09 Na borda do mundo

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Apenas um moleque com um pavio curto

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Apenas um moleque com um pavio curto

(...)Não fazia o que me mandavam, não era um seguidor

(...)Eu era o raio antes do trovão

Thunder - Imagine Dragons

Antes - 2015

— Sim, sinto muito mesmo! — Meu pai lamenta, andando de um lado a outro na sala do delegado, após descansar despreocupadamente um bolo de notas de cem sobre a mesa de madeira com tampo lascado e desgastado em frente ao oficial. — Meu filho tem um problema mental, não faz essas coisas por mal.

Eu aperto os punhos com força para segurar o impulso de socar as paredes ao vê-lo falar assim do meu transtorno. Mordo o lábio o mais forte que consigo, até sentir o fio de sangue escorrendo pela língua. E a dor alivia a carga de sentimentos densos e desequilibrados dentro do meu corpo.

Leva quase uma hora até que Vinicius consiga que eu seja liberado sem maiores problemas. Enquanto me jogo no banco do carona ao seu lado, sigo relembrando o quanto meu pai adora usar meu diagnóstico contra mim. Ele o aproveita sempre que o convém, para deixar claro o quanto acredita que sou uma porra estragada e um efeito colateral de seu casamento. Também saca essa carta da manga quando me encrenco na escola, ou em alguma nova passagem pela polícia ao ser pego pichando as coisas.

"Nossa, ele tem uma doença mental, toma remédios...", é a ladainha de sempre. Nas delegacias, ele costuma complementar com um suborno para impedir que eu seja apreendido como menor infrator. Nas escolas, tenta apagar minhas merdas oferecendo viagens aos diretores, bolos de dinheiro, tudo o que pode para que minha mãe não choramingue em seu ouvido por horas a fio pelo filho "problema" que tem. Sei que os esforços de Vinicius não são por mim, ele ficaria feliz em me colocar novamente em um internato em um país bem longe, ou deixar que eu me foda e fique preso até a maioridade. Mas ele não suportaria Suzana em sua cabeça, reclamando sobre o que suas amigas ricas e superficiais diriam por aí caso um Dumont fosse preso. Ela adorava o peso do nosso sobrenome, e odiaria o sujar comigo sendo apreendido como infrator . E minha mãe nem teria desculpas para o filho voltar para um colégio interno, como fiquei quase a vida inteira.

Tomei um bando de cascudos horas atrás, quando me pegaram tentando usar meu piche sobre uma estátua na rua da escola. Fui levado para a delegacia quando um dos policiais percebeu que usava um relógio que custava o dobro de seu salário. Bom, ao menos foram apenas cascudos, né...Já tomei porrada de cacetete, fui algemado, e jogado na "gaiola" do camburão algumas vezes.

Não costumo pichar estátuas, odeio a irregularidade dos contornos, é mil vezes melhor uma superfície reta. Mas tinha um "rolê" — uma assinatura em comum para uma gangue inteira — dos Turma. É um grupo de filhos da puta que adora fazer "atropelo" com o meu bonde. O atropelo é um insulto, é quando um arrombado resolve fazer sua pichação por cima da de outro camarada. E nós da Toca não costumamos fazer isso, o pessoal do meu grupo gosta de respeitar o piche alheio, mas a Turma só tem cuzão, e sempre que podem, picham em cima das nossas artes. Então eu estava pronto para deixar um recado atropelando o "rolê" deles, quando um policial me pegou pelo cangote e sentou uma moca na minha cabeça. Soube que dali em diante seria só merda.

Revolta e Outras Coisas - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora