Herdeiras da Trama

Prólogo

Reflexões de Kenji Yamamura, Governante de Orokishi*
Ano de 2400

Hoje, enquanto o crepúsculo tinge o céu com tons de ouro e púrpura, encontro-me mais uma vez perdido em pensamentos nostálgicos sobre uma era que nunca conheci, mas que sinto como um eco distante em meu coração. A primeira era, um tempo glorioso quando a magia era uma essência natural, fluía livremente através do mundo, e deuses e homens coexistiam em uma harmonia que parece agora quase utópica.

É uma pena que não vivemos mais naquela era. O que resta da magia agora é um pálido reflexo do que já foi. Lamento profundamente a ruptura com os deuses, a separação que fez com que a magia se tornasse um vestígio do passado, algo que apenas aqueles que nasceram com o dom ancestral ainda possuem. É angustiante saber que cada novo nascimento não é mais agraciado com o mesmo poder que antes fluía livremente entre todos os seres.

O mundo tornou-se um lugar marcado pela desigualdade, onde o poder é a moeda mais valiosa e aqueles que têm acesso à magia ancestral se tornam os senhores de um domínio exclusivo. Os que não foram abençoados estão condenados a uma existência sem o brilho da magia, lutando para sobreviver em um sistema que apenas valoriza a herança mágica e não o valor intrínseco de cada indivíduo.

É uma realidade cruel, um reflexo de um mundo dividido onde o elitismo e a busca incessante por poder definem nosso modo de vida. A magia, que um dia foi uma dádiva universal, agora é um símbolo de uma hierarquia severa e implacável. E eu, como governante, sinto o peso dessa transformação, ciente de que, enquanto tento manter a ordem e a justiça em Orokishi, o mundo fora de nossos muros continua a se dividir cada vez mais.

Ah, se eu pudesse apenas reviver aqueles tempos antigos ou encontrar uma maneira de restaurar a magia a todos, como uma vez foi. Mas, por enquanto, meu desejo se resume a um anseio melancólico, uma reflexão sobre o que poderia ter sido e uma determinação de fazer o melhor que posso com o que resta.

Enquanto reflito sobre as mudanças drásticas em nosso mundo, minha preocupação se volta para aqueles que ainda possuem magia, mas que se tornaram peões nas mãos do governo central Kurastam. Esses indivíduos, dotados do dom ancestral que uma vez foi um presente para todos, agora são forçados a usar seus poderes em prol de um sistema opressor que os explora sem piedade.

O governo central tem se aproveitado de sua habilidade mágica, usando-os como instrumentos para consolidar seu controle e manipular as massas. São empregados em tarefas que perpetuam a desigualdade e a opressão, e suas habilidades são frequentemente utilizadas para manter a ordem de um regime que não valoriza a verdadeira essência da magia, mas apenas seu potencial como ferramenta de poder.

Sinto uma angústia profunda ao imaginar o peso que essas pessoas carregam. Eles não apenas vivem sob a sombra de um sistema que os subjuga, mas também enfrentam a constante pressão de usar seus dons para alimentar uma máquina que os vê apenas como recursos, não como seres humanos com sonhos e dignidade.

O que me inquieta ainda mais é a sensação de impotência. Em minha posição, posso oferecer algumas medidas de alívio, mas a verdadeira mudança parece distante. O equilíbrio entre a preservação da ordem e a promoção da justiça é uma linha tênue, e o impacto real nas vidas daqueles que sofrem é frequentemente imperceptível.

Minha esperança é que, um dia, possamos criar um mundo onde a magia não seja uma arma para a opressão, mas um meio para a igualdade e a prosperidade. Até lá, minha preocupação e meus esforços estarão voltados para garantir que os que possuem a magia não sejam simplesmente usados, mas sejam tratados com o respeito e a humanidade que merecem. Que possamos encontrar um caminho que restaure a dignidade a todos, não apenas aos privilegiados.

*Trechos extraídos dos seus diários. Localização incerta.