Capítulo 12 - Universo

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            Sol não acordou. O pequeno sol tinha se posto há muito tempo, provavelmente não muitos anos depois de nascer, e eu me sentia péssimo porque não havia ninguém neste mundo para se lamentar por ela. Talvez, em um outro, ela estivesse vivendo feliz ao lado da mãe que também lhe foi tirada. Pelo menos, eu gostava de pensar assim. Não que eu pensasse muito nessas coisas. Do jeito que o nosso mundo estava agora, não havia espaço para imaginar qual seria nosso lugar depois... Mas me fazia bem acreditar que havia um depois.

            Procurei afastar esses pensamentos, no entanto, porque eles eram complexos demais para um momento em que tudo era muito simples: Peg voltaria. Em muito pouco tempo eu a teria de volta. E eu só conseguia respirar na atmosfera em torno dela, esperando o momento em que pudesse desaparecer nela e ela em mim. Eu me sentia como se estivesse preso embaixo d’água e finalmente pudesse ir à superfície respirar.

            Cuidamos de Sol incessantemente, mas o corpo pequeno não ganhava vida. Mel e eu falamos com ela todos os dias, quase todo o tempo, dizendo bobagens, tentando nos lembrar de coisas que fariam uma adolescente rir, ou que interessariam a uma criança. Tentamos evocar o pouco que sabíamos de Pet. Falamos sobre nós mesmos quando não havia mais assunto. Inventamos histórias para ela. E nada.

Nada adiantou. Sol não moveu sequer um músculo espontaneamente. Nem um ligeiro tremor das pálpebras enquanto seu lindo rosto ficava um pouco menos arredondado, sua pele um pouco menos firme, suas curvas um pouco menos sinuosas. Nada. Finalmente, Doc e Candy decidiram que não deveríamos mais prejudicar a saúde dela. Peg deveria trazer vida, alma e alimento para o pequeno corpo de Sol poder brilhar mais uma vez.

E então, quando essa decisão foi finalmente tomada e sancionada por todos aqueles que teriam voz e algo a dizer sobre ela, nós nos reunimos aqui, abarrotando o pequeno hospital de Doc com todo o amor que havia para ela. Todo o amor que havia nas cavernas para a minha Peregrina, forrando as paredes de seu lar, aquele que ela escolheu para si quando se transformou no meu lar. Era por ela que eu respiraria. Era por ela e nela que eu viveria. E sob a sombra do meu amor, ela poderia se proteger de tudo, se ancorar para quando os ventos soprassem no mar. Esse amor continha tudo o que eu era e mais além, tudo o que eu seria.

Quando seu novo corpo estava pronto, eu segurei meu anjo prateado em minhas mãos. O contato estranho daquela textura inédita, o brilho da beleza real de Peregrina... Ela era linda! Tudo o que eu amava, milhares de anos vividos nas estrelas fazendo dela o ser humano mais perfeito que poderia haver, tudo o que ela era cabendo na palma de minha mão. Todos os dias que ela viveu só e todos o que nós viveríamos juntos cabendo no pequeno corpo prateado que eu segurava com todo o cuidado.

— Bem-vinda de volta! – disse eu quando Doc a colocou sobre a nuca de Sol.

Havia uma falsa vulnerabilidade no corpo prateado de Peregrina. Ela parecia tão frágil, mas agarrava-se vorazmente à vida enquanto se espalhava e tomava posse de seu novo corpo. Um corpo que seria só dela agora. E meu.

Logo, Peg estava amalgamada a Sol. Elas eram uma só e eu tinha finalmente um rosto para amar. Não mais o rosto que eu admirava, mas secretamente esperava que não abrisse os olhos. Agora eu os queria abertos, olhando para mim. As pálpebras de minha Peregrina Solar tremeram e eu tremi com elas. Ela estava acordando.

— Peg? Você pode me ouvir, Peg? — perguntou Doc, sem obter nenhuma reação.

— Peg. Volte. A gente não vai deixar você ir embora – disse Mel, nervosa, temendo e ansiando quase tanto quanto eu.

Olhei para Mel, aliviado de poder finalmente enxergar o rosto de minha amiga, pois a mulher que eu amava já tinha um rosto só dela. Um rosto lindo que ganhava mais vida a cada segundo, sobrecarregando-se com seguidas microexpressões.

A Hospedeira - Antes e Depois da ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora