Capítulo 8

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"O meu amor eu guardo para os mais especiais. Não sigo todas as regras da sociedade e às vezes ajo por impulso. Erro, admito. aprendo, ensino. Todos erram um dia: por descuido, inocência ou maldade. Conservar algo que faça eu recordar de ti seria o mesmo que admitir que eu pudesse esquecer-te."

William Shakespeare

(...)

Alguns dias depois.

O tempo passou voando, mais rápido do que gostaria de admitir. Eu aceitei que voltar à meu século era improvável. Comecei a buscar formas de adaptação à cultura viking, embora eles fossem relutantes em aceitar uma garota estranha andando livremente pelo lugar. Ivar e eu nos aproximamos ainda mais, a relação se fortaleceu e a nossa ligação aumentou.

Virou rotina conversarmos nas noites de insônia, quando ambos tentavam alcançar um estado espiritual de tranquilidade. Ele contava histórias de seus antepassados e mitos sobre seus deuses. E eu tentava descrever mais das comodidades e facilidades modernas. O tédio começou a rastejar por volta do quinto dia. Eu implorei a rainha que me desse alguma tarefa e, mesmo relutante, ela concordou.

O preparo das refeições passou a ser de minha responsabilidade. Agora, haviam vários temperos e ervas sendo usados, assegurando um sabor agradável aos alimentos. Margrethe e as outras escravas não gostaram, mas nada adiantaria reclamarem com Aslaug. Eu sorri, a vida estava começando a encontrar modos de trazer felicidade para mim. Terminei o preparo das carnes e batatas recém assadas.

A comida de Margrethe era intragável. O gosto insosso podia ser sentido a cada colher que ia de encontro a boca. Eu nunca entendi o seu talento para tomar decisões ruins, mas os dias ajudaram a compreender melhor. Ivar era o primeiro a manifestar comparações, ele não perdia uma oportunidade de importunar todos os irmãos. O viking gostava de ver o rosto das escravas serem inundados por raiva.

- Aí está a princesa de Kattegat - Ouvi os passos arrastados e a voz de Margrethe - Não entendo o que eles vêem em você - Afirmou, a mesma provocação de sempre.

Eu somente ignorei, assim como antes e continuei cozinhando. Ela andou pelo lugar, eu senti o cheiro de hidromel em seu vestido. Me senti desconfortável com sua presença tóxica e negligente. As coisas pioraram quando senti suas mãos tocarem mechas de meu cabelo, o aperto firme era quase doloroso. O olhar tinha hostilidade e fúria refletidos. Margrethe sorriu com maldade e chegou mais perto.

- Você é uma prostituta cristã - Cuspiu, a zombaria presente em cada palavra.

Eu tinha esquecido como respirar, mas o sangue começou a esquentar. Ela tinha falado de minha religião com tanto desprezo que era impossível raciocinar direito. Suportei dias de olhares desdenhosos e inúmeras piadas sujas e asquerosas. Ubbe e seus irmãos também se juntaram a brincadeira de insultos, mas hoje a situação saiu de controle. Eu não sei como as coisas aconteceram, mas gostei.

Slap.

O som ecoou pelo ambiente, e quando o grito surpreso foi ouvido percebi a face virada de Margrethe. A marca de dedos emoldurou a sua bochecha esquerda... o tapa causou forte vermelhidão em sua pele pálida. O choque era visível através de sua expressão, mas nada na terra tiraria a satisfação que senti. Puxei o seu cabelo, do mesmo jeito que ela fez comigo no momento anterior, e ela estremeceu.

- Eu sou a prostituta? Você, querida, tem aquecido a cama dos filhos de Ragnar e ainda acredita que é superior. Quer saber o que eles vêem em mim, Margrethe? É mistério, a maior qualidade de uma mulher sensata. O que você ganhou abrindo as pernas? Orgasmos e belas marcas no pescoço? Nós duas sabemos qual a verdadeira prostituta aqui - Sorri e soltei seu cabelo loiro das mãos, aliviada.

Ela simplesmente saiu correndo, sem ao menos olhar para trás. Respirei fundo e soube que havia tirado um peso dos ombros, mas as consequências viriam futuramente, ela jamais esqueceria o que aconteceu aqui. Além disso, a escrava tinha a proteção de Ubbe, Sigurd, os privilégios também se estendiam a Hvitserk. E eu temia qual seria a reação dos irmãos sobre a discussão efervescente criada.

