Indecisões e receios

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Vossa Alteza, por favor não saia correndo assim!
— Vamos, Suri  — Atlýs disse desacelerando o passo para que a mulher pudesse alcançá-lo.
— Sua Majestade quer lhe ver, podemos voltar ? — Suri perguntou assim que chegou perto o suficiente para falar sem precisar gritar.
Posso ver meu pai depois, primeiro — descartou — preciso ver como estão os preparativos da festa — o príncipe respondeu enganchando o braço no braço da companheira e a arrastando pelo corredor.
— Seu pai te matará se souber que foi completamente ignorado em prol de uma festa — Suri replicou, mas se deixou ser puxada pelo o outro.
— Ele só pensa em guerra e provavelmente quer falar sobre isso comigo, posso adiar mais um pouquinho...
— Sabe que não pode evitar o assunto para sempre, vossa Alteza, tem deveres que precisa cumprir — a mulher continuou dizendo com seriedade.
— Eu sei, e farei meu papel quando chegar a hora, mas por enquanto, me deixe ter esse momento de liberdade — Atlýs falou abrindo um par de portas que davam para o corredor externo do Palácio.
Estava no segundo andar e tivera a ideia de usar a escada externa para não correr o risco de ser pego por algum ministro. Olhou para baixo, percebeu que tinham companhia, seu sangue gelou momentaneamente.
— Quem são ? — perguntou se aproximando agachado do parapeito. Fitou com curiosidade os homens que se amontoavam no pátio do Palácio. Estavam em uma formação rígida e perfeitamente simétrica o que mostrava que eram soldados muito bem treinados.
— Ouvi dizer que vieram do extremo norte, são os novos soldados que seu pai solicitou — Suri respondeu com a voz baixa — Saberia disso se participasse das reuniões! — ralhou.
Atlýs caminhou em direção á escada enquanto observava um homem mais velho falar em um tom autoritário com seus homens, provavelmente era o líder do pelotão. Eram no mínimo 300 homens, todos estavam usando trajes de batalha e espadas de aparência pesada. Tinham o semblante sombrio e uma postura intimidadora.
— Soldados! Atenção! Estamos aqui para lutar e defender esta terra...
Enquanto todos mantinham a cabeça abaixada ao ouvir seu general, havia um único soldado que não parecia interessado no que era dito. Sentiu que era observado, virou a cabeça em sua direção e o encarou diretamente.
— Dizem que são de uma raça diferente da nossa e que são guerreiros brutais — Suri detalhou — olhe as asas deles e como são assustadores —  terminou se encolhendo um pouco.
Virou a cabeça para o lado e percebeu que Atlýs não estava ali, havia parado de caminhar e estava paralizado no mesmo lugar de antes. Notou que olhava para alguma coisa na arena. A mulher voltou seus passos e quando chegou ao lado do príncipe, um dos soldados encarava vossa Alteza com intensidade.
— Quem é ele ? — o ouviu perguntar sem quebrar o contato visual com o outro.
— Como eu saberia ? Vamos, temos que sair daqui — Suri disse puxando o parceiro pelo braço.
Um sorriso de lado se formou no rosto do desconhecido e Atlýs sentiu seu coração acelerar. Desviou rapidamente o olhar e voltou sua atenção para sua companheira. Retomaram a caminhada em direção à escada e Suri sentiu um arrepio percorrer sua espinha quando ouviu seu amigo dizer depois de minutos em silêncio:
Ele tem olhos afiados.
~
— Como sabe que este é o nome ? — Helion perguntou novamente, dessa vez abandonou o livro no chão e se levantou indo em direção de Az.
Olhou para o Grão-Senhor assustado e também levantou da cama.
— Então é isso... — comentou pra si enquanto andava pelo quarto.
– O que ? O que está escondendo, Mestre Espião ? — Helion se viu questionando com hostilidade.
Az parou e o olhou com cenho franzido diante de seu tom.
— Está querendo arrancar uma confissão de um espião ? — perguntou secamente.
O Grão-Senhor sentiu o sangue esquentar.
— Não gosto de ser enganado e gosto menos ainda que brinquem comigo — taxou —  Como sabia do nome ? — seu tom de voz estava baixo.
— Não estou te enganando — Az indagou.
— Então me diga, como sabia o nome se passei dias tentando descobrir ? — perguntou.
— Tenho tido... sonhos estranhos desde que cheguei aqui — Helion ouviu o outro começar e abaixou a guarda. O olhou em descrença.
— O quê ?
— No começo, eram apenas cenas românticas, sem informação nenhuma, mas esta noite foi diferente...
— Por que não me disse antes ? — Az suspirou parando em frente a porta de vidro que dava para à sacada.
— Estava esperando conseguir alguma informação ou pista — explicou — mas como eu disse, eram apenas cenas românticas.
Helion se sentou na cama e observou o Illyriano encostar a testa contra o vidro.
— Esses sonhos... são como lembranças ? O que aconteceu de diferente no último que teve ? — questionou.
— Guerra, eu... alguém estava procurando por seu amado em meio a um mar de sangue.
— Atlýs... — Az ouviu o outro sussurrar. Não queria ter revelado esse segredo tão cedo, mas quando percebeu que tinha dito o nome e a reação de Helion, sabia que teria que revelar a verdade ou as coisas acabariam mal.
— Ainda que não tivesse informações úteis, poderia ter me falado — Helion disse com mágoa, se sentia excluído e de certa forma enganado.
Parecia que todo trabalho que tivera fora inútil, olhou em direção ao livro abandonado no chão e se levantou.
— Eles são intensos demais — Az deixou escapar olhando para fora — Acredite, já vivi e senti muitas coisas durante minha vida, mas isso é diferente — continuou com a voz baixa. Se virou em direção do Grão-Senhor e traçou com os dedos a adaga que carregava — Não é engraçado ? Já matei e torturei milhares de seres e pessoas. Quase morri mais vezes do que posso contar, já senti medo, dor, fome e desespero, mas bastou algumas cenas de afeto para me abalar ao ponto de não querer falar sobre isso — soltou uma risada amarga ao terminar.
Helion que tinha ouvido calado até agora não pode deixar de caminhar em direção ao Encantador de Sombras.
— Não é patético ?
— Não — Azriel se surpreendeu.
— Pessoas como nós — Helion começou — vivemos sem conhecer o amor e afeto. É normal temer aquilo que nunca tivemos ou tivemos pouco — respirou fundo — Sentir isso significa que ainda está vivo e que mesmo que tenha testemunhado coisas horríveis. Isso aqui ainda reage a sentimentos puros – terminou colocando a mão no peito alheio.
Podia sentir o coração de Az bater calmamente sob sua palma.
— Mas esse sentimento não é meu — protestou.
— Mas um dia será e quando acontecer, não se ache patético — Az segurou o pulso de Helion e ergueu o olhar em sua direção.
Algo havia rachado dentro de si e quando fitou o outro, se partiu de vez. Soltou o pulso alheio e observou o Grão-Senhor erguer com hesitação as mãos em direção de seu rosto. Se permitiu inclinar a cabeça contra sua palma em forma de concha, já estava perdido de qualquer maneira. Helion tocou seus lábios com os dele e Az aceitou de bom grado. O beijo foi tão leve que se perguntou se sequer era real, era tão doce e gentil que se sentiu em seu sonho. As bocas se abriram para dar passagem às línguas que se juntaram em uma dança lenta e delicada. Suas mãos escorregaram até a cintura do outro onde fez carinho com os polegares, as cabeças se moviam de maneira ritmada e era possível ouvir os suspiros que ambos soltavam conforme o beijo progredia.
Helion sugou o lábio inferior de Az e com as pontas dos dedos traçou a pele desnuda de seu companheiro. Os músculos retesavam sob seu toque e os pelos se arrepiavam. Não sabiam quanto tempo ficaram ali, mas quando com relutância se separaram, ambos arfavam como se tivessem corrido uma maratona.
— É melhor eu ir... — Disse engolindo em seco.
Az abaixou as mãos e se afastou. Alguns instante se passaram e Helion caminhou em direção à saída sem olhar para trás. Quando fechou a porta, se encostou contra a parede ao lado e escorregou até o chão sentando com joelhos dobrados contra o peito. Pousou a testa contra os braços cruzados e fechou os olhos, sentia seu coração acelerado e o rosto vermelho. "O que foi que eu fiz ?"  Pensou enquanto se lembrava dos últimos minutos, dessa vez ele que se sentia patético por reagir daquela maneira, parecia que tinha voltado à época da puberdade.

O Deus do Sol  (Hiatus) Onde histórias criam vida. Descubra agora