Capítulo Cinco

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Quando o Conde Styles acordou naquela manhã, suas janelas estavam quase completamente cobertas pela neve que havia caído copiosamente por quase toda a noite.

Ele se levantou e caminhou até as portas francesas entre uma janela e outra, que lhe dava acesso ao balcão do lado de fora. O gélido ar externo chocou-se com força contra o calor de seus aposentos, o atingindo em cheio nas faces e retesando seu largo corpo, mas Harry não se incomodou com isso. A visão da cidade de Londres, em sua maioria das vezes sempre tão escura e séria, ganhava elegância envolvida naquela grossa película branca e fofa. Era um dos motivos aos quais ele apreciava tanto o inverno e o fato de a capital da Inglaterra conservar este frio pelo tempo que fosse necessário.

Estava prestes a fechar as portas outra vez, pois o frio estava começando a deixar seus dedos duros e os dentes batendo. Foi então que ele fora surpreendido pela aparição de um intruso. Harry nem o vira se aproximando, mesmo que as penas pretas como carvão se destacassem no clarão cândido da paisagem invernal. Empoleirando-se no balaústre do balcão, um corvo pôs-se a repousar.

Ele continuou parado entre o vão das portas à olhar a lúgubre ave, que diferente do Sr. Styles tinha os olhos grandes e pretos no horizonte, ignorando-o completamente apesar de ter pousado em seu balcão. Havia algo pendendo do bico alongado da criatura, um pedaço arroxeado de carne podre e borrachenta e o corvo a apertava entre o bico com despreocupação, como se estivesse brincando com a comida. Por conta disso, o odor da carniça começara a se assentar aos poucos no ar.

Qualquer outro naquela situação não teria pensado duas vezes antes de afastar-se do pássaro ou expulsá-lo dali. Harry, no entanto, estava sendo arrebatado por memórias sombrias de infância ao fitá-lo, recordando-se de um tempo em que o sentimento que lhe subia ao peito ao olhar para estas criaturas era o de admiração e curiosidade, e não o de temor e desdém.

Acontece que Blackwood Hall costumava a ser frequentemente visitada por corvos no passado. O tataravô do Conde era obcecado por corvos e os criava como bichos de estimação numa antiga propriedade de família no campo. Seus pais não apreciavam esta história e todas as informações que ele aprendeu ao longo dos anos acerca deste bizarro interesse de seu antepassado fora através de pesquisas que ele mesmo fez nos poucos registros que haviam restado em memória do mesmo. Harry lera certa vez o velho diário rasgado que seu tataravô, nas vezes que passava temporadas na capital, ordenava que os criados deixassem uma porção do lixo acumulado nos fundos da propriedade só para que os pássaros pretos pudessem encontrá-lo. Diz-se até que o homem passava horas em companhia dos bichos e que tentava trazê-los para dentro da mansão por mais que a esposa o proibisse todas as vezes.

Era um hábito desprezível e inconveniente que a família nunca compreendeu e que lutava para abafar, em recusa a perda da relevância e do prestígio que o nome Styles carregava, motivo esse pelo qual havia tão pouco e falava-se tão pouco sobre o sujeito. Havia qualquer traço de insanidade nele, algum tipo de loucura da mente.

Harry tinha onze anos de idade quando ouviu o nome do tataravô pela primeira vez. Seu pai estava no escritório que agora lhe pertencia conversando com sua mãe e a porta estava entreaberta. Ele não queria escutar, de fato não havia feito de propósito pois não era e nunca havia sido do tipo bisbilhoteiro, mas por mais que fosse um menino muito bem educado e cortês, não pôde controlar a curiosidade que queimara em seu peito ao ouvir o nome sendo exclamado com tanta desfaçatez na severa voz de seu progenitor.

― Está acontecendo outra vez. A maldita doença de Alfred Crow voltou para nos assombrar.

Ele se lembrava que o pai soava preocupado de uma forma alarmante e exaltada que normalmente reservava para os malfeitos de seu irmão caçula, Logan. Ele não sabia sobre o que seus pais estavam conversando, mas compreendera que era algo grave e que haveria sérios problemas caso fosse pego escutando atrás da porta.

𝐑𝐢𝐩𝐩𝐞𝐝 • H.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora