Prelúdios

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Helion disse que trabalharia no escudo, mas mentira. Logo depois que se despediu de Az voltou transtornado para o quarto e se trancou como se fugisse de alguma besta. Lembrava do olhar que o Mestre Espião lhe deu e jurou por um momento que seria completamente consumido pelo outro, a pele de sua cintura formigava onde a mão do Illyriano estivera. Passava das 3 da manhã quando levantou da cama e foi em direção à varanda do quarto. Não conseguia dormir e pensou que talvez um pouco de ar puro e luz da lua lhe servisse de consolo. Encostou os antebraços no parapeito da varanda e o frio do mármore o fez sentir um pouco de alívio. Ergueu o rosto em direção a uma brisa morna que veio do deserto e estava se sentindo em paz quando algo enroscou-se em seus pés descalços. Quando abaixou o olhar, percebeu que se tratava das sombras de seu tormento.
— O que estão fazendo aqui ? — perguntou e observou elas subindo por seu corpo.
Era como se estivesse sendo acariciado por plumas molhadas, leve e frio, quase como um suspiro.
— O mestre de vocês pode ficar bravo... — comentou — não sabia que tinham autonomia ou consciência — Helion formou uma esfera de luz em sua palma e observou as sombras se enrolaram por seu braço e cercaram a esfera com avidez.
Era como assistir um eclipse particular e o Grão-Senhor não pode deixar de sorrir com a visão.
— Gostam da minha luz ? — as sombras se fecharam ainda mais em torno da esfera, Helion suspirou e olhou para a lua que brilhava fracamente no céu.
— Sabem, o mestre de vocês é um canalha frio e mesquinho, além de arrogante e um pouco aterrorizante — o Grão-Senhor indagou enquanto tinha a bochecha acariciada pela escuridão. Não tinha medo das sombras de Az, nunca tivera, e também não se sentia incomodado em ser tocado por elas. As achava de certo modo bonitas, assim como o dono delas.
— Mas, apesar de ser tudo isso, tenho mais vontade de me aproximar do que me afastar... — confessou, fitou o deserto perdido em pensamentos — e, ele é realmente muito bom de cama — indagou mais pra si do que para suas novas companheiras.
Tinha que colocar a cabeça no lugar e parar com aquela atração ridícula que sentia. Da última vez em que sentiu isso, não terminou bem e seu coração ainda não tinha se recuperado totalmente. Não amava o outro sabia disso, mas não podia negar que se sentia inquieto em sua presença. Era como se tivesse despertado algo no dia em que dormiram juntos, algo que nenhum dos dois queria despertar ou sabia que despertaria.
— Que a Mãe me salve...
~

Do outro lado do Palácio, Az sorriu sozinho ao ouvir as palavras de Helion. Estava em um sono incômodo quando sentiu suas sombras vagarem em direção de algo. Elas não costumavam ir tão longe de seu mestre e Az tinha achado o comportamento estranho. Pensou em segui-las, mas quando ouviu a voz do macho e sentiu o quão felizes suas sombras estavam, resolveu observar como o intruso que era.
— Não sei se foi uma boa ideia aceitar essa tarefa — Helion continuou dizendo — Acho que nada disso acabará bem.
Teve vontade de consolar o outro, mas não saiu de onde estava, chamou as sombras de volta quando um leve sentimento de culpa o atingiu. Tinha desistido de tentar dormir, entretanto, um sonho estranhamente vívido o fisgou.
Estava em um lugar desconhecido. Parecia uma sala com grandes arcos de calcário branco e teto abobadado. Cortinas de linho eram sopradas por uma brisa quente e Az podia sentir um tapete macio sob si e uma pessoa deitada sobre seu peito.
Quando tudo isso acabar, seremos só você e eu... assim —  a pessoa disse se aconchegando mais contra si, não podia ver o rosto alheio, mas sabia que se tratava de um homem.
Se sentia temeroso e ao mesmo tempo, um amor e carinho que nunca sentira antes. Quando tentou olhar a pessoa que era alvo de tanto amor, sua visão embaçou.
— Tenho medo que não dê certo... — Uma voz que não era a sua, saiu de seu corpo. O outro, levantou a cabeça e sorriu, depositou um beijo em sua bochecha.
Vai dar sim — a resposta não apaziguou o que sentia, mas quando viu seu amado lhe olhar com tanta esperança, não consiguiu insistir no assunto. Trouxe a pessoa mais junto de si lhe beijando o topo da cabeça.
Cada batida do meu coração te pertenceu.
E cada batida pertencerá.
~
Az acordou ofegante e assustado no dia seguinte. Trazia consigo uma dor no peito e o sorriso do desconhecido gravado na mente. Estava confuso e quando tocou seu rosto com as pontas dos dedos, sentiu o rastro das lágrimas. Ainda não tinha se recuperado direito quando chegou ao escritório de Helion.
— Uau, você está um desastre — o Grão-Senhor disse assim que olhou para o Illyriano.
Se sentiu hipócrita com o comentário, não estava no direito de julgar já que também tinha tido uma noite de sono péssima.
— Você não parece muito melhor que eu — Az respondeu com um sorriso de lado.
— Não sabia que ser subordinado de Rhysand era tão cansativo — zombou.
— Espero que meu irmão esteja lhe pagando a altura de teu esforço — Helion riu com o comentário e observou o outro se sentar um pouco afastado da mesa em que estava.
— Acha que seu irmão tem riquezas o suficiente para pagar um Grão-Senhor ? —  perguntou divertido.
— Ele pode lhe pagar em vestidos, já viu como ele veste a Feyre ? — Az respondeu zombeteiro.
— Tenho certeza que eu ficaria deslumbrante em um daqueles vestido — Helion disse sonhador — Talvez faça essa proposta na próxima vez em que o vir — terminou com deboche.
Um silêncio  momentâneo se instaurou como se o Illyriano estivesse recriando essa imagem na cabeça.
— Eu adoraria vê-lo de vestido, mas não temos algo mais importante a fazer ? — acabou questionando.
— Tsk, sem graça — Mudando de postura, o Grão-Senhor se espreguiçou e logo em seguida se indireitou, Az em resposta riu levemente.
— Mandei procurarem por escritos antigos nas bibliotecas, mas como quase tudo foi destruído... não creio que encontrarão muita coisa — Helion começou dizendo enquanto analisava alguns pedaços de papiros chamuscados.
— Primeiro precisamos catalogar as runas que se repetem das mesmas maneiras e depois analisar como se repetem e sua recorrência... — continuou enquanto Az afirmava  com a cabeça e conjurava o livro na mesa a sua frente.
O trabalho começou de maneira lenta e complicada. Perceberam que quaisquer anotações longas que fizessem que não fosse no próprio livro, eram imediatamente apagadas, isso impedia a cópia de excertos compridos. Helion depois de muito pensar, conseguiu fazer com que suas anotações não fossem apagadas. Tinha que escrevê-las calmamente e separadamente, de uma maneira que não parecesse um texto e sim, rasbicos desconexos. Passadas algumas horas de leitura, ambos começaram a sentir o efeito do cansaço bater e o sol dar lugar à noite.
— Veja, esses hieróglifos aqui, acho que significam um nome — Helion disse apontando para o livro.
— Eles se repetem durante todo o livro, mas sempre ocupando lugares diferentes e também não parece ter conexão com o que é dito — Az se aproximou ouvindo a explicação do Grão-Senhor.
Notou como o outro ficou animado com o novo progresso e não pode deixar de achar fofo.
~
Os dias foram passando e Helion progrediu de maneira lenta, mas de certa forma satisfatória. Havia descoberto quais símbolos correspondiam algumas letras e com isso estava juntando sílabas. Trabalhar com Az se mostrou mais prazeroso do que esperava e mais atormentador também. Nada de grave acontecia entre os dois, até as brincadeiras deram lugar a conversas sérias e profissionais. Mas era os pequenos gestos que faziam o coração do Grão-Senhor bater mais rápido... pequenos toques de mãos e sorrisos contidos. Gostava de ver o Illyriano ler sentado de maneira relaxada em uma poltrona e do pequeno vinco que se formava em sua testa quando algo estava difícil de entender. Gostava de vê-lo arrumar a bagunça de papéis que fazia e lhe trazer chá quando seus olhos começavam a arder, mas acima de tudo, gostava do olhar admirado que Mestre Espião estampava toda vez que avançavam.

O Deus do Sol  (Hiatus) Onde histórias criam vida. Descubra agora