Dandara.
Hoje é domingo e já se passavam duas semanas da pior notícia que poderia receber e quanto mais o tempo passava mais o Tião ficava fraco. Eu tentei mas realmente não tinha jeito, eu não tinha mais como salvar o meu avô.
Eu queria tentar entender o porquê das pessoas tão boas irem embora tão cedo sendo que existe tanta gente ruim nesse mundo.
Dandara - Bom dia, vô - deu um beijo na testa dele - Já comeu, senhor teimosia?
Tião - Já minha filha, já.
Dandara - Comeu mesmo né? - ele fez que sim - vou confiar.
Em outras situações ele poderia ir para casa e passar os últimos dias lá mas a situação dele se agravou bastante nas últimas semanas e é impossível ele ir para casa agora. Os médicos preferiram não dar nenhum tipo de remédio forte, seria pior.
Tião - De hoje eu não passo, filha - deu risada balançando a cabeça -.
Ele era ciente da própria situação, dessa vez eu preferir optar pela sinceridade, era o mais justo.
Dandara - A palavra final é sempre de Deus, o senhor sempre me disse isso.
Tião - Mas Deus já me disse, chegou minha hora de descansar.
Dandara - Agora deu pra ficar adivinhando a hora da morte - Ele riu.
Quando anoiteceu eu sentir bastante frio, o clima não era nada agradável e o meu coração se apertava a cada segundo. O meu avô dormia na cama em minha frente e eu o observava enquanto descansava.
Verena me mandou mensagem avisando que o Dante mandou recado mas eu não quis saber. Eu não ia visita-lo faziam três semanas, não tinha mais necessidade de continuar naquilo. Eu só estava fazendo o que eu fazia pelo meu avô e agora não existia mais nenhum motivo para eu me vender daquele jeito.
Conversei com o Índio e por mais que ele tentasse reverter a situação ele me entendeu e disse que eu só precisava devolver o dinheiro da última visita já que ele tinha me pagado adiantado. Como eu não tinha gastado um centavo daquele dinheiro a única coisa que eu fiz foi devolve-lo e ainda sobraram uns mil reais.
Como os quartos de quem não estava mais na UTI eram compartilhados havia uma senhora de idade deitada em uma cama, ela estava sozinha e conversava comigo.
Roseane - Meus filhos me abandonaram - ela riu - Mas não é culpa deles, eu fui uma filha da puta, nunca fui uma boa mãe e agora na velhice só me resta a solidão.
Dandara - Tenho certeza de que eles vão vir.
Roseane - Duvido, nem no dia da minha morte. Serei enterrada com indigente, sem família.
Dandara - Se é o que a senhora acha.
Roseane - Agora você, você é uma menina que uma vida de mentiras - olhei pra ela desconfiada.
Dandara - O que você está querendo dizer com isso?
Roseane - Eles me disseram, eles me disseram.
Dandara - Eles quem?
Roseane - É segredo, mas eu não posso falar - se ajeitou na cama - mentira pra você durante toda a sua vida, menina - ela deu às costas se virando e dormindo, deixando uma incógnita na minha mente.
O que essa senhora falou me deixou totalmente perturbada, por um momento eu achei que ela estava falando sobre as visitas mas ela deixou bem claro pra mim que não era sobre isso, ela disse que mentiram pra mim durante a minha vida toda, mas quem mentiu?
Eu não conseguia dormir de jeito nenhum, não existia nenhum resquício de sono em meu corpo. Eu só estava ficando cada vez mais ansiosa ao passar do tempo, por mais que eu quisesse eu não estava conseguindo dormir.
A cada instante o tempo se passava mais devagar, quando parei para observar o celular o horário já marcava as três em ponto da madrugada. Foi nesse momento que o meu avô despertou, me chamando bem baixinho.
Dandara - O que foi, vô? - me levantei indo até ele.
Tião - Minha hora chegou, minha filha - Ele pegou na minha mão.
Dandara - Para de falar besteira, tá doido?
Tião - Eu preciso te falar, preciso te falar a verdade.
Dandara - Que verdade? - perguntei curiosa.
Tião - A sua mãe minha filha, sua mãe nunca te abandonou.
Dandara - Como assim, que história é essa?
Tião - Você foi roubada, te roubaram da sua família e me deram você pra criar.
Dandara - Quem vô, quem foi? Que história maluca é essa que o senhor deu pra inventar.
Tião - Não é nenhuma história, é a verdade. Uma moça roubou você da sua família e largou você na minha sapataria.
Dandara - Quem foi essa moça?
Tião - Eu não conhecia ela, a única coisa que ela me disse foi que chamavam ela de Beth, Nete, alguma coisa assim minha filha.
Dandara - Por que o senhor só está dizendo isso agora?
Tião - Porque eu estou morrendo e você merece saber que nunca foi abandonada.
Dandara - O senhor não está morrendo, não está não - me abaixei ao lado dele chorando.
Foram questões de segundos para um silêncio se instaurar naquela sala, o meu avô estava certo, a hora dele tinha chegado. As poucas lágrimas que saíam do meu rosto eram de frustação misturada com tristeza. Descobrir depois de 19 anos que eu nunca fui abandonada no lixo era surpreendente, todo o sentimento de rejeição que eu tinha dentro de mim de repente não existia mais.
•••
Eu, Verena e mais algumas pessoas da comunidade estávamos presente no sepultamento do meu avô. Foi algo simples, até porquê eu não tinha menor condição de pagar nada. Aos poucos as sete pessoas que estavam ali foram saindo restando apenas eu e a Verena, eu chorava e ela tentava me consolar com um abraço.
Dandara - E agora? Me tiraram a única pessoa que eu tinha no mundo.
Verena - Como o seu Tião dizia, é a lei da vida, meu amor...
Dandara - Isso é tão injusto - suspirei - não tenho mais ninguém, agora estou sozinha na porra desse mundo.
Verena - Quem disse que você está sozinha, Dandara? Somos amigas, eu te considero como uma irmã. Somos carne e osso, dou minha vida por você.
Dandara - Obrigada por isso - Ela me abraçou um pouco mais forte.
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𝗖𝗼𝗺𝗮𝗻𝗱𝗼 𝗩𝗲𝗿𝗺𝗲𝗹𝗵𝗼
Teen Fiction𝙈esmo quando os sonhos se perdem, é possível encontrar um futuro.