No sótão transformado em apartamento da Taverna Ferro e Fumaça, os tons de cobre e latão dominavam o cenário, e os móveis decorados com engrenagens davam ao lugar um charme peculiar, característico de Leyla.Enquanto a moça interagia com os gatos da vizinhança na sacada, Shura e Tashi relaxavam em poltronas de couro puídas, iluminadas pelo brilho das lâmpadas. O visitante próximo à porta, em pé, os observava atentamente.
―Qual é o mistério envolvido neste livro de cantigas infantis? Por que você o deseja? - Perguntou a garota, franzindo a testa enquanto se dirigia à sua mesa para estudar o mapa. Embora a tarefa de recuperar o livro da biblioteca Real não parecesse impossível, muitas questões sem resposta pairavam no ar.
Observando o misterioso visitante com a capa cobrindo parte do rosto, deixando apenas os lábios e maxilar bem marcados, o Intermediário, Leyla percebeu a ausência de pulseiras, indicando que ele não era oriundo do reino. Um aroma de magia emanava dele, despertando um pressentimento nela. De onde ele teria surgido?
―Este livro guarda mais mistérios do que imaginam. - Declarou o Intermediário com sua voz rouca. - Ele foi protegido por sua própria segurança, mas agora é hora de revelar sua verdadeira importância à sua legítima proprietária.
―Já confiscamos artefatos mágicos antes, roubar um livro com poucos guardiões não deverá ser tão difícil. A menos que esteja impregnado de magia, o que seria improvável, caso contrário já teria sido detectado. Por que, então, você não o recupera sozinho? - Perguntou Shura.
Enquanto esperava a resposta do Intermediário, Leyla notou o descontentamento de Tapete de Pulgas com a presença do estranho na sala, emitindo rosnados de desconfiança. - Parece que até Tapete de Pulgas não confia em nosso convidado. - Sussurrou Shura, com um sorriso irônico.
―Você quer que entremos em um lugar pouco vigiado para pegar um livro e entregá-lo à sua dona. Até aqui, parece algo simples, mas o que ganhamos com isso? ― Questionou Tashi curioso, aproximando-se da amiga, que agora afiava sua adaga. Os três ficaram encostados na mesa, um ao lado do outro com os braços cruzados.
―A liberdade de vocês, não é isso que desejam? Além disso, quando este livro estiver em suas mãos, Leyla, não teremos muito tempo para sair daqui. Se desejar, poderá levar seus amigos.
―Claro, por que não pensei nisso antes? Você tirará nossas algemas e estaremos livres. O que estamos esperando, rapazes? A cidade inteira irá nos procurar por roubar um livro de cantigas, o esquisito aqui provavelmente nos protegerá em algum refúgio, até que as coisas esfriem. Simples assim. Esse será nosso pagamento. ― Mal a moça finalizou a frase e uma adaga voou, fincando-se na parede ao lado do Intermediário, que permaneceu imóvel.
―O que você está nos escondendo? E que poder é esse o seu para nos libertar? Como se todos em Porto das Sombras já não tivessem tentado. - Leyla estava pronta para atacar o homem quando Adilarif adentrou apressadamente. - Demorei porque precisei despachar os funcionários. Não temos muito tempo, se a garota está fedendo magia a cada dia que passa, como você me disse, logo eles a descobrirão.
―Como assim, Adi? Vocês se conhecem? Você tem algum envolvimento com este estranho? Por que, o tempo todo, tenho a impressão de que roubar um livrinho está parecendo algo que nos levará à morte? ― A garota apontou para o Intermediário sem tirar os olhos no dono da taverna.
Adilarif, que parecia escolher as palavras, respondeu de maneira direta. - Minha menina, o segredo por trás deste livro de cantigas vai muito além de simples rimas. Ele contém conhecimentos antigos, que podem desvendar apenas para você, os mistérios capazes de mudar o curso da história da sua linhagem mágica, que muito poderia contribuir neste mundo. E você está ligada a esse livro, a verdadeira dona dele, herdeira dessa magia ancestral.
Os jovens trocaram olhares, como se estivessem se perguntando se realmente ouviram o que achavam ter ouvido. Sem reação imediata, pareciam ponderar qual parte daquilo poderia fazer algum sentido.
Shura, com uma pitada de ceticismo, perguntou, - Sem querer desacreditar no poder da Gatuna, mas, tirando sua capacidade para pressentir alguém por perto, eu estava lá quando detectaram uma chama pequena de magia. E se for verdade, por que isso agora? Por que revelar tudo isso para ela neste momento?
O senhor suspirou profundamente. - Porque o tempo está se esgotando. As sombras estão se movendo novamente, desejando capturar toda e qualquer esperança que temos para transformar esse em um mundo melhor.
―O que ele está querendo dizer é que precisamos de você, Leyla, para recuperar este livro, sua magia e sua verdadeira identidade estão ligadas ao livro, e somente você pode revelar sua verdadeira importância e você precisa dele para descobrir sua missão nesse mundo. Há quanto tempo você sente tonturas e visões das amaldiçoadas. Nunca se perguntou quem eram essas mulheres? Ou, que tipo de magia é essa? Nunca ouviu falar nas únicas possuidoras do poder sobre o tempo? ― Perguntou o homem misterioso.
―As Amaldiçoadas ... por que não nos contou sobre essas visões? Isso é verdade?... você parecia estranha ultimamente... ― sussurrou Tashi, percebendo quando a amiga parecia desconcertada.
―Para me julgarem louca? Essas amaldiçoadas aparecem de Era em Era e vai saber se é só lenda ... Vocês acham que vou acreditar em uma coisa dessas? Já tenho dezenove anos, por que não floresceu nos meus dezoito luzeiros como qualquer ser humano? ― A moça caminhava de um lado para o outro.
―Na verdade, você está para completar seus dezoito luzeiros. ― Pigarreou Adilarif. - Minha menina, iremos explicar tudo ao seu tempo, antes de tudo, saiba que todas as nossas ações foram para protegê-la. No entanto, chegou o momento em que não podemos mais esconder a verdade. Sua verdadeira idade em breve será revelada, e com ela, sua verdadeira magia florescerá. E quando todos souberem... ― Adilarif retirou seu casaco, caminhou para o centro da sala, preparando-se para o que viria depois.
Leyla, absorvendo as informações que acabara de receber, sentia-se como se estivesse prestes a mergulhar em um abismo de segredos. Ela olhou para seus amigos, vendo neles o apoio e a confiança necessários para seguir em frente.
―E quanto às Amaldiçoadas? O que isso tem a ver comigo? ― perguntou ela, buscando esclarecimentos sobre o que parecia ser mais um enigma em sua vida.
Adi se posicionou no centro da sala, com as palmas das mãos estendidas para cima.― As Amaldiçoadas são parte do seu legado. Elas estão ligadas à sua linhagem mágica e ao destino que aguarda você. O tempo está se aproximando, e você terá que enfrentar essas visões e descobrir o significado por trás delas. Se aproxime irei te mostrar apenas o que está ao meu alcance.
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Herdeiras da Trama
Short StoryEm "Herdeiras da Trama," mergulhamos nas crônicas de mulheres entrelaçadas pelo poder proibido da magia do tempo. Em Kiadgara, um reino onde essa habilidade é vista como uma terrível maldição, cada herdeira enfrenta um destino ora de sombras e deses...