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Dandara.

Tião - Aqui minha filha, a receita dos remédios.

Sebastião foi o homem que me criou e me deu todo o amor que era possível.  Quando uma mulher que ele acha que era minha mãe me deixou largada no lixo foi ele quem me acolheu. Mesmo com o pequeno salário que ele conseguia como sapateiro ele nunca deixou nada faltar pra mim, sempre me ensinou o certo e o errado, ele foi o pai que eu não tive.

Agora já nos seus sessenta e quatro anos chegou a minha vez de cuidar dele. Não é fácil, não é nenhum pouco fácil achar um emprego hoje em dia sem nenhum tipo de curso ou experiência mas eu me viro, consigo me virar no que eu posso.

Dandara - O senhor têm certeza de que não quer que eu te acompanhe na consulta, vô? - perguntei observando o valor descrito na receita dos remédios.

Tião - Não se preocupa não, Danda - falou em meio à tosse - A associação vai mandar um carro pra buscar eu e mais quatro doentes.

Dandara - Tá certo então, vou lá, vou comprar os remédios. - ajeitei o short jeans e calcei minhas havaianas.

Eu só tinha quinze reais no bolso, o total dos remédios era cinquenta. Eu só tinha o dinheiro de dois deles.

Verena - Tá indo pra onde, mona? - me abraçou agarrando o meu pescoço.

Eu e Dandara somos amigas desde o ensino fundamental. Nós duas sempre fomos como carne e osso, nunca nos desgrudamos.

Dandara - Eu ia lá na farmácia da Ana, comprar uns remédios pro meu avô.

Verena - As coisas estão bem difíceis lá, né? - eu faço que sim com a cabeça.

Dandara - O dinheiro que eu consigo vai todo pro aluguel da casa e pros remédios, praticamente não têm o que comer. Não é justo com ele.

Verena - É nítido o seu esforço, você tá se virando pra caralho, eu admiro a sua persistência. Eu sendo você, já sabe... - ela suspirou.

Dandara - Acabou de chegar, né? - observei as sacolas de roupas em seus braços.

Verena - Sim, vou viajar na semana que vem. O bofe finalmente vai fazer uma graça - sorriu.

Verena é prostituta mas ela tem um caso principal com um desconhecido. Temo por ela, imagina se ela está se envolvendo com um miliciano ou alguém da facção rival? Do jeito que ela é eu não duvidaria disso. Apesar disso ela têm um coração gigante, minha única amiga! Pode ser doidinha, porra louca mas é uma amiga do caralho.

Verena - Vamos, vou te acompanhar lá na farmácia - eu assentir e nós fomos andando até lá, não era longe.

Ana - Bom dia - olhou com desdém para Verena.

Ana era aquele tipo de mulher bastante conservadora. Mulher de pastor ela é aquele tipo de crente que pra ela todo mundo é pecador, menos ela. Fofoqueira, ela destilava o veneno e falava mal daqueles que ela julgava, mas não era uma pessoa tão ruim, graças à ela eu conseguia pagar uma boa parte do aluguel da casa.

Dandara - Bom dia, dona Ana! - dei um sorriso pra ela - A senhora têm esses remédios aqui? - entreguei a receita nas mãos dela.

Ana - Tenho sim, mas esse aqui é mais caro - ela apontou pra um dos remédios descritos.

Dandara - Então só me dá esses dois aqui - ela assentiu virando as costas pra nós duas e procurando os remédios na prateleira.

Verena - Nada disso, vamos querer todos que estão na receita e pode passar tudo no débito - ela sorriu irônica.

Dandara - Verena, não precisa disso - ela fingiu que não me ouviu - Você já me ajudou no mês passado, não posso ficar me aproveitando da sua boa vontade, do seu dinheiro.

Verena - O que é meu também é seu, sempre foi assim, não foi? Nós duas contra tudo, esse dinheiro não é nada comparado ao que o seu avô já fez por mim me deixando morar com vocês.

Quando a mãe de Verena descobriu que ela fazia vida, isso à dois anos atrás, dona Suely colocou ela pra rua. Ela literalmente jogou todas as coisas da Verena no meio da rua, lembro que na época a minha amiga só sabia chorar de vergonha. Elas passavam bastante dificuldades e como a Verena não encontrava um emprego ela optou por um caminho mais prático. Ela fez o que fez pela mãe mas como a favela toda comentava a mãe dela não quis ouvir nenhuma justificava, foi então que ela passou dois meses morando conosco até que alugou uma casa.

Verena digitou a senha na maquininha e a Ana nós entregou a sacola com os remédios.

Dandara - Eu não sei nem como te agradecer - falei sem graça.

Verena - Já falei que não precisa disso, eu amo você e o seu avô como se vocês fossem a minha família, você é a minha melhor amiga, não custa nada.

Verena me puxou até o supermercado, mesmo eu negando que não precisava ela não me deixou ir embora. Entramos e compramos alguns quilos de feijão e arroz, farinha, um pouco de carne e algumas frutas.

Dandara - Eu vou te pagar, eu prometo. Não é justo você gastar todo o seu dinheiro, dinheiro que você conquistou.

Verena - Para com esse drama, Dandara! Já te falei que o que é meu também é seu e o quanto eu puder ajudar vocês, eu ajudo. Não quero ver você seguindo o mesmo caminho que o meu.

Ela me abraçou e se despediu indo pra casa.

Fiz o mesmo, peguei todas as sacolas e imbiquei pra casa. Mesmo com o peso das sacolas eu agradecia a Deus por tudo isso, eu não desejava isso pra ninguém, ninguém merecia passar fome e eu já não aguentava passar por toda essa situação.

𝗖𝗼𝗺𝗮𝗻𝗱𝗼 𝗩𝗲𝗿𝗺𝗲𝗹𝗵𝗼 Onde histórias criam vida. Descubra agora