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Cinese (s.f.):
Do grego, significa movimento, mudança, agitação da alma.

Point Of View Priscilla

Desde aquele domingo em que promovemos um evento em minha casa para responder às perguntas da terceira fase do concurso, Natalie e eu fizemos um acordo que não falaríamos mais nesse assunto até que o resultado fosse divulgado. Não fazia sentido ficar sofrendo à toa enquanto esperávamos o veredito final e eu não queria conviver com uma Natalie obcecada em dar F5 na página do concurso por sabe-se lá quantos dias novamente. Já haviam se passado quinze dias desde então e ainda nada do resultado. Eu não queria admitir para Nathy, mas até eu já estava ficando ansiosa, não só com a possibilidade real de ganharmos e poder realizar nosso sonho, mas talvez principalmente com a possibilidade de dar tudo errado e não sermos nós o casal escolhido.

Nunca fui de me preocupar muito com o amanhã e menos ainda com o que as pessoas iriam pensar de mim ou da minha vida. Ninguém tem nada a ver com as minhas escolhas e gosto de prezar pela minha liberdade e independência. Mas dessa vez eu não teria que lidar com algo que escolhi pra minha vida apenas. Teria que lidar com as consequências de uma mentira, inventada com boa intenção, isso é verdade, mas ainda assim uma mentira. E uma que envolvia não só a mim, mas a toda minha família e a família da pessoa que eu mais amo nesse mundo além daqueles que tem meu sangue. O que seria de nós duas se tivéssemos que desfazer a mentira? Com que cara eu ia olhar tia Sinu daqui pra frente? Se é que ela ainda ia querer olhar na minha cara depois disso tudo. E tem minha mãe também, que eu tenho certeza que iria entender, mas levando em conta a reação dela quando contamos do "namoro", ia ficar no mínimo decepcionada de tudo não passar de uma mentira. Por que é que eu não pensei em tudo isso antes de propor essa loucura a nathy? Idiota!

- Ei, gasparzinho, tá pensando em que? Tem bem uns 15 minutos que eu já notei que você não tá prestando atenção no filme. - Nathy perguntou se levantando do meu colo no sofá e se virando pra me olhar de frente.

Era sexta-feira e estávamos as duas aconchegadas no sofá da sala dela assistindo filme, como costumávamos fazer sempre que tínhamos a casa só pra nós e nem sinal de Sofia pra irritar nathy com conversa no meio do filme. Hoje Natalie tinha escolhido A Proposta, porque nós duas simplesmente AMÁVAMOS os filmes da Sandra Bullock e Nathy tinha adorado a ideia do nosso programa de casal de mentirinha da noite ser assistir um filme de um casal de mentirinha. Infelizmente o tal filme foi o gatilho pra fundir minhas ideias.

- Ei, Pris! Eu tô falando contigo! - Natalie chamou minha atenção, puxando de leve meu queixo para que eu olhasse pra ela.

- Desculpa, eu só me distraí, Nathy.

- Ata, conta outra, Priscilla! Depois de todos esses anos você ainda acha que me engana fácil assim? - Não enganava mesmo, nem sei porquê eu ainda tento.

- É que... Eu tava pensando, Nathy... Que que a gente vai fazer se a gente perder? - Expressei minha dúvida e vi nos olhos dela que ela não havia entendido qual era o problema.

- Ué, Pris, se a gente perder a gente perdeu, né... Não tem muito o que fazer, a gente só vai adiar a viagem mais um pouco.

- Não é disso que eu tô falando, Natalie! - Mais uma vez o olhar confuso e a testa dela franzida em minha direção. - O que que a gente vai fazer... Com a gente?

Percebi pela mudança em sua expressão o momento em que ela compreendeu as implicações da minha pergunta, nas quais ela sem dúvida ainda não havia pensado.

- Pra ser bem sincera, não faço a mínima ideia, Pris. Eu não tinha parado pra pensar nisso. - Natalie mordia os lábios em sinal de nervosismo.

- Nem eu, Nathy! E agora eu tô morrendo de medo, porque talvez eu não devesse ter te proposto essa ideia louca. Eu nunca tive medo do que as pessoas iriam pensar de mim, mas eu nem sei mais o que tá acontecendo comigo. Eu só sei que não quero machucar minha mãe, sua mãe e nem as outras pessoas que acreditam que estamos realmente juntas e que abriram o coração pra falar de como sempre torceram por nós nessas últimas semanas dizendo que foi tudo uma mentira.

Natalie envolveu minhas mãos nas suas e segurou-as unidas em seu peito.

