Prólogo

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Kim Russell nunca foi a garota mais popular da escola, ou a garota rodeada de amigos, ou a mais linda e cobiçada, ou até mesmo à mais inteligente. Do contrário, era a garota que aparentemente ninguém reparava ou fingia não reparar, e que ficava isolada num canto, tanto na hora do intervalo como na sala de aula, tendo apenas à companhia dos seus únicos amigos: os livros, sendo eles, um refúgio do seu mundo preto e cinza e uma porta aberta para mundos novos. Mas mesmo assim, Kim ainda se sentia triste, angustiada e vazia dentro de si, afundando-se mais profundamente em sua solidão miserável, cravada em sua vida desde a infância. Desde muito cedo, Kim mostrava-se ser uma criança solitária, sem irmãs ou irmãos, e sem amigas para brincar, ela apenas observava de longe suas coleguinhas a brincarem de boneca, sendo excluída por elas e se tornando alvo de ataques psicológicos delas. Mas nada mudara com o passar do tempo e nem com a mudança de escola, ela continuava a ser a mesmo Kim de antigamente.
Como parte da sua rotina entediante, naquela manhã fria de outono, Kim caminhava sozinha pelas ruas desertas e silenciosas da pequena cidade onde morava, aspirando assiduamente o ar gelado e úmido. Rumo ao seu local de trabalho, uma pequena floricultura, chamada, "Flowers and flowers". Com apenas 14 anos, Kim começou a trabalhar para ajudar sua mãe, pois desde que seu pai morreu, quando ela tinha 7 anos, sua família deixou de ter a base para seu sustento. O pai de Kim morrera em um acidente de carro. Em uma noite fria e chuvosa de inverno, ele voltava do trabalho para casa, dirigindo em uma estrada à beira de um penhasco, em meio a um forte tempestade.A chuva caía sobre o para-brisa como uma onda furiosa, o impedindo de enxergar a estrada á sua frente, mesmo assim, ele quis seguir adiante, porém, perdeu o controle da direção e o carro saiu voando e em seguida, capotando várias vezes, até que o mesmo explodiu ao descer do penhasco e caiu no mar. A notícia da morte de seu pai, veio como um golpe de faca sendo cravada em seu coração. Kim o idolatrava, considerando-o o homem mais formidável que já conhecera. Levará tempo para ela aceitar a perda. Passado alguns anos, o coração de Kim se encheu de tristeza novamente, sua mãe, Nina Russell, foi diagnosticada com câncer no estagio avançado, mas que ainda podia ser curada. Sendo assim, Kim tinha que trabalhar para ajudar a pagar as contas de casa, enquanto a sua mãe ficava hospitalizada, realizando sessões de quimioterapia.
Kim adentrou a floricultura, despiu-se do sobretudo preto que vestia e pendurou-o no cabideiro logo à entrada da loja. Ela encaminhou-se para trás do balcão, à espera de clientes para atender.
-Oi, senhora Campbell - Kim cumprimentou sua chefe Susan Campbell, que apenas encarou-a com sua face carrancuda, típica do seu súbito mau humor, causado, certamente, após outra briga de casal, por motivo, da entrada do pedido de divórcio, solicitado por seu marido, porém, senhora Campbell recusa-se a aceitar.
Kim tinha convicção de que seria obrigada a aturar até o final do expediente, o mal humor e as grosserias da senhora Campbell, além de ter que ouvir os mesmos resmungos e choramingos dela em relação ao marido: "Como pude ter me casado com esse homem estúpido e irracional?", "Eu deveria ter me casado com um homem rico, pois, nesse momento, estaria sobre as ruas de Paris, com várias sacolas na mão, visitando as melhores lojas de moda parisienses.

Um rapaz alto, de porte atlético, com cabelos loiros elegantemente penteados para trás e trajado de jaqueta de couro, adentrou à loja e caminhou até as flores, pondo-se à observá-las. Kim logo o reparou e ficou espantada ao ver que o rapaz, que estava em seu local de trabalho, era Richard, o garoto mais popular e mulherengo da escola, além de ser sua paixonite. Com o coração palpitante, ela se escondeu atrás do balcão abruptamente e fechou os olhos em silêncio, esperando que ele fosse embora. Richard estranhou o estabelecimento estar vazio e a demora para alguém atende-lo. Entediado em esperar, ele seguiu a recepção e tocou o sino em cima do balcão, mas ninguém apareceu.Querendo esperar mais um pouco, ele saiu da floricultura para ver as flores que ficavam em frente.
Quando deixou de ouvir os passos de Richard, Kim saiu de trás do balcão e sentiu-se aliviada por ele ter ido embora. Porém, Richard adentrou a loja novamente, mas dessa vez, Kim não teve tempo de esconder-se.
-Ei moça! Você trabalha aqui? - Richard perguntou, indo até Kim. A voz dele era grave e agradável.
-Trabalho sim. Em que posso ajudá-lo? - murmurou nervosa.
- Hoje é o aniversário da minha mãe e pretendo a presenteá-la com flores, mas não sei quais são as melhores para a ocasião. O que você me indicaria.
- Eu te indicaria orquídeas, são ótimas opções de presente, principalmente para as mães - ela caminhou até a prateleira de flores, pegou um vaso de orquídeas rosas e brancas e carregou as mesmas até o balcão.
-São lindas. Vou ficar com elas - ele disse, esboçando um sorriso encantador.
- A sua mãe vai adora-las - disse Kim com um sorriso singelo nos lábios.
-Quanto custou - indagou, enfiando a mão no bolso e tirando sua carteira.
-Setenta dólares - ele pegou algumas notas da carteira e entregou a Kim, que guardou dentro da caixa registradora. De seguida, ele pegou as orquídeas do balcão e ficou ali alguns instantes, olhando para Kim, deixando-a desconfortável.
-Desculpe, ficar te olhando assim, mas não nos conhecemos de algum outro lugar? - ele perguntou sorrindo, esboçando seus dentes perfeitamente brancos e alinhados.
-Da escola - ela respondeu diretamente, arrumando o dinheiro na caixa registradora.
-Oh sim. Agora estou me lembrando de você, se não me engano, frequentamos o prezinho juntos.
-É, frequentamos juntos - ela confirmou.
-Você deve ser a Kim, estou certo? - ele mordeu o lábio inferior, com uma expressão pensativa.
-Está - respondeu encabulada. Durante alguns instantes, um profundo silêncio reinou entre ambos, quando o celular de Richard apitou. Ele o tirou do bolso, verificou a mensagem, mas não deu o trabalho de responder.
-Queria poder conversar mais com você, mas tenho que ir embora - Richard tirou com dificuldade um panfleto dobrado e entregou para Kim.
-O que é isso? - ela indagou, desdobrando o panfleto.
- Este é o panfleto da festa que vou dar no sábado, aparece lá para conversamos e nos conhecermos melhor - Richard sorriu e saiu da loja.
Kim desdobrou o panfleto e leu o mesmo que marcava a hora e o local da festa. Ela ficou estupefata diante do convite, sem acreditar no que acabara de acontecer - ela fora convidada a ir na melhor festa do ano, pelo garoto mais popular da escola - Será que ela estará a sonhar? Pois parecia ser bom e ao mesmo tempo surreal demais para ser verdade. Todavia, ela não tinha a mínima vontade de ir e muito menos ter que ver um punhado de adolescentes mimados embebedando-se e fazendo asneiras a qual muitos viriam a se arrepender depois, além de que, ela teria que ficar no hospital, acompanhando sua mãe nas sessões de quimioterapia.
Kim atendeu mais alguns clientes, colocou arranjos de flores na prateleira dos fundos e assim que terminou o seu expediente de trabalho, ela foi logo para a casa, descansar e se preparar mentalmente para ir ao lugar que mais lhe afetava psicologicamente: à escola.

Celeste - Série " Angelicais"Onde histórias criam vida. Descubra agora