Capítulo 4 - Será que pode piorar?

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Estava completamente destruída. 

Finalmente as peças começaram a se encaixar dentro da minha cabeça. Uma explicação plausível para tanto tempo de espera, tantas impossibilidades que eram explicadas mas difíceis de aceitar na prática. 

Uma filha. 

Uma criança. 

Não havia futuro pra nós dois, nunca haveria. 

Foi melhor que terminasse antes que ficasse mais sério e a gente sofresse ainda mais. Uma filha. Ele teve um casamento, uma história antes de mim, ele tinha marcas. Eu não saberia conviver com aquilo. Além do mais, ele era um jornalista que morava do outro lado do país, tinha um cachorro e uma filha pequena, e eu ainda estava tentando descobrir quem era Clara Medeiros. 

Finalmente a porta do apartamento se fechava atrás de mim, estava em casa. Por instinto procurei por Fantasma, mas logo lembrei que não haviam animais ali. Larguei a mala na sala e me livrei dos sapatos e do casaco. Senti um vazio tão grande e profundo, que acabei correndo para o quarto e me escondendo debaixo das cobertas.

- Como uma garotinha assustada! - Falei pra mim mesma com voz irritada. 

Talvez Lucas tivesse razão, eu não estava pronta pra ter um relacionamento sério, algo que envolvesse responsabilidades. Não estava preparada para ele. Era coisa demais para assimilar e suportar, ele tinha coisas demais a perder. Eu não fazia ideia do peso que ele suportava nas costas, e era incapaz de imaginar o tipo de malabarismo que ele precisa fazer para manter-se são em meio às turbulências da vida de pai solteiro, ou melhor, viúvo. Havia dentro de mim a sensação de impotência e incapacidade de corresponder ao que ele procurava e precisava. Talvez aquele envolvimento estivesse mesmo fadado ao fracasso, pois eu, certamente, não possuía todos os atributos que seriam necessários para estabelecer-me como companheira de um homem que tinha uma criança pequena para cuidar, uma carreira e um cachorro ciumento.

O telefone não tocou pelos dias que seguiram e eu me arrastei pra continuar levando a vida. Meu trabalho como designer gráfica em uma pequena editora de livros ocupava grande parte do meu tempo, impedindo-me de pensar no drama pessoal que estava vivendo, o que era uma coisa boa no final das contas. Adquiri o hábito de fazer caminhadas no final da tarde, geralmente depois que voltava do trabalho, o que ajudava a tranquilizar a mente, mas não era o suficiente para manter-me alheia ao problema que estava pendente do outro lado do país, só esperando por mim, em algum momento. 

Certa tarde, no caminho de volta para casa, decidi parar numa cafeteria vintage que havia descoberto logo que me mudei e que havia tornado-se parada obrigatória desde então.

- O que está havendo por aqui? - Uma voz masculina me tirou do estado mental "oco".

- Nada tão anormal quanto você aparecendo ser avisar. - Comentei de mau humor e esbocei um sorriso amarelo.

- Não posso tomar um café gelado?

- Na cafeteria que eu frequento, a qual você nunca apareceu? Acho estranho, Pedro. - Voltei a atenção para a xícara de café expresso à minha frente.

Ele puxou uma cadeira e sentou à minha frente.

- Se você atendesse minhas ligações, talvez eu não precisasse segui-la. - O homem loiro que estava parado à minha frente colocou o copo descartável sobre a mesa e me encarou com ar divertido.

- Já parou pra pensar que talvez eu não queira falar contigo?

Ele não se intimidou com meu humor ruim e continuou falando.

- Clara, esse seu namoradinho virtual não vai levar você a lugar nenhum. Se liberta disso.

- Não pedi sua opinião sobre minha vida amorosa. - Pedro estava começando a me irritar. Com certeza meus pais, Fabi e meu ex-namorado se reuniam semanalmente pra falar sobre a minha vida.

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