Memórias Reprimidas

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ZADE


Uma pequena fogueira iluminava as ruínas que abrigavam três jovens, seu olhar fixo demonstrava admiração pelo crepitar do objeto rutilante ao mesmo tempo em que o trio imaginava pela alvorada do próximo dia. Não havia esperança ou algum sentimento bom vindo dessa inesperada paciência, apenas a certeza de mais tempo longe do resplendor de uma luz verdadeira e autêntica, cuja pureza alimentava e fortalecia a mente desses observadores pensativos, absortos na idéia de que talvez o amanhã fosse melhor.

-Nós, não podemos fugir? – Um resquício de esperança surgiu nos olhos do garoto loiro, ele era o irmão do meio e o maior otimista do grupo.

-Fomos pegos Quinze, não pela igreja ou por sequestradores mas pela própria seita do dragão, aqueles que seguem a encarnação do mal estão tomando conta dessas redondezas, e aposto que nós deixam sozinhos aqui toda noite de propósito – O mais velho era a voz da razão, assumia o papel de irmão mais velho, seus olhos eram cegos, mas ele parecia ver claramente pois fazia tudo sozinho sem precisar de ajuda alguma.

-Então deve ser uma armadilha – Falou o mais novo com olhos castanhos escuros enquanto brincava com seus lindos cabelos pretos os deixando bagunçados.

Todos os três meninos tiveram uma súbita mudança em seus olhos no passado, algumas semanas depois deles serem encontrados nas ruínas por pessoas em túnicas vermelhas houve algo chamado de iniciação, por algum motivo nenhum deles se lembra com clareza daquele dia, só sabem que depois eles obtiveram olhos brilhantes e suas pupilas ficaram alongadas como as de um gato.

-Sabe... Qual será o objetivo deles com a gente? – Quinze sempre se preocupou com a vida dele e de seus irmãos, principalmente sendo mantidos prisioneiros pela seita do dragão.

-É melhor irmos dormir – a orientação do mais velho foi obedecida imediatamente pelo de cabelos pretos, no entanto Quinze observou a fogueira mais um pouco, como se quisesse obter algo dela.

-Boa noite Quinze – O mais velho apagou a fogueira e se deitou, e o garoto finalmente decidiu fazer o mesmo.

-Ei vocês, estão dormindo demais! – Os meninos acordaram com os gritos impacientes de seu supervisor, era um homem careca e sem barba, com rugas gritantes no rosto e uma grande quantidade de cicatrizes, ele não parecia gostar de crianças.

-Já estamos acordados senhor! – Todos se arrumaram o mais rápido possível com as roupas vermelhas e foram junto com o supervisor até a base da seita, diversas ruínas de pedra formavam uma pobre estrutura sem teto, havia apenas um pano de tecido improvisado como um telhado para os proteger de chuva ou um sol muito quente dependendo da época.

Dezenas de crianças trajando vestes vermelhas formavam filas uma ao lado da outra, cada uma tinha o seu instrutor a frente, Quinze e seus amigos foram os últimos a chegar na fila seu instrutor estava a frente de todos, Amaleque era seu nome, um dos poucos instrutores que não usavam o capuz com muita frequência, mas ainda assim trajavam as vestes carmesim. Seu cabelo jogado de um lado e seus olhos totalmente brancos combinados com uma postura impecável faziam com que nenhum de seus alunos ousasse desafiar ele, mesmo considerando que ele tinha uma aparência muito jovem. Um homem que parecia ter dois metros de altura e usava um capuz cobrindo todo o rosto ficou a frente de todos, ele era o chefe do local.

-Muito bem alunos agora que todos estamos reunidos vamos cada fila para seu local de treinamento! -  A voz grave escoou pelo local, o que deveria ser impossível considerando que não havia paredes, havia algo sobrenatural na voz daquele ser desconhecido. Todos foram treinar e a fila de Zero quinze não foi diferente, após algum tempo de caminhada todos chegaram a uma planície acidentada. Amaleque olhou os dezoito alunos por um tempo, todos estremeceram pois era impossível determinar para onde ele olhava devido aos olhos brancos.

-Formem suas duplas e podem começar! – Todos imediatamente escolheram os parceiros de descanso, o que era previsível pois eles tinham mais intimidade entre si, mas era ruim para Quinze que decidiu ficar de fora do seu grupo.

-Você é mais velho, cuide do pirralho Cinco – Zero quinze achou melhor o mais velho e o mais novo ficarem juntos, ele aguentava treinar com qualquer um. Pelo menos era o que o mesmo pensava pois acabou fazendo dupla com um garoto mais velho, o treinamento era de espadas, mas todos utilizavam as de madeira por motivos óbvios.

-Você está batendo muito forte cara! – Quinze reclamou.

-Mas esse é o propósito do treinamento! – o garoto mais velho gritou e todos pararam pois Amaleque estava olhando diretamente para os dois, mesmo sem ele esboçar qualquer emoção Quinze estremeceu.

-Estamos mortos – ele sussurrou.

Amaleque se aproximou vagarosamente como se avaliasse suas presas, até que finalmente ficou em frente aos dois garotos, seus cabelos reluziam ao sol e os olhos estavam mortos como sempre.

-Seis, fique revezando com outra dupla.

--Sim senhor – o mais velho saiu correndo para a dupla mais distante possível.

-Zero quinze você vai treinar comigo, os outros continuem o treinamento! – os gritos e choros voltaram e Quinze encarou Amaleque por um tempo, um pequeno graveto estava na mão do instrutor, o qual ele havia recém apanhado do chão.

-Estou esperando o seu ataque – Amaleque se pôs em guarda, Quinze tomou coragem e atacou, o instrutor só se mecheu quando a espada chegou perto de seu tronco, um ataque óbvio, mas poderoso, no entanto Amaleque cortou a espada de Quinze com o graveto que possuía, o menino entrou em Pânico.

-C-Como – sua pergunta foi interrompida pelos ataques constantes do instrutor, que não esboçava nenhuma emoção, mesmo sendo um graveto Quinze sentia claramente uma lâmina atravessando seu corpo diversas vezes.
O garoto caiu no chão, sem forças, mas então sentiu uma estranha energia por seu corpo e uma forte luz refletiu no instrutor antes que Quinze percebesse ele estava atrás de Amaleque com a espada apontada para suas costas, o mesmo se virou devagar sem mudar a expressão o que frustou Quinze profundamente.

-Muito bem Quinze – ele falou o número do garoto como se fosse um ser de estimação, ou um escravo e talvez ele pensou, todos fossem escravos.

Com o entardecer do dia o treinamento acabou e todos foram para seus respectivos dormitórios, contudo Quinze possuía uma centelha de revolta contra aquele local, ele estava cansado de ser humilhado diariamente, mas ainda era muito novo para fugir então decidiu fazer uma pequena rebelião, algo que caso fosse descoberto não iria ocasionar em um terrível castigo, mas que simbolizasse seu desprezo por tudo o que essa seita representava.

-Nós devemos ter nomes – ele falou para seus irmãos enquanto a fogueira clareava as expressões de ambos.

-Eu concordo – disse o mais novo.

-Você entende o peso que essa decisão tem Quinze? – apenas o mais velho compreendeu o real significado daquela sentença.

-Não me chame mais de Quinze, me chame de Zade – E foi com essa afirmação hesitante que os três companheiros selaram seu destino.

A Ascenção Do BárbaroOnde histórias criam vida. Descubra agora