- Ei! Não foi uma ideia louca! - Pensou melhor. - Tá, talvez um pouco louca. - Ela se corrigiu rindo e eu não pude evitar sorrir também. - Mas é o nosso sonho, Pris, e nós só estamos correndo atrás dele. Eu também não quero machucar ninguém com a nossa mentira, mas nem tudo é mentira. Nosso amor nunca foi mentira e isso nunca vai mudar.

- Eu sei, Nathy. - Racionalmente eu entendia os argumentos dela, mas não conseguia evitar a apreensão em desfazer a mentira e sentir uma leve angústia no peito com a ideia.

- Ei, Pris... - Ela chamou minha atenção novamente erguendo meu queixo delicadamente para olhá-la nos olhos. - A gente não precisa desfazer a mentira se você não quiser... - Encarei-a sem compreender exatamente o que ela queria dizer com isso. - Quero dizer... A gente pode continuar fingindo que somos um casal por mais um tempo, depois a gente inventa que não deu certo por algum motivo. Nossas mães não precisam saber que era mentira. Assim ninguém se sente enganada.

Ela ia continuar fingindo comigo, só pra que eu abandonasse meus medos. Senti meus lábios lentamente se abrirem em um sorriso e vi outro se formar nos lábios dela. Seu polegar acariciava suavemente minha bochecha, enquanto sua outra mão ainda se encontrava entrelaçada às minhas em seu colo. Não sei exatamente o que, mas senti uma faísca de energia diferente vibrando no ambiente. Eu não era capaz de desviar meus olhos dos dela, duas orbes castanhas brilhando na penumbra da sala, gerando um campo gravitacional sobre mim. Tive a impressão de que eles ficavam cada vez maiores, cada vez mais próximos de mim e senti meu coração bater mais depressa sem motivo. Ouvi Natalie suspirar e senti seu hálito suave tocar minha pele, tamanha era nossa proximidade. Não sei o que acontecia comigo, mas me lembrei da noite do restaurante e do gosto dos lábios dela nos meus.

Minhas lembranças foram interrompidas pelo toque estridente do meu celular sobre a mesinha de centro. Demorei um segundo para processar que precisava atender a ligação e me afastei de Camila para alcançar o aparelho.

Point Of View Natalie

Respirei fundo e me encostei no sofá tentando colocar a cabeça no lugar enquanto Priscilla atendia o telefone. O que estava acontecendo comigo? Eu quase beijei minha melhor amiga e dessa vez eu não tinha nenhuma desculpa! Como você consegue ser tão burra a ponto de quase estragar tua amizade com a Priscilla desse jeito, Natalie!? MEU DEUS, QUE SINA MALDITA SER LIBRIANA!

Fui tirada do meu martírio pessoal pelo grito de Priscilla ao telefone. Grito de alegria! Pelo pouco que eu entendi, era alguém da produção do concurso comunicando que nós éramos o casal escolhido. NÓS ESTÁVAMOS INDO PRA GRÉCIA!!! Todas as minhas preocupações e grilos sumiram de minha cabeça no mesmo instante. Eu não podia nem acreditar, iríamos mesmo realizar nosso sonho juntas!

Depois que Priscilla desligou, fui comunicada dos detalhes da viagem. Deveríamos ir de avião pra Grécia dali há duas semanas, de onde embarcaríamos em um cruzeiro programado para zarpar no dia 12 de junho, dia dos namorados. Detalhe: era um cruzeiro apenas para casais, então suponho que tenha sido uma ótima ideia nós já termos definido que iríamos manter o "namoro" de qualquer jeito mesmo.

Outro detalhe do qual fomos informadas pela produção é que deveríamos fazer um diário de bordo em vídeo todos os dias, pois aparentemente quem estava financiando um concurso era uma empresa de turismo, que planejava usar o material para a campanha publicitária de dia dos namorados do ano que vem. Isso significava também que Priscilla e eu precisaríamos autorizar o uso de nossa imagem pela empresa, mas isso pra nós não era um empecilho. Tudo que eu conseguia pensar naquele momento é que nós estávamos realmente indo e até meu instante de loucura ficou esquecido em meio à nossa euforia.




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E vamos a Grécia                           

☆Nᴀᴛɪᴇsᴇ☆ ✓ 𝑅𝑒𝑔𝑎𝑙𝑜 𝐷𝑒 𝐿𝑜𝑠 𝐺𝑟𝑖𝑒𝑔𝑜𝑠 Onde histórias criam vida. Descubra agora