Capítulo Um

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FEVEREIRO, 1888
Londres, Inglaterra

Nada há de correto em adentrar uma etapa da vida contrafeito a tal situação; as graves consequências que se ocasionam de tamanha infelicidade são meros reflexos de como a covardia humana pode ser cruelmente severa em sua devolutiva.

Investir em um imóvel que se sabe que lhe gerará muitas dispensas é apenas desperdício de dinheiro e tempo, não importa o quão rico ou jovem se seja. Casar-se com alguém que não se nutre qualquer tipo de afeição e que nem sequer tenha qualquer espécie de conhecimento a respeito, movido apenas por um capricho da carne, é, todos bem sabem, uma gigante insensatez que igualmente cobrará caro, desde ao bolso à energia emocional e psicológica. Aparentemente, contudo, nenhum destes conselhos chegara aos ouvidos do Conde Styles a tempo do mesmo não cometer ambas as imprudências previamente citadas e naquele exato momento, em meio ao silêncio espesso no pequeno espaço acolchoado de sua carruagem, ele se dirigia para sua residência em Mayfair, com sua recém adquirida esposa ao seu lado.

A vertigem que lhe subia a cabeça ao espiar o perfil da mulher não era em nada causada pelo balanceio do transporte, tão pouco os resquícios de bile que lhe ardiam a garganta. A origem de sua náusea era moral; um coquetel de arrependimento e culpa se revirando dentro de suas entranhas e se alojando nas extremidades de seu corpo, retesando seus músculos.

Harry sentia a própria pele fria como a de um morto, suada como a de um covarde e sensível como a de um doente. O estouro do flash da máquina fotográfica que registrou o momento exato quando os votos foram feitos no altar, na pequena capela da cidade de Bournemouth, de onde ele encontrou essa que agora teria de chamar de Sra. Styles, ainda embranquecia sua visão e lhe dava essa falsa sensação de que todos os acontecimentos que se sucederam ao seu redor não passavam de mera piada de péssimo gosto. Ele não pediu que a fotografia fosse feita, não queria, a bem da verdade, que houvesse registro algum do único ato descabido e imprevisto que já tomara na vida. Da mesma forma que um ladrão não desejaria ser apanhado pelas autoridades, era da vontade do Conde que esta união ocorresse em plena quietude, na escuridão da ignorância alheia. Contudo, o repórter do patético jornaleco local esteve lá, aproveitando-se de um momento onde nem ele nem nenhum outro poderiam interferir para garantir a matéria do próximo dia.

Ele poderia até mesmo imaginar como seria a manchete. Em letras garrafais, no topo da página, diria: Conde de Somerset se casa com filha de baronete falido. Ele estava ciente de que apenas com muita sorte não fariam especulações escandalosas quanto a circunstância que levou ao casório, no mínimo cogitariam a possibilidade de ter havido algum tipo de indiscrição para que um homem de tal estirpe da capital ter desposado uma jovem de tão baixo status, num período tão curto de tempo.

Pois curto de fato fora o tempo que levou para que Styles fosse apossado de tal ideia. Como se o demónio em pessoa tivesse rastejado das profundezas dos sete círculos do inferno para tentá-lo. Ou ao menos fora o que Harry sentiu, que o diabo estava por sussurrar no pé de seu ouvido quando a viu pela primeira vez.

O desenrolar do início de sua desgraça começou com sua ida ao condado de Dorset. O que era para ser uma viagem de trabalho, uma tentativa de expandir seus negócios para outra região próxima a que seu título lhe apodera, acabou se transformando no enredo de sua eminente queda quando Harry, tolamente ― característica incomum a ele, vale ressaltar ―, se deixou conduzir por um capricho ― outra prática incomum ao mesmo.

Hospedado num hotel bem reputado em Bournemouth, já que até então ele não possuía residência na região e muito menos estava familiarizado com os moradores, ele se expôs involuntariamente as prosas soltas dos demais hóspedes e assim descobriu sobre a notória propriedade posta à venda na extremidade da cidade, mais próxima ao mar e ao campo. Em quaisquer outras circunstâncias, tal informação não o interessaria em nada. Contudo, movido pela ambição de estabelecer negócios duradouros em Dorset, o Conde permitiu-se considerar a oportunidade que parecia ter sido aberta para ele pelo universo. Longford Manor era como se chamava a propriedade e pelas informações que ele próprio se dispôs a colher de antemão, fez-se ciente da reputação do proprietário e da residência em si.

𝐑𝐢𝐩𝐩𝐞𝐝 • H.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora