Capítulo 6

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“A vida é uma tempestade, meu amigo. Um dia você está tomando sol e no dia seguinte o mar te lança contra as rochas. O que faz de você um homem é o que você faz quando a tempestade vem.”

O Conde de Monte Cristo.

(...)

Estávamos deitados lado a lado, a cama espaçosa nos acomodou com facilidade. Meu corpo relaxou quando encontrou calor através dos cobertores e peles de animais. O quarto e a casa estavam completamente silenciosos, o ambiente transmitia segurança, entretanto era impossível relaxar. Respirei fundo e entrelacei as mãos, tentando encontrar descanso.

Faziam horas desde que deitamos, cada minuto parecia uma eternidade. Eu me movi e deixei a cama desarrumada. O viking tinha um semblante neutro, mas consegui enxergar seu maxilar contraído e os punhos cerrados. Eram reações incomuns e vívidas demais. A grande maioria das velas estavam queimando lenta e vagarosamente, quase no final.

- Não consegue dormir? - Perguntou Ivar sussurrando, sua voz grave desencadeou uma série de arrepios sobre minha pele.

- Não, muita coisa aconteceu - Respondi usando o mesmo tom baixinho - Eu atrapalhei seu sono? - Questionei preocupada.

- Eu estou evitando dormir - Comentou e virou o corpo de lado, olhando para mim cheio de emoções desconhecidas até então.

- Por quê, Ivar? - Murmurei confusa, ele é estranho e imprevisível.

- Sinto que vou acordar e perceber que o que aconteceu hoje foi apenas um sonho, não quero correr riscos desnecessários - Bufou de forma discreta, parecendo cansado.

Ali, naquele breve instante, eu tive noção da gravidade da situação. Ivar estava evitando dormir para garantir que eu permaneça aqui, o seu medo é que eu desapareça durante algum momento na madrugada. Enquanto sinto uma variedade sufocante de emoções. Eu adoraria dormir e acordar na minha cama, aliviada pela percepção de foi apenas um pesadelo. Ele era o meu completo oposto, tínhamos ideias bem diferentes sobre o evento de hoje.

- Acha que consigo voltar? - Questionei e ele permaneceu em silêncio.

- Tem alguém esperando por você? Esse é o motivo de querer voltar? - Perguntou e seu olhar se tornou distante e frio.

- Minha família, é assustador pensar que nunca mais verei o rosto de minha mãe e nem ouvir a voz de meu pai - Confessei e lágrimas encheram os olhos e nublaram a visão - Eu sei que você disse que cuidaria de mim, mas será questão de tempo até que se canse - Limpei o vestígio úmido e salgado da face.

- É isso que pensa de mim? - Indagou de forma incisiva, eu senti sua indignação.

- Não é minha intenção ofender você. Eu não quero ser um peso para sua família. Você tem quase a mesma idade que eu e entendo a empolgação que está sentindo - Suspirei, mas isso não trouxe controle e calma - Ivar, não sei o que você espera de mim... nem mesmo qual o plano dos seus deuses... mas não quero ser um fardo para você - Desabafei.

- Bella, você não será um fardo - Afirmou categórico - O aleijado aqui sou eu - Provocou e não gostei da zombaria.

- Não coisas assim - Repreendi e ele não escondeu o sorriso discreto.

O silêncio prevaleceu de novo. O barulho do vento podia ser ouvido do lado de fora, seu assovio trouxe conforto à minha mente. Ivar e eu continuamos deitados, um de frente para o outro. Senti que ele seria capaz de descobrir e desvendar todos os meus segredos. Seu olhar hipnotizante parecia ganhar vida, a luz baixa e trêmula das velas ressaltou sua pele banhada pela claridade natural do sol.

A proximidade entre nós permitiu que eu sentisse o seu cheiro. A mistura era diferente dos perfumes que conheço, o viking tinha sua própria essência. Ele cheirava a ferro, madeira queimada, mel e ervas, além de identificar um discreto toque adocicado. Eu imaginei qual as atividades realizadas pelo rapaz. Deslizei uma das mãos sobre a pele de lobo e entrelacei os dedos contra os deles. Eu ignorei o calor forte predominante nas bochechas.

- Enquanto sentir o calor... saberá que eu estou do seu lado - Expliquei diante da óbvia e evidente expressão de choque - Durma, Ivar. O dia de amanhã sera longo - Sorri.

- E quando a você? - Questionou vendo o encaixe perfeito de nossas mãos.

- Eu farei o mesmo - Respondi buscando memórias calmas e serenas.

Fechei os olhos e senti o polegar de Ivar deslizar suavemente sobre minha pele. Sorri e aproveitei o contato cuidadoso, assim como o restante das atitudes generosas do homem. O que desencadeou essa viagem temporal e por que eu fui escolhida? A certeza de que jamais conseguirei dizer adeus... aumenta o vazio e a dor que estou sentindo. Os meus pais fizeram tentativas de me encontrar? Ou desistiram e o esquecimento será inevitável?

- Bella? - Sussurrou Ivar, ele parecia viver um dilema complicado no momento.

- O combinado não era dormir? - Zombei e continuei com os olhos fechados.

- O que acha dos meus irmãos? Eles não esconderam que gostaram de você - Bufou de maneira insatisfeita e frustada.

- Eu prefiro não colocar em palavras, não quero ofender sua família. Ubbe queria que eu fosse sua escrava, Hvitserk realizou ameaças de morte. E Sigurd tentou me matar - Balancei a cabeça em negação - E sendo honesta? Eles são completamente detestáveis, por ausência de palavra melhor. Eu adoraria bater em todos eles, mas não quero problemas - Revelei.

- Problemas? - Murmurou e notei que ele se divertia com minha resposta.

- Aslaug é rainha daqui, isso torna todos vocês príncipes de kattegat - Respondi e notei que ele prestava muita atenção - Eu não quero ser castigada por bater na realeza - Afirmei de forma objetiva, era racional.

Ivar gargalhou de forma despudorada. O som ecoando através das paredes, lágrimas e soluços exagerados se misturaram. Eu tinha a impressão de que sua reação é antinatural, as pessoas sentem medo de sua presença. Ele é temido e evitado... eu pude perceber pelo jeito como os moradores da aldeia olhavam para o viking. Entretendo, é estranho que ele se sinta a vontade para demonstrar explosões fortes e vibrantes de humor, mas eu gostei.

- Você é adorável, Bella - Comentou com a voz doce, semelhante quando encontramos bebês e modificamos a forma de falarmos.

- Acha que não consigo bater neles? Sou perfeitamente capaz disso - Respondi e ele se manteve com a expressão risonha.

- Já manuseou uma espada antes? - Sua pergunta veio carregada de interesse.

- Não - Respondi de imediato, não há um motivo descente para mentir.

- Então como pretende machuca-los? Os três são guerreiros habilidosos - Questionou e continuou acariciando minha mão.

- Do jeito tradicional, com os punhos. Foi assim que resolvi a maioria dos problemas na adolescência - Afirmei e mais uma vez, ele me olhou com sentimentos turbulentos.

- Uma cristã que sabe brigar? - Provocou e recuou quando tentei bater em seu peito.

- Por quê não vai pedir proteção ao deus do martelo mágico, hein? - Desdenhei e ele foi audacioso o suficiente para sorrir.

- Tudo bem, agora vamos dormir - Bufou e se ajeitou na cama, sem alternativa e com o cansaço iminente chegando, fiz o mesmo.

Enviada pelos deuses - Ivar, o desossado Onde histórias criam vida. Descubra agora