Eu limpei e organizei a cozinha rústica, o olhar persistente das escravas permaneceu, a curiosidade se misturando à inveja. Eu sabia a essência enrustida de suas mentes, elas eram bastante expressivas nesse quesito, embora a maioria tentasse disfarçar. Ivar assustava boa parte dos moradores, ainda mais quando eles olhavam demais para suas pernas. Montei um prato de comida e embalei com cuidado.

O viking costumava treinar quando tinha acumulado emoções controvérsias. Caminhei e segui através do caminho rodeado por belas árvores verdejantes. E mais adiante enxerguei o guerreiro sentado sobre um tronco, ele tinha seu inseparável arco nas mãos, a aljava cheia de flechas descansava no chão. Sorri e vi com admiração a forma como os músculos tinham flexionado sobre a blusa de couro.

- Sentiu minha falta, Bella? - Perguntou e se virou para olhar para mim, sorrindo.

- Eu trouxe comida, guerreiro - Afirmei de forma neutra, preocupada e perturbada com o embate que tive momentos antes.

Ele não comentou nada posterior e pude ver as engrenagens de sua mente funcionar. É interessante acompanhar a mudança sutil em seus olhos incrivelmente azuis. Ivar tinha uma sensibilidade sobrenatural sobre mim, ele não precisava de palavras para reunir informações contundentes. O garoto era observador e suas habilidades jamais falharam. Ivar percebeu os meus trejeitos e manias que mostro quando o nervosismo se manifesta. É doce.

- Eu bati em Margrethe - Comentei como forma de quebrar o silêncio estranho.

- Bom... - Murmurou enquanto enfiava as fatias de batata temperada na boca.

Aquela não era a reação que esperava, o seu foco estava completamente na comida. O seu rosto mostrava serenidade, mas eu sentia o oposto disso. Franzi o cenho e olhei para as nuvens brancas no céu. Ivar saboreou a carne e suspirou encantado... sempre as reações de um homem esfomeado, era até engraçado ver sua disposição para comer.

- Sem perguntas? Ela poderia estar certa e eu errada - Perguntei com curiosidade.

- Não importa o que aconteceu, Bella, eu sempre estarei do seu lado, mesmo que tenha batido no próprio Odin - Respondeu e sorriu, a travessura inundou seus olhos - Na verdade, a minha pergunta é: ficaram marcas? - Indagou e me olhou de forma sugestiva.

- Ivar - Repreendi ouvindo sua risada, era o meu som favorito nos últimos dias.

- O quê? Estou curioso - Argumentou e o silêncio se estendeu por vários segundos.

- A minha mão ficou marcada no rosto, é possível ver o contorno dos dedos - Contei, os eventos repassando na minha mente.

Ivar desatou a gargalhar... tão alto que o som espantou pássaros da proximidade. Sorri e tentei não acompanhá-lo, mas não aguentei e me juntei ao viking. O dia estava quente e eu puxei o cabelo para o lado, expondo a área do pescoço. A notícia de que a jovem estrangeira possuía desenhos gravados na pele tomou as bocas de todos, eles olhavam para meu corpo em busca de indícios da veracidade.

- Então é verdade... - Murmurou Ivar e se arrastou para mais perto de mim.

Eu sabia do que se tratava e permiti que ele olhasse mais de perto. Seus dedos tinham deslizado sobre a área atrás da orelha e gerou um rastro quente sobre a pele. Arrepios e uma série de palpitações cardíacas indicaram que algo estava acontecendo comigo. Respirei e o toque curioso continuou, mas dessa vez, suas mãos tocaram minha cintura, talvez buscando apoio para se segurar. A tatuagem consistia a partir de delicadas rosas vermelhas.

- É lindo - Sussurrou em tom baixo e não fez menção de voltar para seu lugar - Eu estou feliz que esteja aqui, Bella - Admitiu.

- Eu também, Ivar - Concordei e encostei a cabeça em seu ombro, confortável com seu corpo tão próximo do meu - Eu também... - Ele sorriu.

Enviada pelos deuses - Ivar, o desossado Onde histórias criam vida. Descubra agora