Capítulo 16 - Iluminado

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Estávamos todos sentados na praça principal, aproveitando o intervalo entre as chuvas e descansando dos trabalhos maçantes e repetitivos que nos sobravam em dias assim. Peg estava ao meu lado, admirando Mel de longe.

Melanie estava feliz, seu sorriso radiante não saía do rosto mesmo enquanto ela conversava. Ela estava deitada no colo de Jared, o cabelo castanho espalhado em leque sobre os joelhos dele. Ele acariciava seu rosto de vez em quando, o olhar inteiramente perdido no dela. Por que Peregrina e eu não estávamos assim era para mim um desagradável mistério.

— O que foi? — perguntei, correndo minha mão de leve por suas costas.

— Eu estava olhando a Mel. Ela é bonita, não acha? É diferente assim, quando eu a vejo do lado de fora. Não é só porque eu a amo, não é? Você também acha que ela é bonita.

Oh-oh! Campo minado!

            — S-sim? — respondi. Uma interrogação no final deixando claro que eu não sabia o que ela queria que eu dissesse. Por via das dúvidas, melhor não mentir.

            — Não precisa ficar assim — disse ela, rindo do meu pequeno impasse. — Eu não me importo que você pense dessa maneira. Mel me explicou que vocês são só amigos.

            Mel te explicou? E eu arrastando caminhões por você não prova nada, não é mesmo?

            — Então o que é que você tem? Está com saudades de dividir o corpo com ela?

            — Não! — disse Peg, quase gritando. — É bom demais ter um corpo só para mim. Ainda mais quando eu a vejo assim. Tão feliz! — Sua voz delicada pareceu cantar essa parte. — É só que... este corpo... Eu não sei, Ian. Não sei como me sentir em relação a ele — explicou com um suspiro.

            — O que é que você está dizendo, Peregrina? Esse corpo é lindo. Você é deslumbrante. Sei que você não sabe bem como avaliar a beleza humana, mas será que não percebe? Você é solar.

            — Solar?

            — Quando esse corpo chegou aqui, eu também não sabia como me sentir sobre ele. Mas então, eu comecei a imaginar você dentro dele. A doçura do seu olhar, o jeito como você fala, os seus movimentos... E então seu novo corpo ganhou vida para mim. Durante os seis terríveis dias em que tentamos acordar essa hospedeira cujo nome não sabemos, eu me apaixonei por ela. Porque ela seria você. E eu a chamei de Sol. Pequeno Sol. Porque ela me iluminou. Porque você, Peregrina, dentro ou fora dele, faz as trevas se tornarem luz.

            Peg segurou a mão com que eu acariciava seu rosto e a beijou. O gesto espontâneo e carinhoso encheu meu coração com sua beleza. Sua beleza real. A luz prateada do meu pequeno anjo.

            — Por que você não dá uma chance a esse corpo tão lindo? — perguntei baixinho, beijando seu pescoço. — Por que é que você se sente tão insegura e fica se castigando com estes trabalhos tão pesados pra você?

O beijo fez o rosto de Peg corar e ela abaixou os olhos, voltando-os para seu colo branquinho e sardento. Meus dedos invadiram o pequeno espaço entre seu peito e o queixo, levantando-o. Dei outro beijo no lugar em que seu queixo estivera grudado e ela corou ainda mais, soltando uma risadinha.

— Você está vendo? Isso é outra coisa sobre esse corpo. Tudo me deixa com vergonha! Não sei como vocês suportam esta história de ser adolescente. É horrível! Além do mais, ele é frágil demais, Ian. Não consigo trabalhar com ele!

— Ah, Peg! Isso faz parte de ser humano. Essas sensações conflitantes, essas coisas estranhas que você está sentindo, tudo isso vai passar. — Fingi que segurava uma bengala e fiz uma voz de velho ranzinza. — Só parece que é definitivo porque tudo é assim na sua idade.

A Hospedeira - Antes e Depois da ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora