O Patuá

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Tudo acontecera muito rapidamente. 

Ela era uma bela jovem, a mais nova de uma família de oito filhos. Limpava o quintal, alimentava galinhas e porcos – sua obrigação no sítio, onde as tarefas da casa eram divididas entre a mãe e três irmãs, enquanto os homens cuidavam da roça.

O moço que passava diariamente com seu cavalo amansava o trote ao aproximar-se do quintal, só para vê-la. Ela levantava os olhos, para logo os baixar, antes que faiscassem. Nada dizia. Ele também vinha no silêncio, mas os olhares cruzados eram tão intensos que gritavam desejos.

Até que um dia, aquele aproximar-se do cavalo chegou com mais coragem e ela pode ouvir a voz do homem do alto da montaria: "vou me casar com você". Um susto e um arrepio, que guardou consigo, sem nada dizer às mulheres da casa. Esperou o dia seguinte, quando ele chegou mais perto e perguntou: "sabe cozinhar?" O balançar afirmativo de cabeça veio acompanhado de tímido sorriso. "Polenta com costelinha de porco". Outro sorriso. "Pois avise em tua casa que vou me casar com você", pediu o moço.

Ela avisou, a mãe ficou apavorada, pai e irmãos montaram guarda no quintal, armados. O moço sumiu, para a profunda tristeza dela. O tempo passou, a família baixou a guarda. Numa manhã estranhamente silenciosa, em que não se ouvia nem o piado das galinhas que ansiavam pelo cair do milho das mãos da moça, uma nuvem de poeira surgiu de repente. A moça olhou e arrepiou-se, desta vez sem susto – já conhecia o cavalo que vinha na carreira. Não teve tempo de nada, só de sentir as mãos do homem agarrá-la pela cintura e encaixá-la em sua sela.

Somente quando chegou em uma casa muito distante dali é que ele ajudou-a a descer do cavalo, olhou nos olhos dela, que desta vez não se desviaram, e repetiu: vou me casar com você. Ela não tinha ideia do que fazer, mas concordara com o acontecido. 

A única certeza que tinha era a de que não poderia dizer não ao seu destino, assim como não dissera não ao homem que a roubara de seu quintal. Ele explicou que a deixava aos cuidados dos seus, com promessa de voltar. Porque ela acreditara nele? Não sabia responder. Mas precisava acreditar, já que seu caminho não tinha volta.

Não teve problemas em ficar com aquela família, que seria sua dali para frente. Também não fez perguntas, como se já soubesse que seu lugar sempre estivera reservado entre eles. Os da casa a trataram bem e com toda cerimônia, era a noiva dele. Ele voltou dias depois, com um padre, que os casou ali mesmo. A família da moça não estava presente, então ela pediu que ele a levasse até o sítio e conversasse com os seus pais. Eles foram e o moço não deu explicações aos sogros, mas prometeu que a faria feliz. E fez.

Anos se passaram. Dividiram com amor todos os seus desejos, alegrias, medos, o seu viver. Apenas um segredo foi guardado: mesmo que ela insistisse, ele nunca contou o que significava aquele patuá, que não saía de seu pescoço. Ele sequer permitia que ela colocasse a mão. Por inúmeras vezes, em noites mais tórridas de amor, ainda que enlouquecido de desejo, ele não deixava que ela tocasse no pequeno amuleto que enfeitava o corpo de seu marido desde o dia do casamento. O fio feito de couro que o segurava em seu pescoço estava fino, desgastado com o passar dos anos. Ainda assim, ele não o tirava, tomando apenas o cuidado de o esconder debaixo da camisa. 

Assim passaram o restante de sua juventude, toda a maturidade e os primeiros anos do embranquecer dos cabelos de ambos.

Em uma manhã, ela acordou logo depois que o marido havia saído para a lida. Planejando o seu dia, enquanto se espreguiçava gostosamente, teve a ideia de fazer polenta com costelinha de porco – o prato predileto dele. Suspirava suavemente no ritmo de seu espreguiçar. Esticava-se ainda quando uma de suas mãos esbarrou em algo no travesseiro ao lado. Levantando-se rapidamente, julgando ser algum inseto, ela viu o patuá, cujo fio de couro havia se rompido. Pegou-o delicadamente e passou a observar com cuidado o objeto que, por anos e anos, fora a única história não contada entre aquele casal. 

Quando, de repente, o marido entrou correndo no quarto. Ainda ajoelhada na cama, ela sorriu para ele, logo mostrando o amuleto e comemorando o fato de tê-lo encontrado, não haveria risco de perdê-lo fora de casa. Avisou feliz que buscaria outro fio de couro e que à noitinha ele já o teria de volta pendurado em seu pescoço.

Da porta mesmo, onde havia estancado quando viu o patuá nas mãos da mulher, ele respondeu: não se preocupe, não preciso mais. Aproximou-se da cama, deu um carinhoso beijo na testa da mulher, saiu e nunca mais voltou...


Gostou deste conto? Saiba que é uma história real, a mim contada há muitos anos. Não sei nada sobre a magia daquele patuá, mas conheço uma receita fantástica de polenta com costelinha de porco. E também uma receita vegana de polenta com cogumelos.  

Elas estão publicadas no próximo capítulo. Basta clicar para seguir ao próximo capítulo.

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