Capítulo 11

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Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a intimidade, é só a disposição.

Jane Austen (Razão e Sensibilidade.)

(...)

O sol surgiu no horizonte e um novo dia trazia a possibilidade de aventuras prósperas. Eu havia tido a decência de tomar um banho quente e aromático. Os óleos florais possuíam cheiro intenso e adocicado na água quase translúcida. O vestido esverdeado era um colírio aos olhos, apesar da simplicidade, o tecido era macio e maleável. Eu ouvi a gritaria estridente e pude distinguir as vozes de Ivar e Sigurd, os irmãos eram o que poderíamos chamar de inimigos.

"Você é completamente louco, Ivar. E me faz rir e sentir pena quando se arrasta como um bebê. A nossa mãe é a única capaz de ama-lo. Acha mesmo que essa garota vai retribuir seu amor?".

A frieza e crueldade das palavras de Sigurd não eram surpreendentes, mas imaginei o estrago que os insultos causariam ao seu irmão. O estrondo no chão mostrou que Ivar estava se arrastando para longe. Eu estava acostumada com as discussões entre eles, os dois nutriam ódio mútuo um pelo outro. Porém, todas as minhas certezas sumiram quando ouvi que Ivar se apaixonou por mim. Era notório que o viking mudou a sua vida para se adaptar a minha chegada, mas ouvir da boca de outra pessoa... foi inesperado.

Eu poderia retribuir seus sentimentos? E buscar respeitar os costumes de seu povo sem perder quem eu sou de verdade? Eu suportaria vê-lo com mulheres sentadas em seu colo? É de conhecimento de muitos que os nórdicos possuíam mais de uma esposa, sem mencionar as amantes conquistadas. Suspirei e senti a fome diminuir aos poucos, consequência do fluxo e tormento dos pensamentos pessimistas. Levantei da cama e caminhei apressada para fora, decidida sobre como resolveria o recente problema.

- Bom dia a todos - Desejei sem realmente olhar para a família sentada ao redor da mesa.

Reuni algumas frutas do cesto e marchei para o mundo exterior. Enfiei alguns morangos na boca e eu busquei na paisagem por Ivar, sem sucesso. Ele tinha comentado sobre as espadas acumuladas na forja. O trabalho árduo possibilitaria extravasar sua raiva, não hesitei em seguir até o centro do vilarejo. As crianças olhavam e acenavam com graciosidade, muitas delas tinham menos de 7 anos. De longe ouvi o som forte e característico de metal sendo manuseado. Eu senti o formigamento na barriga e estremeci.

As malditas borboletas no estômago vieram no instante que coloquei os olhos no rapaz. Ivar tinha os músculos tensos e rígidos. A expressão em seu rosto parecia transtornada, tomada pela raiva acumulada e desenfreada. Os braços faziam movimentos rudes de maneira repetitiva, indiferente ao desconforto que ele sentiria posteriormente. Sigurd sabia as engrenagens que deveria apertar para alcançar alguma reação, era gratificante ver o sofrimento na face de Ivar. Ele tinha cuidado de mim, era hora de retribuir.

- Sabe que ele mentiu - Comentei atraindo a sua atenção e notei os olhos vermelhos - Está chorando? - Questionei sendo tomada pela preocupação.

- Vai embora, Bella - Afirmou evitando o contato visual, ele estava abatido e derrotado.

Ali estava o homem que cuidou de mim quando ninguém estendeu a mão. Eu tinha um teto para viver e comida de sobra, ele garantiu que nada faltasse em momento algum desde a minha chegada. Eu passei a nutrir sentimentos por ele, mesmo que tentasse fingir naturalidade em sua presença. O frio na barriga tinha sido o primeiro sinal de alerta, mas tentei ignorar, não é fácil admitir que gostamos de alguém. Eu não tinha vergonha de ser vista com ele, sua condição física se mostrou irrelevante quando comparada ao intelecto e sua gentileza. Eu não o abandonaria, entretanto teria coragem de revelar essas descobertas?

- Eu não vou abandonar você aqui enquanto sua mente está borbulhando - Decretei e ouvi um suspiro cansado partindo do rapaz, ele estava frustado como nunca.

- Não preciso da sua piedade - Comentou como se tentasse controlar o próprio humor.

- Você gosta de mim? - Questionei e ele ignorou a tentativa de diálogo - Porque eu gosto de você, Ivar - Admiti e minhas bochechas esquentaram.

- Está mentindo - Acusou e soltei o ar preso nos pulmões, era de se esperar por algo assim.

Nenhum de nós dois sabíamos como reagir. Era um situação nova para ambos, mas minha confissão havia sido dita em voz alta e nada poderia ser feito. A expressão de Ivar começou a suavizar de forma lenta e vagarosa, talvez pensando e repensando sobre um meio de buscar vingança contra o irmão. Sentei perto de onde ele estava e olhei as ferramentas jogadas no chão, a forja estava uma bagunça. É óbvio que o fato dele não acreditar em mim doeu, mas tentei enxergar a história através do seu ponto de vista. Ele se mexeu e parou de manusear o machado.

- Eu gosto de você - Admitiu em voz baixa e tive que lutar contra o desejo de provoca-lo.

- Isso é bom - Murmurei completamente corada e perdida sobre como proceder a seguir.

O silêncio reinou e estabeleceu morada fixa nos minutos seguintes. O que as pessoas normais fazem depois de admitir seus sentimentos? Eu evitei olhar e descobrir como o guerreiro estava, mas senti que era observada com extrema atenção. Porém, nunca fui capaz de resistir e curiosidade e acabei cedendo. Ivar era a personificação de incerteza e esperança. Todas as pessoas aqui dentro olhavam para nós dois e nem tentavam disfarçar a incredulidade e choque. Mordi o lábio inferior e reuni coragem para fazer algo que não faria em outros dias. Eu o beijei! Em meio a pequena plateia de trabalhadores e clientes afoitos.

A textura de seus lábios era macia e carnuda. O sabor de hidromel dominava os sentidos, a ducura se misturou em meio aos morangos que comi. Ivar não esboçou reação no início, foi engraçado vê-lo perdido e atordoado. Eu recuei e fui recebida com encanto e pura adoração incondicional. Seus colegas riram e os gritos de comemoração foram ouvidos nos arredores desse estabelecimento. Ele parecia não acreditar nas minhas atitudes recentes, em parte nem eu acreditei que tomei iniciativa. Ivar agiu com aspereza e uniu os nossos lábios de novo, urgente e desesperado. O dia começou mais agitado do que imaginei.

- Você é minha, Bella - Assegurou e arrepios me deixaram desorientada, a sensação foi boa.

- Desde que você seja apenas meu - Respondi e ele encostou a testa contra a minha.

- Parece perfeito para mim - Respondeu e beijou minha boca novamente, repetidas vezes.

Enviada pelos deuses - Ivar, o desossado Onde histórias criam vida. Descubra agora