minhas chaves. - Falo, olhando em cima do balcão da sala.
- Para que você quer sua chave? - Ela me olha com pena. - Não é preciso trancar a casa aqui. Pobre criatura da cidade. Todo mundo deixa tudo aberto. - Tania volta para a porta novamente. Quero responder que não sou todo mundo, mas não acho que ela entenderia a piada. Também acho que deixar tudo aberto é um pouco de exagero, considerando a quantidade de joias, obras de artes e dinheiro que esses fazendeiros ricos devem guardar em casa.. Lanço um olhar para Augusta, invejando-a pela noite tranquila que terá atrás da porta.
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A estrada que trouxe você
RomanceRio Vermelho é uma cidade pequena, cheia de belezas naturais, onde as pessoas não trancam suas casas ou constroem muros. Natália decidiu se afastar da loucura da cidade grande, fez amigos e criou raízes nas entranhas desse vilarejo, que está longe d...