AGOSTO
A melodia era arranhada para fora do violoncelo em movimentos calculados e metódicos. Uma obra melancólica de Johann Bach ecoando por todo o salão, invadindo os ouvidos dos expectadores, cingindo o corpo envergado da violoncelista, que se inclinava sobre o instrumento em pura devoção e esforço.
Quase todas as luzes haviam sido apagadas para que o foco da plateia se mantivesse na filha mais velha dos Trembley. Era uma loira franzina que muito provavelmente havia investido muitas horas de seus dias ensaiando para aquele recital e que naquele momento demonstrava todo o seu talento para um público de mais de setenta amigos e conhecidos mais próximos de seus pais.
Ninguém ousava emitir um som, ninguém ousava desviar o olhar. Os leques das damas chacoalhavam o mais cuidadosamente possível diante de seus decotes, até mesmo a tosse dos cavalheiros mais velhos parecia ter sido curada. Não se via um sequer expectador que não estivesse completamente arrebatado, uma sequer alma que não estivesse comovida. E em meio a todos estes corações amaciados, havia o Conde Styles.
Todos os olhares estavam ao norte e mesmo assim era como se a sala estivesse se fechando ao redor dele. A cada segundo que a música se estendia, Harry sentia mais e mais dificuldade de respirar e sua pele transpirava friamente, embora ele pudesse sentir o peito queimar com um fogo que vinha das profundezas do âmago.
Lá, quase no centro da plateia, o Conde se acomodou em meio a tantos rostos perplexos pelo talento que ele mesmo não conseguia se esforçar para se importar, ao mesmo tempo que lutava para manter a compostura. A inquietação vazava pelos frisos de seu rígido controle, fazendo sua perna balançar para cima e para baixo com rapidez e suas mãos se arrastarem por suas rijas coxas, desesperado por algum tipo de conforto. A gola de suas vestes parecia apertada, a gravata de seda preta comprimindo suas vias respiratórias. Ele a puxava a cada dois minutos, engolindo em seco a vontade de arrancá-la.
Aquele era um entre os muitos outros episódios de agonia que Harry apresentara nos últimos meses, então ele não ficara surpreso ao sentir o suplício se instaurando em seu corpo, embora não esperasse que aquilo fosse lhe acometer numa hora tão adversa. Começava com o repentino acelerar de seu coração, então aos poucos o tremor de seus membros, até que fosse quase impossível respirar sem parecer que estivesse se afogando, ao mesmo tempo que o suor lhe esvaía gélido. O que estes sintomas significavam o Sr. Styles não saberia dizer, contudo já havia percebido que ocorriam com maior frequência sempre que algo em seu ambiente o fazia se lembrar de coisas que ele preferia manter enterrado bem no fundo da mente.
O Conde era apenas um garoto quando sentiu algo remotamente parecido com isto pela primeira vez na vida; esta sensação de estar prestes morrer vítima de uma ameaça fantasmagórica e invisível. Na noite anterior a este primeiro episódio ele havia testemunhado seu irmão mais novo, Logan, sendo severamente punido por seu pai após tê-lo desrespeitado no descumprimento de uma tarefa. Harry havia se esquecido de concluir uma de suas próprias tarefas delegadas pelo pai e a mera possibilidade de ter de enfrentar a desaprovação do progenitor acabou por desencadear aqueles sintomas no momento que ele se deu por seu lapso. Assim que conseguiu se acalmar, o pequeno Harry passara quase a noite toda remediando sua falta e então no dia seguinte tivera de fingir não estar morto de cansaço. Valera a pena, no entanto, pois o pai lhe dera um de seus característicos acenos de aprovação que o conservara como o filho preferido por longos anos que viriam.
Era como Harry havia sido ensinado a ser: aquele que jogava pelas regras do jogo. A cada erro que ele via Logan cometendo, a cada falha que o irmão era incapaz de preencher, tanto por inabilidade ou falta de vontade, era como uma lição para que ele próprio fosse exatamente aquilo que as pessoas esperavam que ele fosse ― e mais. A alternativa para isto era a desaprovação de seus pais e, consequentemente, da sociedade, e quanto mais intrínseca se tornava sua relação com o jogo e as expectativas sociais, maior se tornava sua necessidade de se manter na linha.
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𝐑𝐢𝐩𝐩𝐞𝐝 • H.S.
FanfictionSéculo XIX. Era Vitoriana. Presa a um acordo de casamento sem amor, a vida pacata da geniosa Raven Graham se transforma drasticamente quando ela tem de se mudar do interior para Londres, para morar com o seu novo marido, o Conde Harry Styles -- que...