“Você terá muitos momentos ruins, mas eles sempre vão te acordar para as coisas boas que você não estava prestando atenção.”
Gênio Indomável.
(...)
A discreta ameaça da rainha mudou a forma de enxergar as coisas. O medo parecia ter aumentado, a situação tinha alcançado outro patamar e eu não era capaz de lidar com essa mudança. Ivar tinha sido um homem honrado e cuidadoso desde o início, mas sua mãe alterou o equilíbrio em nossa relação. Eu perdi o controle de minhas próprias ações, Aslaug conseguiu semear dúvidas e incertezas sobre tudo. Evitei falar e pensar no ocorrido, mas não tive sucesso.
Infelizmente, meu guerreiro também percebeu a alteração drástica de comportamento, mas respeitou o meu silêncio e não fez perguntas. Ele parecia saber que a mãe estava envolvida, afinal segredos são uma questão inexistente por aqui, no final do dia, todos se reúnem para trocar informações. O quarto de Ivar era acolhedor o suficiente para que sentisse conforto em meio a bagunça. No canto mais afastado, encontrei a mochila que veio comigo através do mar.
O último resquício de minha casa.
A segurei com todo cuidado do mundo e o peso surpreendeu, não lembrava de estar tão pesada, mas as lembranças daquele dia estavam ficando turvas. A textura do tecido era áspera, diferente da suavidade e delicadeza dos vestidos que costumo usar. Sentei no chão e coloquei o objetivo sobre o assoalho feito das nobres madeiras encontradas em Kattegat. Eu queria redescobrir os segredos contidos ali dentro, mas não encontrei coragem para realizar a ação.
- Coelhinha? - Chamou Ivar enquanto entrava no quarto como um furacão sem destino.
- Estou aqui - Respondi atenta ao movimento de seus braços musculosos e impressionantes.
- Por que está sentada no chão? - Perguntou e o interesse ficou evidente - Essa não é a estranha bolsa de viagem que veio com você? - Insistiu.
- É sim, estou tentando encontrar coragem para abrir e ver o que tem dentro - Respondi apoiando meu corpo contra o seu e aproveitando o calor.
- Apenas faça, Bella, é a mulher mais corajosa e destemida que conheço - Encorajou e depositou uma sequência de beijos na extensão do meu pescoço, os arrepios foram uma resposta rápida e inevitável para os seus avanços cheios de intenções.
- Você sabe que existem guerreiras com força e destreza impressionantes lá fora, certo? - Sorri e ouvi a risada zombeteira do viking atrás de mim.
- E no entanto, você é a única mulher que sentiu a minha escuridão e permaneceu do meu lado. A sua coragem é mostrada todos os dias quando você sorri e levanta da cama, mesmo sabendo que não terá sua família ou amigos por perto - Afirmou com carinho na voz, mas sua doçura não omitiu a sinceridade que ele possuía e, muito menos, a autoridade.
Eu não respondi, sem saber como reagir. Ivar se encarregou de destacar as minhas qualidades, mas o rapaz não consegue perceber sua própria força. Ele é o exemplo ideal de superação e determinação, porém parece incapaz de acreditar que é único e especial. O mundo conseguiu arruinar sua autoestima, os irmãos também não contribuíram para mudar esse aspecto e contornar a situação. O abracei apertado, fazendo de tudo para mostrar um pouco do carinho que sinto por ele, mesmo ciente de que não bastaria.
- Soube que conversou com minha mãe, Bella - Comentou e senti o frio na barriga, ele finalmente me encurralou e trouxe o assunto a tona.
Recuei de seu alcance e depositei minha total e incondicional atenção a mochila deixada no chão. Eu movi o zíper e ele deslizou de forma lenta, trazendo o cheiro de água do mar e diferentes essências. Ivar se ajustou no chão e aguardou pacientemente por todas as descobertas que faria. A primeira coisa que retirei da bolsa foram meus livros da Jane Austen, secos de maneira surreal graças aos sacos plásticos que pude comprar antes da viagem. E na sequência foram uma variedade de frascos de perfume, vidros com formas e cores diferentes, aromas distintos.
- O que tem dentro dos frascos? - Perguntou, os olhos fixos nos diferentes objetos espalhados.
- Sinta o cheiro e diga se gosta - Respondi e não contive a empolgação com essa experiência.
Escolhi o vidro dourado com cheiro de flores da noite, canela e baunilha. Uma mistura feminina e sem exageros, era o meu perfume favorito, lembro que ele ficava impregnado sobre minha pele por horas. Sentir o aroma novamente desencadeou sentimentos que o tempo ajudou a subjulgar em meu coração. Os olhos de Ivar se fecharam e ele tentou absorver o cheiro, eu testemunhei a seriedade em sua expressão facial. Os segundos pareceram horas, finalmente, Ivar sorriu e a sensação de alívio inundou minha alma.
- Eu costumava sentir esse cheiro quando podia sonhar com você, querida - Admitiu envergonhado ao sentir o aroma em seu pulso esquerdo.
- Sua mãe queria conversar sobre nós dois, Ivar - Revelei a meia verdade, escondendo as ameaças da rainha que tem tirado meu sono.
- O que aconteceu, minha Valquíria? Achei que a nossa relação era baseada na confiança - Respondeu enquanto folheava as páginas dos livros.
Como eu poderia contar que nossa conversa se resumiu em confissões e ameaças? O nórdico vê sua mãe através da névoa de carinho, amor e promessas de carinho incondicional. Aslaug cuidou do filho e ela foi a única que demonstrou afeição ao menino, esses detalhes merecem ser preservados. Eu não poderia e nunca tentaria arruinar o laço entre eles, mesmo sem a certeza de que permaneceria segura. Mães sentem a necessidade de proteger os filhos, independente da idade que temos. A rainha escolheu um método mais extremo e pouco ortodoxico, mas quem pode julgar o grau de comprometido e proteção?
- Sua mãe ama você mais do qualquer coisa, as coisas que dissemos não são importantes. Ela queria garantir que você não saia machucado, Ivar - Sorri e o garoto manteve contato visual comigo.
- Certo, avise se algo assim acontecer de novo - Pediu e concordei no mesmo instante, feliz com esse peso a menos sobre meus ombros.
- Tudo bem, dou minha palavra - Respondi e não percebi que o viking olhava o interior da bolsa.
- Coelhinha, o que é isso aqui? - Provocou e não escondeu a surpresa e choque de sua voz.
Olhei de lado, sem dar importância, porém senti o oxigênio deixar meus pulmões com brutalidade. As mãos de Ivar mantinham um vestido vermelho feito a partir de cetim cintilante. O decote era generoso e ele mal cobriria as coxas, além de ser ajustado em áreas bastante específicas do meu corpo. Senti o calor nas bochechas e o nervosismo aumentar, as palavras me deixaram e fiquei sem saber o que responder. Ivar era a personificação de diversão e malícia, os olhos eram brilhantes e o sorriso parecia incapaz de deixar o seu rosto. Respirei fundo e recuperei o controle da minha voz, mas continuava corada e sem jeito.
- É um vestido - Comentei tentando alcanca-lo e guardar no baú cheio e abarrotado de peças.
- Tem certeza? Parece mais com roupa que nós usamos para dormir, aqui falta tecido, amor - Sorriu, a voz pingando ironia, ele parecia ser renovado - Quero que vista isso para mim, Bella - Implorou.
- O quê? Não, não mesmo - Respondi rápido, ele apenas alargou o sorriso e piscou.
- Por favor, Valquíria - Instigou, mas felizmente a entrada de Ubbe interrompeu a conversa.
- Nosso pai chegou, Ivar - Avisou e a atmosfera mudou da água para o vinho, de repente as risadas e provocações sumiram, eles ficaram sérios.
![](https://img.wattpad.com/cover/305040445-288-k616060.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Enviada pelos deuses - Ivar, o desossado
Historical Fiction"Caia sete vezes. Levante-se oito." A antiga profecia nórdica uniu almas de épocas completamente diferentes. Sua existência é tão antiga quanto o próprio tempo, e forte como as montanhas que se erguem das profundezas da terra. Ivar, o desossado, esp...