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Dandara.

Dois meses depois.

Minha última visita ao Dante tinha sido há três dias. Ele estava cada vez mais possesso e mandão mas a cada visita eu sentia que ele se abria mais, ele mostrava um lado diferente a cada piadinha sem graça que ele fazia.

Não éramos amigos, claro que não, mas já  éramos bastante conhecidos. Era óbvio que depois de dois meses a intimidade iria aumentar mas eu ainda continuava sendo uma puta, ele não sabia nada sobre mim e eu não sabia nada sobre ele. O foda era que no fim de cada visita eu ficava ansiosa pela próxima, com vontade de quero mais. Não por sentir algo por ele, óbvio, mas a forma que esse homem me fudia me deixava de um jeito diferente.

Verena disse que isso é amor de pica mas eu não acredito que há algum sentimento além do desejo que sentimos um pelo outro.

Me distraí dos meus pensamentos quando a enfermeira veio me avisar que a cirurgia tinha sido iniciada. Eles tentariam remover o tumor sem causar nenhum dano ao pulmão, o que era um pouco complicado, apesar de custear boa parte do tratamento com o dinheiro que eu ganhei nas visitas eu não tinha conseguido todo o dinheiro, era impossível.

A única coisa que eu tinha conseguido fazer foi adiantar os exames no particular, comprar os remédios e melhorar a alimentação do meu avô, mas a cirurgia está sendo feita pelo sus, graças à associação de moradores lá na favela nós conseguimos contato com um dos candidatos à deputado. Época de eleição é bem assim, eles movem o céu e a terra apenas um voto e depois eles somem da nossa vista e só voltam quatro anos depois de novo.

As horas foram passando e quanto mais perto estava do fim da cirurgia, mais nervosa eu estava. Era a primeira vez que esse tipo de situação acontecia, Tião nunca havia ficado doente da vida, nunca foi necessário ele passar por esse tipo de coisa e ficar internado.

Às 9h30 da noite uma das enfermeiras veio fala comigo.

Paloma - A retirada do tumor foi um sucesso - eu respirei aliviada - Mas precisamos saber como ele vai reagir nas próximas horas, por isso ele ainda está na UTI em observação.

Dandara - Graças a Deus! - sorri - Ele já acordou?

Paloma - Não, o sedativo ainda está fazendo efeito. Ele deve acordar durante as próximas duas horas.

Dandara - Tá bom, muito obrigada! - Ela saiu andando pelo corredor.

Agradeci à Deus quase chorando, fiz uma oração e finalmente fui comer alguma coisa do lado de fora do hospital. Eu não comia nada desde às dez horas da manhã quando viemos pro hospital. Uma moça estava vendendo empadão e eu fiz questão de comprar uns quatros e um copo de suco de laranja, eu estava com uma fome enorme.

Quando voltei pra dentro do hospital a primeira coisa que eu fiz foi pegar o meu celular e ligar para a Verena. Eu tinha acabado de comprar, ele custou uns oitocentos reais pela internet. Não era o melhor celular do mundo mas eu conseguia usar perfeitamente, eu não fazia questão de nenhum tipo de luxo.

Verena - Fala, mulher! - como sempre, animada - Como foi a cirurgia, deu tudo certo, né?

Dandara - Sim, deu tudo certo! - falei percebendo o sorriso em meu rosto -.

Verena - Ai, que bom! - deu um gritinho - E quando vocês vão vir pra casa?

Dandara - Ele ainda precisa ficar em observação, não acordou ainda, está sob o efeito da anestesia.

Verena - Entendi, amiga. Mas graças a Deus a cirurgia foi um sucesso, agora é só esperar vocês voltarem pra casa.

Ficamos trocando maior ideia por um tempão, quando eu me dei conta já eram dez horas da noite. Fui até uma enfermeira perguntando se o meu avô já tinha acordado e ela disse que sim porém eu não podia entrar na UTI pra não causar o risco de nenhum tipo de infecção mas que estava tudo bem com ele.

•••

Dois dias depois da cirurgia e os indícios são de que hoje o meu avô sairia da UTI e se ficasse tudo bem ele já poderia ir pra casa.

Eu estava animada, cheguei no hospital doida pra ver ele. Assinei os papéis e um tempo depois ele já estava liberado, entrei no quarto e ele estava assistindo.

Dandara - Eu estava com tantas saudades do senhor! - abracei ele com calma.

Tião - Minha filha, eu não morri - Ele falou rindo.

Dandara - O senhor ainda vai viver por muitos anos, eu te disse!

Tião - Obrigado por isso, obrigado por cuidar do seu velho.

Dandara - O senhor fez muito mais por mim quando me tirou da rua e me acolheu como se fosse sua filha, o que eu estou fazendo não é nada perto do que o senhor fez durante toda a minha vida.

Tião - E eu não me arrependo, criei uma menina que hoje é uma mulher, guerreira e que não abre mão da sua dignidade. Você é a filha que todo pai sonha em ter, a filha e a neta que eu não tive.

Dandara - Eu amo o senhor, paizinho - abracei ele.

No horário do almoço o meu avô não pôde almoçar, ele precisava fazer mais alguns exames antes de ir pra casa. Tiraram um pouco do sangue dele e fizeram uns exames raio-x.

Já de noite a poltrona era gelada, dura e bastante e desconfortável mas eu não estava com sono nenhum. Estava ansiosa para ir logo embora dali com o meu avô que não parava de tossir, observei ele que de uns tempos pra cá estava com a aparência mais velha, os cabelos muitos mais grisalhos e mais magro. Era isso que essa maldita doença fazia com as pessoas.

Adormeci depois de um tempo e então no dia seguinte eu levantei cedo, praticamente não dormir mais que cinco horas. Tomei um banho e tive que vestir a mesma roupa, eu acabei esquecendo de trazer.

Às 9h eu tive que insistir muito pro meu avô tomar café, ele não queria se alimentar por nada, dizia que não estava com um pingo de fome. Um tempo depois um dos médicos que participou da cirurgia do meu avô me chamou para uma conversa em particular.

Dandara - Bom dia, doutor. - me sentei em sua frente - Aconteceu algo?.

Patrick - Infelizmente, Dandara - Ele fez que sim com a cabeça - O que eu tenho pra te contar não é nada simples.

Dandara - Como assim? não estou entendendo nada, a cirurgia não tinha sido um sucesso?

Patrick - E foi, realmente foi - eu continuei ouvindo - Mas existia outro tumor no pâncreas do seu avô.

Dandara - Vocês tiraram também?

Patrick - O câncer se espalhou pelo corpo do seu avô, não temos mais o que fazer, eu sinto muito.

Dandara - E a porra da bateria de exames que eu paguei? E a quantidade de raio-x que fizeram, como não conseguiram encontrar esse tumor antes da cirurgia?

Patrick - Essa doença é uma doença que se espalha de maneira rápida, como você disse, os sintomas se manifestavam à mais de um ano.

Dandara - Eu pago doutor, não importa. Eu pago o necessário para que curem ele.

Patrick - Desculpa Dandara, mas infelizmente não há mais o que fazer nessa situação.

𝗖𝗼𝗺𝗮𝗻𝗱𝗼 𝗩𝗲𝗿𝗺𝗲𝗹𝗵𝗼 Onde histórias criam vida. Descubra agora